BEJA SETECENTISTA – A URBE

Olhemos o espaço citadino e indaguemos do testemunho dos párocos das 4 freguesias citadinas. Que visão sobre a realidade urbana nos deixaram nas Memórias Paroquiais, vasto interrogatório sobre as paróquias e povoações proposto aos párocos das mesmas em 1758, em consequência do terramoto de 1755?[1]

António Guerreiro de Aboim, Prior da Igreja Colegiada do Salvador, refere que a sua Igreja, cujo orago é São Salvador, tinha no sacrário as relíquias de São Sesinando e São Bartolomeu Apóstolo. Da mesma Igreja saíam as procissões do Corpo de Deus, de Aljubarrota, da aclamação de D. João IV e em honra do patrocínio de Nossa Senhora. No mesmo largo em que está a igreja colegiada achava-se a igreja-capela de São Sesinando Mártir, a qual foi utilizada pelos padres da Companhia de Jesus enquanto se não terminou um colégio para sua habitação, que se situava junto da mesma Igreja e cuja construção se iniciou em 1693, tendo sido sua fundadora a rainha D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo. Intramuros, e a pouca distância daquele colégio, achava-se o Convento da Esperança, de freiras carmelitas descalças, o primeiro que desta ordem houve em Portugal. A sua construção iniciou-se no ano de 1541.[2] Extramuros, situava-se o Convento de São Francisco, não longe da Porta de Mértola. Segundo o Prior, o convento fora fundado em 1268 e teriam sido seus fundadores os vereadores, ao tempo chamados alvazis, Lopo Esteves Alcaide, Diogo Fernandes Esteves e Vasco Martins. No ano de 1380 ainda o convento estava por terminar, não obstante os grandes esforços postos na sua conclusão. Segundo uma antiga tradição a igreja conventual foi mandada erigir por D. Dinis, pois além de se fundar o convento no seu reinado era sabido que nele tinha mandado construir uma capela dedicada a São Luís de Tolosa.[3] O Padre Carvalho da Costa aponta o ano de 1324 como o da fundação do Convento, por vontade da Rainha Santa, e que nele viveriam mais de 60 frades.[4] A mesma data nos é indicada por Luís Caetano de Lima na sua Geografia Histórica.[5]

Tinha mais, extramuros, a igreja de Nossa Senhora do Pé da Cruz, “de bela fabrica, e primurozamente ornada (…)”,[6] e uma ermida dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, erguida sobre os arcos da Porta de Mértola. Porque a dita Porta era o limite entre as Freguesias de Salvador e São João Baptista era a ermida da jurisdição dos 2 respectivos priores.[7]

Era o mártir São Sesinando objecto de particular devoção por parte dos cidadãos bejenses, pois que era tradição ele ter nascido e ter sido baptizado na mesma cidade. De um dos três altares existentes na igreja que lhe foi consagrada, e da sua sacristia, se dizia terem sido construídos sobre as casas onde o Santo Mártir nascera, sendo a pia baptismal existente na igreja a mesma onde o Santo “foi regenerado para a vida da Graça”. E porque o Santo tinha sido martirizado e sepultado em Córdova, aí foi enviada uma delegação a solicitar do bispo local a concessão de uma relíquia daquele que viria a ser o patrono da urbe pacense. E assim foi que mandaram à dita cidade andaluza “dous dos seus nobres cidadãos Jorge Bocarro Pegas, e seu neto André Pegas Vilarinho pedindo ao Ilustríssimo Bispo de Córdova, que era então D. Francisco Reynoso, lhes fizeçe a graça de seu amado filho e patricio. O Ilustrissimo Prelado, os satisfes com a reliquia da canela de hum braço de comprimento de um palmo e quatro dedos, a qual se conserva nesta Igreja do Salvador emgastada em hum braço de prata (…)”. Por uma bula do Papa Clemente VIII, expedida em Roma no dia 22 de fevereiro de 1597, se asseverou ser São Sesinando natural de Beja e por uma outra bula do mesmo Papa, passada em 6 de março do mesmo ano, concedeu este o poder-se rezar, dizer missa, pregar e fazer procissão com suas relíquias e imagens. Esta bula e relíquias fizeram-se autênticas por mandado de D. Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora, em 27 de junho de 1600. E no dia 16 de julho, dia da evocação do Santo, fazia-se festa na sua igreja, com sermão e assistência do senado camarário e procissão, pela tarde, à qual assistiam todas as comunidades regulares, seculares e confrarias, saindo a relíquia da igreja do Salvador aonde, findo o cortejo, se recolhia.[8] Carvalho da Costa refere ainda que a relíquia teria vindo de Córdova para Beja no ano de 1602.[9]

