BEJA SETECENTISTA – A URBE
Olhemos o espaço citadino e indaguemos do testemunho dos
párocos das 4 freguesias citadinas. Que visão sobre a realidade urbana nos
deixaram nas Memórias Paroquiais,
vasto interrogatório sobre as paróquias e povoações proposto aos párocos das
mesmas em 1758, em consequência do terramoto de 1755?[1]
António Guerreiro de Aboim, Prior da Igreja Colegiada do
Salvador, refere que a sua Igreja, cujo orago é São Salvador, tinha no sacrário
as relíquias de São Sesinando e São Bartolomeu Apóstolo. Da mesma Igreja saíam
as procissões do Corpo de Deus, de Aljubarrota, da aclamação de D. João IV e em
honra do patrocínio de Nossa Senhora. No mesmo largo em que está a igreja
colegiada achava-se a igreja-capela de São Sesinando Mártir, a qual foi
utilizada pelos padres da Companhia de Jesus enquanto se não terminou um
colégio para sua habitação, que se situava junto da mesma Igreja e cuja
construção se iniciou em 1693, tendo sido sua fundadora a rainha D. Maria Sofia
Isabel de Neuburgo. Intramuros, e a pouca distância daquele colégio, achava-se
o Convento da Esperança, de freiras carmelitas descalças, o primeiro que desta
ordem houve em Portugal. A sua construção iniciou-se no ano de 1541.[2]
Extramuros, situava-se o Convento de São Francisco, não longe da Porta de
Mértola. Segundo o Prior, o convento fora fundado em 1268 e teriam sido seus
fundadores os vereadores, ao tempo chamados alvazis, Lopo Esteves Alcaide,
Diogo Fernandes Esteves e Vasco Martins. No ano de 1380 ainda o convento estava
por terminar, não obstante os grandes esforços postos na sua conclusão. Segundo
uma antiga tradição a igreja conventual foi mandada erigir por D. Dinis, pois
além de se fundar o convento no seu reinado era sabido que nele tinha mandado
construir uma capela dedicada a São Luís de Tolosa.[3]
O Padre Carvalho da Costa aponta o ano de 1324 como o da fundação do Convento,
por vontade da Rainha Santa, e que nele viveriam mais de 60 frades.[4] A
mesma data nos é indicada por Luís Caetano de Lima na sua Geografia Histórica.[5]
Tinha mais, extramuros, a igreja de Nossa Senhora do Pé da
Cruz, “de bela fabrica, e primurozamente ornada (…)”,[6]
e uma ermida dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, erguida sobre os arcos da
Porta de Mértola. Porque a dita Porta era o limite entre as Freguesias de
Salvador e São João Baptista era a ermida da jurisdição dos 2 respectivos
priores.[7]
Era o mártir São Sesinando objecto de particular devoção por
parte dos cidadãos bejenses, pois que era tradição ele ter nascido e ter sido
baptizado na mesma cidade. De um dos três altares existentes na igreja que lhe
foi consagrada, e da sua sacristia, se dizia terem sido construídos sobre as
casas onde o Santo Mártir nascera, sendo a pia baptismal existente na igreja a
mesma onde o Santo “foi regenerado para a vida da Graça”. E porque o Santo
tinha sido martirizado e sepultado em Córdova, aí foi enviada uma delegação a
solicitar do bispo local a concessão de uma relíquia daquele que viria a ser o
patrono da urbe pacense. E assim foi que mandaram à dita cidade andaluza “dous
dos seus nobres cidadãos Jorge Bocarro Pegas, e seu neto André Pegas Vilarinho
pedindo ao Ilustríssimo Bispo de Córdova, que era então D. Francisco Reynoso,
lhes fizeçe a graça de seu amado filho e patricio. O Ilustrissimo Prelado, os
satisfes com a reliquia da canela de hum braço de comprimento de um palmo e
quatro dedos, a qual se conserva nesta Igreja do Salvador emgastada em hum
braço de prata (…)”. Por uma bula do Papa Clemente VIII, expedida
em Roma no dia 22 de fevereiro de 1597, se asseverou ser São Sesinando natural
