A SINAGOGA DE BEJA

A história da comunidade judaica em Beja está ainda em grande parte por fazer. Cremos que a tarefa não será fácil, pela previsível escassez de fontes documentais.

Do que se conhece sabe-se que a judiaria tinha como núcleo central a Rua da Guia, anteriormente chamada de Rua das Tripeiras. Na mesma rua, ou nas suas cercanias, se situaria a sinagoga, chamada então de asnoga, ou esnoga, asserção que ainda permanece nos dicionários mais recentes.

É previsível que a sinagoga de Beja tivesse sido encerrada na sequência do édito real publicado em 1496, por D. Manuel I, pelo qual se obrigavam os judeus e muçulmanos a sair do país ou a converter-se ao cristianismo.

Em carta da Câmara de Beja, datada do ano de 1637, é mencionada a sinagoga. Isto é, cerca de 140 anos após o seu provável encerramento, ainda permanecia viva a memória da existência do templo judaico.

O documento em causa é uma carta de dada de uma parcela de solo público a Sezinando de Seixas Freire, para que o mure e faça dele quintal. Fundamentava este a sua petição no facto de a dita parcela de terreno ficar nas traseiras de sua casa, ao Poço do Ouro, extremar com um seu quintal, ser de área diminuta e servir de depósito de imundícies que aí lançavam os residentes seus vizinhos, com todos os inconvenientes que daí resultavam.

Enviado ao local o porteiro da Câmara, Manuel Gago, para fazer a medição do terreno e determinar as respectivas confrontações, é-nos dito que o “chão”, tinha da parte da rua oito varas e meia e da parte da travessa “da banda da asnoga”, nove varas e meia. (A vara era uma medida de comprimento, equivalente a 1,10 m).

O Poço do Ouro, hoje soterrado, situava-se na confluência da Rua de São Gregório com a Travessa Funda, que faz a ligação daquela Rua com a Rua da Guia, as quais correm quase paralelas. Será a travessa da “banda da asnoga” a Travessa Funda, situando-se o templo judaico na Rua da Guia, coração da judiaria?

Os elementos contidos no documento não nos permitem fazer uma localização exacta da “asnoga”. Permitem-nos, contudo, afirmar da existência de um templo judaico em Beja, cuja existência por longo tempo perdurou no memorial citadino.

 

 

Critérios de transcrição

 

- Transcrição do documento em linha contínua, separando os fólios por traços oblíquos //, com a anotação, entre os mesmos, do correspondente número do fólio /fl. x/;

- separaram-se as palavras unidas no original;

- a translineação no original vai assinalada através de traço oblíquo /;

- actualizaram-se as maiúsculas e minúsculas, de acordo com as normas actuais, quer no interior, quer no início das palavras;

- desenvolveram-se as abreviaturas, estando os respectivos desenvolvimentos assinalados em itálico;

- o “u” com o valor consonântico de “v” transcreveu-se como “u”;

- o “j” com o valor vocálico de “i” transcreveu-se como “j”;

- cedilhou-se o “c” quando omisso no original;

- manteve-se a pontuação original;

- os espaços ilegíveis vão assinalados por [...];

- os erros do texto original vão assinalados por [sic];

- todas as intervenções no texto original vão assinaladas em itálico.

 

 

Livro de Vereações da Câmara Municipal de Beja de 1637

Cota: CMB B/A-01 Lvº. 52, Cx. 8

Arquivo Histórico-Municipal de Beja

 

 

 

Carta do chão que a Camara deu a

Sezinando de Sexas Frejre morador nes /

ta Cidade de Beia o qual parte

cõ chão e quintal das cazas delle

sobreditto, sittas ao Poço do Ouro

 