A Igreja de Santa Maria da Feira é a matriz da freguesia urbana homónima, a qual, segundo a tradição e alguns vestígios históricos, é apontada como sendo a antiga mesquita de Beja.[10] Frei Manuel Camacho Aboim, Prior da dita Igreja, assinala que na freguesia se situavam 3 conventos. O de religiosas franciscanas da regra de Santa Clara com o título de Convento de Nossa Senhora da Conceição, fora fundado no ano de 1461 pelos infantes Dom Fernando e sua mulher Dona Brites, pais de Dom Manuel I. O processo de edificação do convento ter-se-ia iniciado em 1459, prolongando-se as obras até finais do século XV. Pelos avultados bens que a infanta Dona Brites lhe doou bem como pelas doações que fiéis muito ricos lhe fizeram, reuniu, em pouco mais de duas décadas, um património valiosíssimo.[11] Segundo o Padre Carvalho da Costa era um dos conventos mais grandiosos do reino, albergando mais de 200 freiras e grande número de criadas.[12] O pico da sua população teria sido atingido em 1650, com 250 professas.[13] Junto deste Convento existia uma vigariaria de frades franciscanos, designada por Hospício de Santo António.[14] Administravam estes frades os sacramentos às freiras e cobravam-lhes as rendas.[15] O Convento dos Carmelitas Calçados, extramuros, tinha sido fundado em 1526 por Rui Lopes Godins, camarista que foi de D. João III e seu vedor. O Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia, dá-o como edifício sumptuoso, instalado “em hum outeiro, hum quarto de legoa da Cidade”.[16] O Convento do Carmo teria população monacal numerosa.[17] E o Convento de Santo António, também extramuros, de religiosos capuchos, da Província da Piedade, fundado no ano de 1609 a expensas dos devotos. Era o dito convento, segundo Carvalho da Costa, “de moderna, & vistosa arquitectura, cuja capacidade excede os limites da estreita clausura, que estes Religiosos tem por instituto.”[18] Extramuros, à distância de cerca de 1 quilómetro, a leste da urbe, achava-se ainda sita a singular Ermida de São Pedro, a qual ainda existe.[19]

Lourenço Alberto de Carvalho Moreira, Prior da Igreja Colegiada de Santiago Maior, afirma que na área da Freguesia homónima estava edificado o Convento de Santa Clara, de religiosas franciscanas, fundado no ano de 1340. Acrescenta que tal informação constava no Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso, tomo II, folhas 127, o que asseveramos por verídico. Ficava, segundo o seu entender, a um tiro de mosquete, fora dos muros, e nele residiam mais de 200 freiras.[20] Quase ipsis verbis no-lo confirma Carvalho da Costa na sua Corografia,[21] assim se comprovando, mais uma vez, que foi esta obra a fonte nuclear em que se fundamentaram as coreografias setecentistas que lhe foram posteriores, não apenas a do Padre Luís Cardoso como também a Geografia Histórica do Padre Luís Caetano de Lima.[22]

Prossegue o Prior de Santiago Maior a sua descrição informando sobre a fundação, em 1490, do Hospital e Igreja de Nossa Senhora da Piedade por mandado de D. Manuel I. No dizer de Carvalho da Costa o Hospital teria sido fundado por D. Fernando, pai do dito monarca e 1.º Duque de Beja e era “(…) obra sumptuosa, & grande, assim em edifícios, como em rendas (…)”.[23] Em 1554 foi anexado à Igreja e Casa da Misericórdia, por pedido do infante D. Luís feito a seu irmão, D. João III.[24] Foram estes 2 últimos institutos fundados no ano de 1550.[25] Os primeiros que administraram o dito Hospital, já sob administração da Misericórdia, foram Antão de Oliveira, como provedor, Estevão Lourenço como escrivão e Gonçalo Vaz como recebedor ou tesoureiro. Teve a Misericórdia citadina a sua primeira sede na Paroquial Igreja da Colegiada de Santa Maria, por ordem que apresentou Álvaro da Guarda, escudeiro da casa de El Rei, a 8 de dezembro de 1500, sendo vereadores Francisco Rui Paes, Fernão Basto Gomes Raposo e Rui Dias Bocarro. O primeiro provedor da Misericórdia foi Rui Lopes, cavaleiro fidalgo da casa real.[26]