de Beja e por uma outra bula do mesmo Papa, passada em 6 de março do mesmo ano,
concedeu este o poder-se rezar, dizer missa, pregar e fazer procissão com suas
relíquias e imagens. Esta bula e relíquias fizeram-se autênticas por mandado de
D. Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora, em 27 de junho de 1600. E no dia 16 de julho, dia da
evocação do Santo, fazia-se festa na sua igreja, com sermão e assistência do
senado camarário e procissão, pela tarde, à qual assistiam todas as comunidades
regulares, seculares e confrarias, saindo a relíquia da igreja do Salvador
aonde, findo o cortejo, se recolhia.[8]
Carvalho da Costa refere ainda que a relíquia teria vindo de Córdova para Beja
no ano de 1602.[9]
A Igreja de Santa Maria da Feira é a matriz da freguesia
urbana homónima, a qual, segundo a tradição e alguns vestígios históricos, é
apontada como sendo a antiga mesquita de Beja.[10] Frei
Manuel Camacho Aboim, Prior da dita Igreja, assinala que na freguesia se
situavam 3
conventos. O de religiosas franciscanas da regra de Santa Clara com o título de
Convento de Nossa Senhora da Conceição, fora fundado no ano de 1461 pelos
infantes Dom Fernando e sua mulher Dona Brites, pais de Dom Manuel I. O processo de edificação do convento
ter-se-ia iniciado em 1459, prolongando-se as obras até finais do século XV.
Pelos avultados bens que a infanta Dona Brites lhe doou bem como pelas doações
que fiéis muito ricos lhe fizeram, reuniu, em pouco mais de duas décadas, um
património valiosíssimo.[11]
Segundo o Padre Carvalho da Costa era um dos conventos mais grandiosos do reino,
albergando mais de 200 freiras e grande número de criadas.[12] O pico da sua população
teria sido atingido em 1650, com 250 professas.[13]
Junto deste Convento existia uma vigariaria de frades franciscanos, designada
por Hospício de Santo António.[14]
Administravam estes frades os sacramentos às freiras e cobravam-lhes as rendas.[15] O Convento dos Carmelitas
Calçados, extramuros, tinha sido fundado em 1526 por Rui Lopes Godins,
camarista que foi de D. João III e seu vedor. O Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia, dá-o como edifício sumptuoso, instalado “em hum outeiro,
hum quarto de legoa da Cidade”.[16] O Convento
do Carmo teria população monacal numerosa.[17] E
o Convento de
Santo António, também extramuros, de religiosos capuchos, da Província
da Piedade, fundado no ano de 1609 a expensas dos devotos. Era o dito convento, segundo
Carvalho da Costa, “de moderna, & vistosa arquitectura, cuja capacidade
excede os limites da estreita clausura, que
estes Religiosos tem por instituto.”[18] Extramuros,
à distância de cerca de 1 quilómetro, a leste da urbe, achava-se ainda sita a
singular Ermida
de São Pedro, a qual ainda existe.[19]
Lourenço Alberto de Carvalho Moreira, Prior da Igreja
Colegiada de Santiago Maior, afirma que na área da Freguesia homónima estava
edificado o Convento de Santa Clara, de religiosas franciscanas, fundado no ano
de 1340. Acrescenta que tal informação constava no Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso, tomo II, folhas 127, o
que asseveramos por verídico. Ficava, segundo o seu entender, a um tiro de
mosquete, fora dos muros, e nele residiam mais de 200 freiras.[20]
Quase ipsis verbis no-lo confirma Carvalho da Costa na sua Corografia,[21]
assim se comprovando, mais uma vez, que foi esta obra a fonte nuclear em que se
fundamentaram as coreografias setecentistas que lhe foram posteriores, não
apenas a do Padre Luís Cardoso como também a Geografia Histórica do Padre Luís Caetano de Lima.[22]
Prossegue o Prior de Santiago Maior a sua descrição
informando sobre a fundação, em 1490, do Hospital e Igreja de Nossa Senhora da