Juiz Uereadores e Prouedor da Camara desta Cidade de Beia e seu termo por elRej nosso Se / nhor este prezente anno de mil e seis centos e trinta e sette annos Item: Faze / mos saber a todas as justissas desta ditta Cidade que ao prezente são e ao diante forem, e bem assim a todos os Corregedo / res, Prouedores, Ouuidores, Juizes de fora e mais justissas a que esta nossa Carta infatiota de sesmaria, e licença dada for aprezentada e o conhecimento della com direito deua e aia de pertencer por qual / quer uia modo e manejra que seia que por parte de Sezinando de Sexas Frejre mo / rador em esta Cidade de Beia nos foi feita hũa petição por escrito dizendo em ella que detras das suas Cazas ao Poço do Ouro es / taua hũ pequeno de cham deuoluto deste Concelho e parte cõ outro chão e quintal del / le supplicante, o qual queria aleuantar e a / murar, e fazer de tudo hũ quintal, e por o ditto chão do Concelho ser couza de pouca cõ / sederaçam, e não ter a Camara delle prouej / to algum, e fazia roim uezinhãsa has suas cazas em respeito de esterquejra e im [fl. 137 v.] e immundicias que nelle se lançauam o qual cham da parte da Rua tem oito uaras e meja e da parte da trauessa da banda da asnoga noue uaras e meja que foram medidas por Manoel Gago porteiro des / ta Camara de que deu sua fe dizendo que serteficaua, e era uerdade que elle fo / ra medir o chão contheudo na petiçam do supplicante e nelle achara as sobredit / tas uaras pellas dittas partes assima de / claradas e porquanto no ditto chão que / ria fazer quintal leuantandoo e amu / randoo o não podia fazer sem nossa li / cença pello que nos pedia lha dessemos para poder fazer paredes no ditto chão e seruirse delle como couza sua propria e lhe mandassemos passar Carta da datta do ditto chão para a ter por titulo do di / to chão e receberja merce. Item. Se / gundo se continha na petiçam do suppli / cante Sezinando de Sexas Frejre a qual sendonos aprezentada e uista por nos fomos uer o ditto cham e achámos ser de pro / uejto leuantarse e amurarse e fazer nel / le quintal para iuitar as immudicias que nelle se lançauam por tanto lhe demos o ditto chão digo lhe demos licença para fa / zer o ditto quintal na forma que pedia para que lhe mandámos passar a prezen / te nossa Carta para Uossas merces pella qual Senhores lhes requeremos da parte [fl. 138] de sua Real Magestade e da nossa pedimos mujto por merce a todos em geral e a cada hũ em particular em sua jurisdiçam que tanto que esta nossa Carta de data de cham lhes for aprezentada sem / do por nos assinada e sellada a cumprão e guardem em tudo assj e da manejra que se nella conthem sem duuida nem em / bargo algum que a ella posto seia, e em seu comprimento dejxarão Vossas Merces liuremente ao ditto Sezinan / do de Sexas Frejre leuantar o ditto cham de terra ou pedra e fazer o ditto quintal sem por isso lhe ser posto impe / dimento algum por quanto nos lhe demos o ditto chão liure sem obrigaçam algũa uisto ser proueito ao pouo, e por esta rezão lhe darão todo o fauor e aiuda que for possiuel com declaração que elle ditto Sezinando de Sexas Frejre le / uantara o ditto chão dentro em hũ ano principiado da fejtura desta pella qual lhe damos a posse do ditto chão sem mais outra figura de juizo e quer a tome quer não, lha auemos por dada de hoie para todo sempre e para todos seus herdejros e não o leuantando no dito anno ficara deuoluto para este Concelho, e fara delle o que lhe parecer [fl. 138 v.] sem por isso ficar obrigado em couza al / gũa ao ditto Sezinando de Sexas Frejre por quanto nos lhe demos o ditto cham liure sem obrigaçam algũa o qual elle sobreditto accejtou e assinou aqui, e de o Vossas Merces assi comprirem e mandarẽ comprir faram justissa que costumão fazer como todos temos de obrigação por rezão de nossos cargos, e por ou / trosj nos pedir carta do ditto chão lhe mandamos passar a prezente para a ter por titulo para sempre por nos assinada e sellada com o sello desta Ci / dade de Beia feita em ella no officio de Francisco Fialho Guedes escriuam da Camara da ditta Cidade e seu termo por Sua Magestade aos quatorze dias do mês de Marso do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e seis centos trinta e sette annos

 

A Carta não está assinada.

 

AHMB, Vereações, Lvº. 52, Cx. 8, fls. 137-138vº.

 

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