Refere ainda o Prior da Colegiada de Santiago Maior que dentro dos muros da Cidade e na área da Freguesia homónima se achavam as ermidas de Nossa Senhora dos Prazeres, de Nossa Senhora da Guia[27] e de São Gregório,[28] e, extramuros, as ermidas de Nossa Senhora da Graça, também denominada de Santo Amaro, e as de Santo André e de São Sebastião. Por ter sido a cidade de Beja tomada segunda vez pelo rei D. Afonso Henriques, em vésperas de Santo André, 29 de novembro de 1162, mandou o senado da Câmara erigir a ermida de Santo André, onde ia todos os anos, naquele dia, render graças pelo bom sucesso. Acrescenta o Prior que assim o refere o Padre Luís Cardoso no tomo segundo do Dicionário Geográfico, folhas 123, o que comprovámos por verdade.[29]

Por último, indaguemos do testemunho do Prior António Pires Serrano acerca da Freguesia de São João Baptista. Segundo ele, a Freguesia tinha dentro dos seus limites duas ermidas, uma intramuros, sobre o arco da Porta de Mértola, chamada de Nossa Senhora dos Anjos e que era da jurisdição ordinária e mista dos párocos das Freguesias de São João Baptista e Salvador, como já atrás referimos e outra, extramuros, sita no rocio de Santa Catarina, mas que dela existia somente uma pequena parte que servia de sacristia à igreja que junto dela edificaram os Irmãos Terceiros do Monte Carmelo, a Igreja do Carmo.[30] A primitiva matriz da Freguesia, a Igreja de São João Baptista, foi demolida em 1919.[31] Situava-se no centro da urbe, nas proximidades, a ocidente, do Convento da Conceição.

Beja possuía outras edificações, de carácter profano. Junto do Mosteiro da Conceição, à banda oriental, erguiam-se o Palácio dos Infantes, residência ducal, e a Casa ou Palácio dos Corvos, ambos arrasados no final do século XIX. Não longe situava-se o conjunto monumental das Portas de Mértola, vítima também do camartelo por esta mesma época e, nas imediações, o Hospício de Santo António e a Igreja de S. João, igualmente destruídos, como atrás ficou dito. O edifício da Câmara situava-se, simbolicamente, perto de todo este conjunto monumental, no Terreiro de Santa Maria, defronte da matriz, chamada “da Feira”, pois era aí o principal centro do comércio citadino.[32]

As fortificações são o pouco que resta da antiga monumentalidade pacense, cujo traçado romano não estará muito desvirtuado apesar das reedificações e reparações ocorridas ao longo dos séculos. Entre o que ficou, sobressai a Torre de Menagem, mandada construir por D. Dinis nos primeiros anos do século XIV. De planta quadrangular é a mais alta, e porventura a mais bela, das torres góticas portuguesas, com quase 40 metros de altura.

Beja foi importante centro administrativo e militar durante o período de dominação romana e assento de um dos três conventos jurídicos da Lusitânia. O topónimo Pax Julia ter-lhe-á sido atribuído por ter sido aqui que, pretensamente, Júlio César celebrou as pazes com os Lusitanos.[33] Beja foi sede de cátedra episcopal durante o período visigodo, a qual se tem por erecta no ano de 530, sendo seu primeiro bispo Santo Aprígio, ainda que tal asserção não seja de todo pacífica pois alguns historiadores espanhóis defendem que a sede episcopal pacense era na cidade de Badajoz, à qual atribuem também o topónimo Pax Julia.[34]