Piedade por mandado de D. Manuel I. No dizer de Carvalho da Costa o Hospital teria
sido fundado por D. Fernando, pai do dito monarca e 1.º Duque de Beja e era “(…)
obra sumptuosa, & grande, assim em edifícios, como em rendas (…)”.[23] Em
1554 foi anexado à Igreja e Casa da Misericórdia, por pedido do infante D. Luís
feito a seu irmão, D. João III.[24]
Foram estes 2 últimos institutos fundados no ano de 1550.[25] Os primeiros que
administraram o dito Hospital, já sob administração da Misericórdia, foram
Antão de Oliveira, como provedor, Estevão Lourenço como escrivão e Gonçalo Vaz
como recebedor ou tesoureiro. Teve a Misericórdia citadina a sua primeira sede
na Paroquial Igreja da Colegiada de Santa Maria, por ordem que apresentou
Álvaro da Guarda, escudeiro da casa de El Rei, a 8 de dezembro de 1500, sendo
vereadores Francisco Rui Paes, Fernão Basto Gomes Raposo e Rui Dias Bocarro. O
primeiro provedor da Misericórdia foi Rui Lopes, cavaleiro fidalgo da casa
real.[26]
Refere ainda o Prior da
Colegiada de Santiago Maior que dentro dos muros da Cidade e na área da
Freguesia homónima se achavam as ermidas de Nossa Senhora dos Prazeres,
de Nossa Senhora da Guia[27]
e de São Gregório,[28]
e, extramuros, as ermidas de Nossa Senhora da Graça, também denominada de Santo Amaro,
e as de Santo
André e de São
Sebastião. Por ter sido a cidade de Beja tomada segunda vez pelo rei D.
Afonso Henriques, em vésperas de Santo André, 29 de novembro de 1162, mandou o
senado da Câmara erigir a ermida de Santo André, onde ia todos os anos, naquele
dia, render graças pelo bom sucesso. Acrescenta o Prior que assim o refere o
Padre Luís Cardoso no tomo segundo do Dicionário
Geográfico, folhas 123, o que comprovámos por verdade.[29]
Por último, indaguemos do
testemunho do Prior António Pires Serrano acerca da Freguesia de São João
Baptista. Segundo ele, a Freguesia tinha dentro dos seus limites duas ermidas,
uma intramuros, sobre o arco da Porta de Mértola, chamada de Nossa Senhora dos
Anjos e que era da jurisdição ordinária e mista dos párocos das Freguesias de
São João Baptista e Salvador, como já atrás referimos e outra, extramuros, sita
no rocio de Santa Catarina, mas que dela existia somente uma pequena parte que
servia de sacristia à igreja que junto dela edificaram os Irmãos Terceiros do
Monte Carmelo, a Igreja do Carmo.[30] A primitiva matriz da
Freguesia, a Igreja de São João Baptista, foi demolida em 1919.[31] Situava-se no centro da
urbe, nas proximidades, a ocidente, do Convento da Conceição.
Beja possuía outras edificações, de carácter profano. Junto
do Mosteiro da Conceição, à banda oriental, erguiam-se o Palácio dos Infantes,
residência ducal, e a Casa ou Palácio dos Corvos, ambos arrasados no final do
século XIX. Não longe situava-se o conjunto monumental das Portas de Mértola,
vítima também do camartelo por esta mesma época e, nas imediações, o Hospício
de Santo António e a Igreja de S. João, igualmente destruídos, como atrás ficou
dito. O edifício da Câmara situava-se, simbolicamente, perto de todo este
conjunto monumental, no Terreiro de Santa Maria, defronte da matriz, chamada
“da Feira”, pois era aí o principal centro do comércio citadino.[32]
As fortificações são o pouco que resta da antiga monumentalidade
pacense, cujo traçado romano não estará muito desvirtuado apesar das
reedificações e reparações ocorridas ao longo dos séculos. Entre o que ficou,
sobressai a Torre de Menagem, mandada construir por D. Dinis nos primeiros anos
do século XIV. De planta quadrangular é a mais alta, e porventura a mais bela,
das torres góticas portuguesas, com quase 40 metros de altura.