Beja herdou deste período o mais importante acervo de pedras esculpidas visigóticas do País, das quais se encontram actualmente expostas no Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja as de mais rara representatividade.[35]

A urbe perdeu importância como centro urbano militar, administrativo e religioso durante a dominação muçulmana e, no final do século VIII, dependia, em termos militares e económicos, da cidadela de Mértola, que entretanto ganhara importância pela sua condição de porto fluvial e pela sua localização estratégica no Gharb al-Andaluz.[36]

Foi Beja, contudo, berço de importantes personalidades muçulmanas no campo da cultura, das quais se destacam o teólogo-jurisconsulto Abu al-Walid e, sobre todos, o poeta-rei Al-Mu’tamid.[37]

Perdido o fulgor citadino, Beja transformou-se em terra de fronteira, deserta e decadente, ao longo da Reconquista. A história da sua conquista é uma longa soma de vitórias e revezes. A data mais credível para a sua primeira conquista é o ano de 1158 ou 1159, relacionando-a com a conquista de Alcácer do Sal, em 24 de junho de 1158. A efectivar-se tal domínio, o mesmo foi de curta duração pois, volvidos 4 anos, terá sido conquistada de novo, em 1162, por uma hoste cristã ida de Santarém, sob o comando de Fernão Gonçalves. Em 1165, Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, ganhou definitivamente Évora e em 1170 é fronteiro-mor de Beja o lendário Gonçalo Mendes da Maia. Mas a posse da cidade em mãos cristãs terá cessado após a sua morte.

Provavelmente foi na sequência de uma série de êxitos militares portugueses que Beja passou definitivamente para a posse de cristãos. Com a conquista de Aljustrel, Moura e Serpa, em 1232, é provável que a guarnição militar moura da praça pacense, por se sentir cercada e desamparada, tenha desertado. O apressado abandono da cidade pelos seus defensores teria dado lugar a uma estratégica destruição da mesma, porventura agravada por posterior intervenção portuguesa, para evitar a sua reocupação pelo inimigo antes de estarem reunidas as condições para a sua posse definitiva.[38]

Abandonada e em ruínas, por ter sido durante muitas décadas terra de fronteira assolada por constantes pelejas, foi Beja objecto de amparo e fomento no reinado de D. Afonso III e D. Dinis. Aquele doou-lhe o seu primeiro foral, o Foral Afonsino, passado em Leiria, em 16 de fevereiro de 1254. D. Dinis fez aqui longas estadas reconstruindo muralhas e edifícios urbanos e mandando erguer a robusta, mas elegante, Torre de Menagem, desde então a sua mais imponente edificação e seu ex libris. Mercê dos favores reais, Beja conta-se entre as localidades que ganharam fôlego na sequência desta nova política de fixação de populações no Alentejo.[39]

Recuperou a condição de cidade em 1521, por carta régia de D. Manuel I, graça a que não seria estranha a sua condição de filho dos Duques de Beja, D. Fernando e Dona Beatriz e, ele próprio, detentor do mesmo título nobiliárquico antes de titulado rei.

No reinado de D. João III foi Duque de Beja o infante D. Luís, seu irmão. Desde a morte deste até 1654 esteve vago o título ducal. Neste mesmo ano fez D. João IV Duque de Beja seu filho D. Pedro, futuro rei, tendo-lhe doado, juntamente com a urbe pacense, um vasto património que incluía entre outras, as vilas de Serpa, Moura e Alcoutim. Assim se instituiu a Casa do Infantado, a partir do que teve Beja o estatuto de terra senhorial, passando por isso a ser ouvidoria, perdida que foi a sua condição de sede de correição.[40] Cabeça da Casa do Infantado, Beja foi património dos infantes filhos segundos dos reis de Portugal e depois, por decreto de D. Pedro II, dos infantes filhos terceiros até à sua extinção decretada por D. Pedro IV, em 1834. Aos filhos segundos passou a ser dado o título de Duques do Porto.[41] Em 1842, D. Maria II, através da concessão de carta régia à cidade, restabeleceu o título de Duque de Beja, atribuindo-o a D. João, seu terceiro filho.[42]