Beja foi importante centro administrativo e militar durante
o período de dominação romana e assento de um dos três conventos jurídicos da
Lusitânia. O topónimo Pax Julia ter-lhe-á sido atribuído por ter sido aqui que,
pretensamente, Júlio César celebrou as pazes com os Lusitanos.[33] Beja foi sede de cátedra episcopal
durante o período visigodo, a qual se tem por erecta no ano de 530, sendo seu
primeiro bispo Santo Aprígio, ainda que tal asserção não seja de todo pacífica
pois alguns historiadores espanhóis defendem que a sede episcopal pacense era
na cidade de Badajoz, à qual atribuem também o topónimo Pax Julia.[34]
Beja herdou deste período o mais importante acervo de pedras
esculpidas visigóticas do País, das quais se encontram actualmente expostas no
Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja as de mais rara representatividade.[35]
A urbe perdeu importância como centro urbano militar,
administrativo e religioso durante a dominação muçulmana e, no final do século
VIII, dependia, em termos militares e económicos, da cidadela de Mértola, que
entretanto ganhara importância pela sua condição de porto fluvial e pela sua
localização estratégica no Gharb
al-Andaluz.[36]
Foi Beja, contudo, berço de importantes personalidades
muçulmanas no campo da cultura, das quais se destacam o teólogo-jurisconsulto
Abu al-Walid e, sobre todos, o poeta-rei Al-Mu’tamid.[37]
Perdido o fulgor citadino, Beja transformou-se em terra de
fronteira, deserta e decadente, ao longo da Reconquista. A história da sua
conquista é uma longa soma de vitórias e revezes. A data mais credível para a
sua primeira conquista é o ano de 1158 ou 1159, relacionando-a com a conquista
de Alcácer do Sal, em 24 de junho de 1158. A efectivar-se tal domínio, o mesmo
foi de curta duração pois, volvidos 4 anos, terá sido conquistada de novo, em
1162, por uma hoste cristã ida de Santarém, sob o comando de Fernão Gonçalves.
Em 1165, Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, ganhou definitivamente Évora e em 1170
é fronteiro-mor de Beja o lendário Gonçalo Mendes da Maia. Mas a posse da
cidade em mãos cristãs terá cessado após a sua morte.
Provavelmente foi na sequência de uma série de êxitos
militares portugueses que Beja passou definitivamente para a posse de cristãos.
Com a conquista de Aljustrel, Moura e Serpa, em 1232, é provável que a
guarnição militar moura da praça pacense, por se sentir cercada e desamparada,
tenha desertado. O apressado abandono da cidade pelos seus defensores teria
dado lugar a uma estratégica destruição da mesma, porventura agravada por
posterior intervenção portuguesa, para evitar a sua reocupação pelo inimigo
antes de estarem reunidas as condições para a sua posse definitiva.[38]
Abandonada e em ruínas, por ter sido durante muitas décadas
terra de fronteira assolada por constantes pelejas, foi Beja objecto de amparo
e fomento no reinado de D. Afonso III e D. Dinis. Aquele doou-lhe o seu
primeiro foral, o Foral Afonsino,
passado em Leiria, em 16 de fevereiro de 1254. D. Dinis fez aqui longas estadas
reconstruindo muralhas e edifícios urbanos e mandando erguer a robusta, mas
elegante, Torre de Menagem, desde então a sua mais imponente edificação e seu ex libris. Mercê dos favores reais, Beja
conta-se entre as localidades que ganharam fôlego na sequência desta nova
política de fixação de populações no Alentejo.[39]
Recuperou a condição de cidade em 1521, por carta régia de
D. Manuel I, graça a que não seria estranha a sua condição de filho dos Duques
de Beja, D. Fernando e Dona Beatriz e, ele próprio, detentor do mesmo título
nobiliárquico antes de titulado rei.