A Beja setecentista era sede de concelho, ouvidoria, provedoria e almoxarifado. No dizer de Carvalho da Costa Beja tinha:

“(…) hum Ouvidor, hum provedor, hum juiz de fora do Geral, outro dos Orfãos, três Vereadores, hum Procurador, & hum Thesoureiro da Camera, hum Escrivão, & hum Meirinho da Ouvidoria, os officios de Contador, Enqueredor, & Distribuidor da Ouvidoria, que andão unidos, hum Escrivão da Camera, oito Escrivaens do Judicial, hum officio de Contador do Geral, quatro Enqueredores do Geral, & hum Meirinho, quatro Tabelliaens das Notas, dous escrivaens dos Orfãos, dous Partidores, & Avaliadores, & hum Curador dos Orfãos, hum Escrivão da Almotaçaria, hum Almoxarife do Reguengo, hum Feitor, hum Olheiro, & hum Medidor do Reguengo. (…)”[43]

Foi sede de episcopado em tempos de monarquia goda, mas perdida tal valência, com a dominação muçulmana, só a veio a recuperar cerca de um milénio depois.[44] O primeiro bispo de Beja de que existe registo documental foi Apríngio, depois reverenciado como Santo Apríngio. Foi ele quem inaugurou, em 531, o período visigótico da sede episcopal da então Pax Julia. O domínio muçulmano da Península Ibérica pôs fim à diocese na primeira metade do século VIII. Na sequência do reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, em 1770, D. José I propôs a criação de três dioceses, entre as quais a de Beja, o que se veio a concretizar a 10 de julho desse mesmo ano pelo Breve do Papa Clemente XIV Agrum Universalis Ecclesiæ. Foi primeiro bispo da diocese restaurada D. Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas o qual só veio a entrar solenemente na diocese de Beja em 22 de abril de 1777, após a morte de José I ocorrida em fevereiro desse ano.[45] Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas foi lente em Coimbra, colaborou nas reformas pombalinas do ensino, presidiu à Junta de Providência Literária, à Real Mesa Censória e à Junta do Subsídio Literário e foi confessor do príncipe herdeiro, D. José.[46]

O estatuto de cidade parece ter estado ligado, a princípio, à existência de um bispado próprio. João de Barros, em meados do século XVI, define cidade dizendo: “cidade é aquela que é cercada de muros (…) ainda que há-de ter bispo ou arcebispo”.[47] Assim foi em território nacional até ao século XV, com o título de cidade estreitamente ligado às sedes episcopais. A partir de então considerar-se-á tributário do arbítrio régio a concessão de tal título, pela dificuldade que havia em estabelecer e balizar critérios para esse fim. A concessão da mercê será pois de carácter político, embora em nada altere o estatuto jurisdicional das povoações feitas novas cidades.[48]

A cidade de Beja, sede de um úbere alfoz, de ouvidoria, provedoria e almoxarifado ocupava, pela sua notabilidade económica e administrativa, o terceiro banco em cortes, a par de Lagos, Faro, Leiria, Guimarães, Estremoz e Olivença.[49]

“(…) abundante de pão, cevada, bom azeite, generosos vinhos, e frutos, e tem cento e cincoenta hortas, muitos gados, e todo o género de caça; tem minas de ouro, e prata, com tres mil e cento e dezoito herdades, em que entrão as da aldea da Cuba e seu termo.[50]

(…) He o termo desta Cidade muy dilatado, porque tem doze léguas de circuito, e sete de comprido, que se contão até o Marmelar, e Barca de Moura (…)”.[51]

As cidades, reescrevia-se em Portugal no século XVII, não deviam ser muito grandes nem muito pequenas, seguindo a mediania aristotélica, de modo a que fosse possível ouvir em todos os cantos a voz do pregoeiro, isto é, onde a sociabilidade fosse a de uma pequena comunidade”.[52]

 

 

 

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

FONTES MANUSCRITAS

Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo

Memórias Paroquiais de Beja e seu termo

Freguesia do Salvador, Beja - vol. 6, n.º 74, p. 521 a 540

Freguesia de Santiago, Beja – vol. 6, n.º 74a, p. 541 a 552

Freguesia de São João Baptista, Beja - vol. 6, n.º 74b, p. 553 a 557

Freguesia de Santa Maria, Beja - vol. 6, n.º 74c, p. 558 a 562

Memórias Paroquiais, “Índice geográfico das cidades, vilas e paroquias de Portugal”, disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4242887.