No reinado de D. João III foi Duque de Beja o infante D.
Luís, seu irmão. Desde a morte deste até 1654 esteve vago o título ducal. Neste
mesmo ano fez D. João IV Duque de Beja seu filho D. Pedro, futuro rei,
tendo-lhe doado, juntamente com a urbe pacense, um vasto património que incluía
entre outras, as vilas de Serpa, Moura e Alcoutim. Assim se instituiu a Casa do Infantado, a partir do que teve
Beja o estatuto de terra senhorial, passando por isso a ser ouvidoria, perdida
que foi a sua condição de sede de correição.[40] Cabeça da Casa do Infantado,
Beja foi património dos infantes filhos segundos dos reis de Portugal e depois,
por decreto de D. Pedro II, dos infantes filhos terceiros até à sua extinção
decretada por D. Pedro IV, em 1834. Aos filhos segundos passou a ser dado o
título de Duques do Porto.[41] Em
1842, D. Maria II, através da concessão de carta régia à cidade, restabeleceu o
título de Duque de Beja, atribuindo-o a D. João, seu terceiro filho.[42]
A Beja setecentista era sede de concelho, ouvidoria,
provedoria e almoxarifado. No dizer de Carvalho da Costa Beja tinha:
“(…) hum Ouvidor, hum provedor, hum juiz de fora do Geral,
outro dos Orfãos, três Vereadores, hum Procurador, & hum Thesoureiro da
Camera, hum Escrivão, & hum Meirinho da Ouvidoria, os officios de Contador,
Enqueredor, & Distribuidor da Ouvidoria, que andão unidos, hum Escrivão da
Camera, oito Escrivaens do Judicial, hum officio de Contador do Geral, quatro
Enqueredores do Geral, & hum Meirinho, quatro Tabelliaens das Notas, dous
escrivaens dos Orfãos, dous Partidores, & Avaliadores, & hum Curador dos Orfãos,
hum Escrivão da Almotaçaria, hum Almoxarife do Reguengo, hum Feitor, hum
Olheiro, & hum Medidor do Reguengo. (…)”[43]
Foi sede de episcopado em tempos de monarquia goda, mas
perdida tal valência, com a dominação muçulmana, só a veio a recuperar cerca de
um milénio depois.[44] O
primeiro bispo de Beja de que existe registo documental foi Apríngio, depois
reverenciado como Santo Apríngio. Foi ele quem inaugurou, em 531, o período
visigótico da sede episcopal da então Pax
Julia. O domínio muçulmano da Península Ibérica pôs fim à diocese na
primeira metade do século VIII. Na sequência do reatamento das relações
diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, em 1770, D. José I propôs a criação
de três dioceses, entre as quais a de Beja, o que se veio a concretizar a 10 de
julho desse mesmo ano pelo Breve do
Papa Clemente XIV Agrum Universalis
Ecclesiæ. Foi primeiro bispo da diocese restaurada D. Frei Manuel do
Cenáculo Villas-Boas o qual só veio a entrar solenemente na diocese de Beja em
22 de abril de 1777, após a morte de José I ocorrida em fevereiro desse ano.[45] Frei Manuel do Cenáculo
Villas Boas foi lente em Coimbra, colaborou nas reformas pombalinas do ensino,
presidiu à Junta de Providência Literária, à Real Mesa Censória e à Junta do
Subsídio Literário e foi confessor do príncipe herdeiro, D. José.[46]
O estatuto de cidade parece ter estado ligado, a princípio,
à existência de um bispado próprio. João de Barros, em meados do século XVI,
define cidade dizendo: “cidade é aquela que é cercada de muros (…) ainda que
há-de ter bispo ou arcebispo”.[47]
Assim foi em território nacional até ao século XV, com o título de cidade
estreitamente ligado às sedes episcopais. A partir de então considerar-se-á
tributário do arbítrio régio a concessão de tal título, pela dificuldade que havia
em estabelecer e balizar critérios para esse fim. A concessão da mercê será
pois de carácter político, embora em nada altere o estatuto jurisdicional das
povoações feitas novas cidades.[48]
A cidade de Beja, sede de um úbere alfoz, de ouvidoria, provedoria
e almoxarifado ocupava, pela sua notabilidade económica e administrativa, o
terceiro banco em cortes, a par de Lagos, Faro, Leiria, Guimarães, Estremoz e
Olivença.[49]
“(…) abundante de pão, cevada, bom azeite, generosos vinhos,
e frutos, e tem cento e cincoenta hortas, muitos gados, e todo o género de
caça; tem minas de ouro, e prata, com tres mil e cento e dezoito herdades, em
que entrão as da aldea da Cuba e seu termo.[50]
(…) He o termo desta Cidade muy dilatado, porque tem doze
léguas de circuito, e sete de comprido, que se contão até o Marmelar, e Barca
de Moura (…)”.[51]
As
cidades, reescrevia-se em Portugal no século XVII, não deviam ser muito grandes
nem muito pequenas, seguindo a mediania aristotélica, de modo a que fosse
possível ouvir em todos os cantos a voz do pregoeiro, isto é, onde a
sociabilidade fosse a de uma pequena comunidade”.[52]
FONTES E
BIBLIOGRAFIA
FONTES
MANUSCRITAS
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Memórias Paroquiais de Beja e seu termo
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[1] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, “Índice geográfico
das cidades, vilas e paroquias de Portugal”, disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4242887.
[2] Nele, segundo o Padre Carvalho da Costa, residiam 60
freiras. Cf. COSTA, António
Carvalho da Costa, Corografia portuguesa e descripçam topográfica do famoso
reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas e lugares, Tomo
I, Lisboa, na Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1706, p. 468. Disponível
em http://purl.pt/434.
[3] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74, pp. 524-530.
[4]
Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., pp. 466-467.
[5] Cf. LIMA, Luís
Caetano de, Geographia Historica de todos
os Estados Soberanos da Europa, com as mudanças que houve nos seus dominios
especialmente pellos Tractados de Ultrech, Rastad, Baden […] e com as
genealogias das Casas Reinantes e outras mui principaes, Tomo II, Lisboa
Ocidental, Officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real,
1736, p. 248. Disponível em http://purl.pt/403/5.
[6] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74, p. 531
[7] Cf. ANTT, idem, ibidem, pp.
531-532.
[8] Cf. ANTT, idem, ibidem, pp. 534-536.
[9]
Cf. António Carvalho da Costa, op.cit., p. 470.
[10] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX Séculos de História de uma Cidade,
Tomo II, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 66.
[11] Cf. idem, ibidem, pp. 139 e
163.
[12] Cf. António Carvalho da Costa, op.
cit., p. 468.
[13] Cf. Alfredo Saramago, Convento de Soror Mariana – Real Mosteiro de
Nossa Senhora da Conceição, s/l, Colares Editora, 1994, p. 88.
[14] Foi este edifício demolido
após o triunfo do liberalismo. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit.,
p. 193.
[15] Cf. António Carvalho da Costa, op.
cit., p. 467.
[16]
Cf. idem, ibidem, p. 467.
[17] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op.
cit., p. 185.
[18]
Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 467.
[19] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol.
6, n.º 74c, p. 559.
[20] Cf. Luis Cardoso, Diccionario geográfico…, Tomos I e II, Lisboa, Regia Officina
Sylviana, e da Academia Real, 1747-1751, p. 127. Disponível em http://purl.pt/13938.
[21] Cf. António Carvalho da Costa, op.
cit., p. 468.