 

DICIONÁRIOS E COROGRAFIAS

LIMA, Luís Caetano de, Geographia Historica de todos os Estados Soberanos da Europa, com as mudanças que houve nos seus dominios especialmente pellos Tractados de Ultrech, Rastad, Baden […] e com as genealogias das Casas Reinantes e outras mui principaes, Tomo II, Lisboa Ocidental, Officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, 1736. Disponível em http://purl.pt/403/5.

CARDOSO, Luis, Diccionario geográfico…, Tomos I e II, Lisboa, Regia Officina Sylviana, e da Academia Real, 1747-1751. Disponível em http://purl.pt/13938.

COSTA, António Carvalho da, Corografia portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas e lugares, Tomo I, Lisboa, na Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1706. Disponível em http://purl.pt/434.

 

ESTUDOS

FERNANDES, Pe. Luís Miguel Taborda, coord., APARÍCIO, Pe. António Mendes & COELHO, Pe. José Maria Afonso, A Diocese de Beja no Agrum Universalis Eclesiæ – Nos 250 anos da Restauração da Diocese de Beja (1770-2020), Lisboa, Paulus Editores, 2020.

GALEGO, Júlia & DAVEAU, Suzanne, O Numeramento de 1527-1532 – Tratamento Cartográfico, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, 1986.

GOES, Manuel Lourenço Casteleiro de, Beja XX séculos de História de uma Cidade, Tomo I, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1988.

GOES, Manuel Lourenço Casteleiro de, Beja XX Séculos de História de uma Cidade, Tomo II, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1998.

HESPANHA, António Manuel, As Vésperas de Leviathan-Instituições e Poder Político em Portugal-Séc. XVII, Coimbra, Livraria Almedina, 1994.

MÓSCA, Joaquim Filipe, Elites Urbanas e Poder local em Beja no Reinado de Filipe III (1621-1640), Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais e de Gestão/Departamento de Humanidades da Universidade Aberta, para obtenção de grau de Mestre em Estudos Portugueses Multidisciplinares, 2011.

OLIVEIRA, António “As Cidades e o Poder no Período Filipino”, in Revista de História, Tomo XXXI, Vol. 2, 1996, pp. 305-340. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/12814.

PALMA, Padre Carlos Augusto Botelho, “Ducado de Beja”, in Arquivo de Beja, Vol. VII, Fasc. I e II, Beja, 1950, p. 110.

RIBEIRO, José Silvestre, Béja no Anno de 1845 ou Primeiros Traços Estatisticos Daquela Cidade, Funchal, Typ. de A. L. da Cunha, 1847, ed. facsimilada da Câmara Municipal de Beja.

SARAIVA, António José, “Cenáculo Villas Boas, Frei Manuel do”, in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, pp. 550-551.

SARAMAGO, Alfredo, Convento de Soror Mariana – Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, s/l, Colares Editora, 1994.

XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, António Manuel, “A Representação da Sociedade e do Poder”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 4.º vol., O Antigo Regime (1620-1807), coord. de António Manuel Hespanha, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 121-155.

 



[1] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, “Índice geográfico das cidades, vilas e paroquias de Portugal”, disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4242887.

[2] Nele, segundo o Padre Carvalho da Costa, residiam 60 freiras. Cf. COSTA, António Carvalho da Costa, Corografia portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas e lugares, Tomo I, Lisboa, na Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1706, p. 468. Disponível em http://purl.pt/434.

[3] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74, pp. 524-530.

[4] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., pp. 466-467.

[5] Cf. LIMA, Luís Caetano de, Geographia Historica de todos os Estados Soberanos da Europa, com as mudanças que houve nos seus dominios especialmente pellos Tractados de Ultrech, Rastad, Baden […] e com as genealogias das Casas Reinantes e outras mui principaes, Tomo II, Lisboa Ocidental, Officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, 1736, p. 248. Disponível em http://purl.pt/403/5.