[22] Cf. Luís Caetano
de Lima, op. cit, p. 248. São
frequentes as contaminações intertextuais. Carvalho da Costa sinaliza, ao
situar o Mosteiro de Santa Clara, que “fica hum tiro de mosquete fóra dos muros
para o Poente.” Diz-nos Luís Caetano de Lima que fica “a hum tiro de mosquete
dos muros da Cidade para o Poente.” Uma só diferença: Carvalho da Costa
denomina a instituição religiosa por mosteiro e Caetano de Lima por convento.
[23] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 466. No dizer de
Casteleiro de Goes, D. Manuel I reorganizou em Beja a assistência aos doentes
pobres e aos peregrinos, fundada por seu pai, infante D. Fernando, iniciando em
1490 a construção do Real Hospital Grande de Nossa Senhora (ou Santa Maria) da
Piedade, à época um dos maiores do País e o maior do sul do reino. A descrição
de Carvalho da Costa refere-se a este hospital como de fundação manuelina,
embora tivesse sido edificado sobre um albergue hospitalar cuja fundação se
ficou a dever ao infante Dom Fernando. Cf. Manuel
Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., Tomo I, p. 428.
[24] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74a, p.
543.
[25] A Igreja da
Misericórdia foi mandada erigir por D. Luís, 5.º Duque de Beja, em meados do
século XVI. Destinada primitivamente a açougue, saiu obra tão majestosa que o
Infante decidiu destiná-la a sede da Confraria da Misericórdia da Cidade. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op.
cit., pp. 428-429.
[26] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74a, pp.
543-544.
[27] A Capela de Nossa Senhora da Guia, erguida sobre a estrutura
romana da Porta de Avis, em 1635 e demolida em 1879, foi construída a expensas
de António Lopes Baião, empreiteiro, homem abonado, que serviu por várias vezes
de almotacé e foi nomeado
superintendente das obras de fortificação da cidade, em 17 de setembro de 1644. Cf.
Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., p. 194 e Joaquim Filipe Mósca,
Elites Urbanas e Poder local em
Beja no Reinado de Filipe III (1621-1640), Dissertação de Mestrado apresentada
ao Departamento de Ciências Sociais e de Gestão/Departamento de Humanidades da
Universidade Aberta, para obtenção de grau de Mestre em Estudos Portugueses
Multidisciplinares, 2011, pp 314-317.
[28] A Igreja de S.
Gregório Magno, hoje desaparecida, presume-se ter sido a sinagoga de Beja,
adaptada posteriormente a templo cristão. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro
de Goes, op. cit., p. 194.
[29] Cf. Luis Cardoso, op. cit., Tomo II, p. 123.
[30] A fundação da primitiva ermida
de Santa Catarina ficou a dever-se ao voto do capitão-mor das armadas da Índia
Diogo Fernandes, que tendo pelejado na conquista da cidade de Goa, em 25 de
novembro de 1510 (dia de Santa Catarina do Monte Sinai), prometeu mandar
edificar em Beja uma ermida em honra da dita santa. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op.
cit., pp. 169-171.
[31] Cf. idem, ibidem., p. 174.
[32]Cf. AHMB, Vereações, Lvo 51, fls. 73vº-74vº.
[33] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de
Goes, Beja XX séculos de História de uma
Cidade, Tomo I, Beja, Edição da
Câmara Municipal de Beja, 1988, pp. 86-87.
[34] Cf. idem, ibidem, p. 131.
[35] Cf. idem, ibidem, p. 134.
[36] Cf. idem,
ibidem, p. 174.
[37] Cf. idem, ibidem., p. 198.
[38] Cf. idem, ibidem, pp.
178-180.
[39] Cf. idem,
ibidem, p. 337.
[40] Cf. Padre Carlos Augusto Botelho Palma,
“Ducado de Beja”, in Arquivo de Beja,
Vol. VII, Fasc. I e II, Beja, 1950, p. 110.
[41] Cf. Manuel
Lourenço Casteleiro de Goes, op.
cit., Tomo I, p. 384.