[6] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74, p. 531

[7] Cf. ANTT, idem, ibidem, pp. 531-532.

[8] Cf. ANTT, idem, ibidem, pp. 534-536.

[9] Cf. António Carvalho da Costa, op.cit., p. 470.

[10] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX Séculos de História de uma Cidade, Tomo II, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 66.

[11] Cf. idem, ibidem, pp. 139 e 163.

[12] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 468.

[13] Cf. Alfredo Saramago, Convento de Soror Mariana – Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, s/l, Colares Editora, 1994, p. 88.

[14] Foi este edifício demolido após o triunfo do liberalismo. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., p. 193.

[15] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 467.

[16] Cf. idem, ibidem, p. 467.

[17] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., p. 185.

[18] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 467.

[19] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74c, p. 559.

[20] Cf. Luis Cardoso, Diccionario geográfico…, Tomos I e II, Lisboa, Regia Officina Sylviana, e da Academia Real, 1747-1751, p. 127. Disponível em http://purl.pt/13938.

[21] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 468.

[22] Cf. Luís Caetano de Lima, op. cit, p. 248. São frequentes as contaminações intertextuais. Carvalho da Costa sinaliza, ao situar o Mosteiro de Santa Clara, que “fica hum tiro de mosquete fóra dos muros para o Poente.” Diz-nos Luís Caetano de Lima que fica “a hum tiro de mosquete dos muros da Cidade para o Poente.” Uma só diferença: Carvalho da Costa denomina a instituição religiosa por mosteiro e Caetano de Lima por convento.

[23] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 466. No dizer de Casteleiro de Goes, D. Manuel I reorganizou em Beja a assistência aos doentes pobres e aos peregrinos, fundada por seu pai, infante D. Fernando, iniciando em 1490 a construção do Real Hospital Grande de Nossa Senhora (ou Santa Maria) da Piedade, à época um dos maiores do País e o maior do sul do reino. A descrição de Carvalho da Costa refere-se a este hospital como de fundação manuelina, embora tivesse sido edificado sobre um albergue hospitalar cuja fundação se ficou a dever ao infante Dom Fernando. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., Tomo I, p. 428.

[24] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74a, p. 543.

[25] A Igreja da Misericórdia foi mandada erigir por D. Luís, 5.º Duque de Beja, em meados do século XVI. Destinada primitivamente a açougue, saiu obra tão majestosa que o Infante decidiu destiná-la a sede da Confraria da Misericórdia da Cidade. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., pp. 428-429.

[26] Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 6, n.º 74a, pp. 543-544.

[27] A Capela de Nossa Senhora da Guia, erguida sobre a estrutura romana da Porta de Avis, em 1635 e demolida em 1879, foi construída a expensas de António Lopes Baião, empreiteiro, homem abonado, que serviu por várias vezes de almotacé e foi nomeado superintendente das obras de fortificação da cidade, em 17 de setembro de 1644. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., p. 194 e Joaquim Filipe Mósca, Elites Urbanas e Poder local em Beja no Reinado de Filipe III (1621-1640), Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais e de Gestão/Departamento de Humanidades da Universidade Aberta, para obtenção de grau de Mestre em Estudos Portugueses Multidisciplinares, 2011, pp 314-317.

[28] A Igreja de S. Gregório Magno, hoje desaparecida, presume-se ter sido a sinagoga de Beja, adaptada posteriormente a templo cristão. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., p. 194.

[29] Cf. Luis Cardoso, op. cit., Tomo II, p. 123.

[30] A fundação da primitiva ermida de Santa Catarina ficou a dever-se ao voto do capitão-mor das armadas da Índia Diogo Fernandes, que tendo pelejado na conquista da cidade de Goa, em 25 de novembro de 1510 (dia de Santa Catarina do Monte Sinai), prometeu mandar edificar em Beja uma ermida em honra da dita santa. Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., pp. 169-171.

[31] Cf. idem, ibidem., p. 174.

[32]Cf. AHMB, Vereações, Lvo 51, fls. 73vº-74vº.

[33] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX séculos de História de uma Cidade, Tomo I, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1988, pp. 86-87.

[34] Cf. idem, ibidem, p. 131.

[35] Cf. idem, ibidem, p. 134.

[36] Cf. idem, ibidem, p. 174.

[37] Cf. idem, ibidem., p. 198.

[38] Cf. idem, ibidem, pp. 178-180.

[39] Cf. idem, ibidem, p. 337.

[40] Cf. Padre Carlos Augusto Botelho Palma, “Ducado de Beja”, in Arquivo de Beja, Vol. VII, Fasc. I e II, Beja, 1950, p. 110.

[41] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., Tomo I, p. 384.

[42] “(..) carta Régia, pela qual Sua Magestade honrou com tal mercê a Cidade de Béja.

“Presidente e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja. Eu a Rainha vos envio muito saudar. Attendendo benignamente à supplica que, em vosso nome, e por parte dos povos desse Municipio, dirigistes à Minha Augusta Presença, pedindo-Me que Houvesse Eu por bem conferir o titulo de Duque de Béja ao Infante Recem-nascido, Meu Muito Amado e Presado Filho; e tendo-se nobremente destinguido a mesma Cidade em todos os tempos da Monarchia, pelo seu patriotismo, e pela fidelidade e amor que ha consagrado a seus Legitimos Soberanos; sendo notorio que, na epocha ultimamente decorrida, em que a lealdade Portuguesa tantos títulos juntou à sua muito antiga e gloriosa reputação, forão os habitantes de Béja dos que mais romperão em enthusiasmo e efficazes demonstrações de cordeal adhesão à Causa da Ligitimidade e da Carta Constitucional da Monarchia, logo que no Sul do Reino soou o grito da Liberdade Legal: Hei por bem por todos estes respeitos, e por lhes Querer Fazer Mercê Conferir o Titulo de Duque de Béja ao mesmo Infante D. João, Meu Muito Amado e Presado Filho. O que me pareceo participar-vos para vosso conhecimento e satisfação, e dos povos que representaes, devendo dar a esta Carta a maior publicidade possivel, e faze-la registar nos Registos dessa Camara, para perpetua lembrança do testemunho, que assim dou à dita Cidade do meu reconhecimento e gratidão para com ella.

Escripta no Palacio das Necessidades aos 17 de Abril de 1842 - Rainha - António Bernardo da Costa Cabral - Para o Presidente e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja.”

Cit. José Silvestre Ribeiro, Béja no Anno de 1845 ou Primeiros Traços Estatisticos Daquela Cidade, Funchal, Typ. de A. L. da Cunha, 1847, ed. facsimilada da Câmara Municipal de Beja, pp. 24-25.

[43] Cit. António Carvalho da Costa, op. cit. p. 469.

[44] Cf. José Silvestre Ribeiro, op.cit., p. 18.

[45] Cf. Pe. Luís Miguel Taborda Fernandes, coord., Pe. António Mendes Aparício & Pe. José Maria Afonso Coelho, A Diocese de Beja no Agrum Universalis Eclesiæ – Nos 250 anos da Restauração da Diocese de Beja (1770-2020), Lisboa, Paulus Editores, 2020, pp. 15-16 e pp. 29-30.

[46] Cf. António José Saraiva, “Cenáculo Villas Boas, Frei Manuel do”, in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, pp. 550-551.

[47] Cf. Júlia Galego & Suzanne Daveau, O Numeramento de 1527-1532 – Tratamento Cartográfico, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, 1986, p. 17.

[48] Cf. António Manuel Hespanha, As Vésperas de Leviathan-Instituições e Poder Político em Portugal-Séc. XVII, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, pp. 102-103.

[49] Cf. Ângela Barreto Xavier & António Manuel Hespanha, “A Representação da Sociedade e do Poder”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 4.º vol., O Antigo Regime (1620-1807), coord. de António Manuel Hespanha, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 147.

[50] Cit. António Carvalho da Costa, op. cit., p. 468.

[51] Cit. idem, ibidem, p. 470.

[52] Cf. Manuel Botelho Ribeiro Pereira, Dialogos Moraes e Politicos. Viseu, 1955, p. 137, apud António de Oliveira, “As Cidades e o Poder no Período Filipino”, in Revista de História, Tomo XXXI, Vol. 2, 1996, pp. 309-310. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/12814.

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