[42] “(..) carta Régia, pela qual
Sua Magestade honrou com tal mercê a Cidade de Béja.
“Presidente
e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja. Eu a Rainha vos envio muito
saudar. Attendendo benignamente à supplica que, em vosso nome, e por parte dos
povos desse Municipio, dirigistes à Minha Augusta Presença, pedindo-Me que
Houvesse Eu por bem conferir o titulo de Duque de Béja ao Infante
Recem-nascido, Meu Muito Amado e Presado Filho; e tendo-se nobremente
destinguido a mesma Cidade em todos os tempos da Monarchia, pelo seu
patriotismo, e pela fidelidade e amor que ha consagrado a seus Legitimos
Soberanos; sendo notorio que, na epocha ultimamente decorrida, em que a
lealdade Portuguesa tantos títulos juntou à sua muito antiga e gloriosa
reputação, forão os habitantes de Béja dos que mais romperão em enthusiasmo e efficazes
demonstrações de cordeal adhesão à Causa da Ligitimidade e da Carta
Constitucional da Monarchia, logo que no Sul do Reino soou o grito da Liberdade
Legal: Hei por bem por todos estes respeitos, e por lhes Querer Fazer Mercê
Conferir o Titulo de Duque de Béja ao mesmo Infante D. João, Meu Muito Amado e
Presado Filho. O que me pareceo participar-vos para vosso conhecimento e
satisfação, e dos povos que representaes, devendo dar a esta Carta a maior
publicidade possivel, e faze-la registar nos Registos dessa Camara, para
perpetua lembrança do testemunho, que assim dou à dita Cidade do meu
reconhecimento e gratidão para com ella.
Escripta
no Palacio das Necessidades aos 17 de Abril de 1842 - Rainha - António Bernardo da Costa Cabral - Para
o Presidente e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja.”
Cit.
José Silvestre Ribeiro, Béja no Anno de
1845 ou Primeiros Traços Estatisticos Daquela
Cidade, Funchal, Typ. de A. L. da Cunha, 1847, ed. facsimilada da Câmara
Municipal de Beja, pp. 24-25.
[43]
Cit. António Carvalho da Costa, op. cit. p. 469.
[44] Cf. José
Silvestre Ribeiro, op.cit., p. 18.
[45] Cf. Pe. Luís Miguel Taborda Fernandes,
coord., Pe. António Mendes Aparício & Pe. José Maria Afonso Coelho, A Diocese de Beja no Agrum Universalis
Eclesiæ – Nos 250 anos da Restauração da Diocese de Beja (1770-2020),
Lisboa, Paulus Editores, 2020, pp. 15-16 e pp. 29-30.
[46] Cf. António José
Saraiva, “Cenáculo Villas Boas, Frei Manuel do”, in Dicionário de História de
Portugal, dir. de Joel Serrão, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais,
1971, pp. 550-551.
[47] Cf. Júlia Galego
& Suzanne Daveau, O Numeramento de
1527-1532 – Tratamento Cartográfico, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos,
1986, p. 17.
[48] Cf. António
Manuel Hespanha, As Vésperas de Leviathan-Instituições e Poder Político em
Portugal-Séc. XVII, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, pp. 102-103.
[49] Cf. Ângela Barreto Xavier & António Manuel Hespanha, “A
Representação da Sociedade e do Poder”,
in História de Portugal, dir. de
José Mattoso, 4.º vol., O Antigo Regime
(1620-1807), coord. de António Manuel Hespanha, Lisboa, Círculo de
Leitores, 1993, pp.
147.
[50]
Cit. António Carvalho da Costa, op.
cit., p. 468.
[51] Cit. idem, ibidem, p. 470.
[52] Cf. Manuel Botelho Ribeiro Pereira, Dialogos Moraes e Politicos. Viseu,
1955, p. 137, apud António de
Oliveira, “As Cidades e o Poder no Período Filipino”, in Revista de História, Tomo
XXXI, Vol. 2, 1996, pp. 309-310. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/12814.
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