BEJA NAS CAMPANHAS MILITARES LIBERAIS - O 9 DE JULHO DE 1833


 

 

Nas lutas que entre 1832/34 ensanguentaram o país, opondo liberais e absolutistas, e que só viram o seu término a 26 de Maio de 1834 com a assinatura da Convenção de Évora Monte, foi Beja palco de acontecimentos que, pela sua dimensão trágica, por longo tempo marcaram o imaginário citadino e foram pretexto para muitas e participadas manifestações de carácter cívico e reiterada afirmação dos valores da liberdade e da democracia. Narremos então os factos.
A 8 de Julho de 1832, processa-se o desembarque das forças liberais perto do Mindelo, na Praia de Arnoso de Pampelido. Sem qualquer resistência inimiga entram na manhã do dia seguinte na cidade do Porto, de onde haviam desertado as tropas realistas.
D. Pedro, que havia abdicado da coroa brasileira em favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, a 7 de Abril de 1831, e se tinha proclamado regente do reino aquando da sua chegada à Terceira, em Março do ano seguinte, pretendia assim, pela força, restaurar a legitimidade da Carta Constitucional e os direitos da rainha sua filha, D. Maria II.
As tropas liberais, apesar de algumas efémeras vitórias militares sobre os absolutistas, como as acções infrutíferas de Souto Redondo e Ponte Ferreira, que se saldaram por centenas de baixas, viram-se obrigadas a entrincheirar-se na cidade do Porto e aí irão suportar um prolongado cerco durante perto de um ano. A desproporção das forças em presença, 8,500 homens do lado ocupante e 80,000 do lado sitiante, tornava impeditiva qualquer surtida militar vitoriosa, capaz de romper o cerco, e D. Pedro opta, então, pela manutenção da defesa do Porto. Apesar de rechaçados os inúmeros ataques lançados contra as trincheiras liberais, o tempo jogava a favor das forças miguelistas.
Em meados de 1833 a situação era já desesperada. À fome e ao cansaço juntavam-se as deserções, a insubordinação, os atrasos nos pagamentos aos soldados, as epidemias.
Encetaram-se negociações entre as partes, que resultaram infrutíferas. Entre os liberais congeminou-se então uma manobra de diversão que pudesse aliviar a pressão do cerco à cidade do Porto. Consistiria esta no desembarque de uma força militar num ponto da costa por forma a atrair aí forças miguelistas e, assim, tornar mais disperso o teatro de guerra. Contava-se ainda com a adesão e apoio das populações à causa liberal.
Depois de algumas hesitações optou-se por que o desembarque se efectuasse num ponto da costa algarvia. A esquadra, que zarpa do Porto a 21 de Junho, é composta por 3 fragatas, 1 corveta, 1 brigue, 5 barcos a vapor e alguns transportes. O corpo expedicionário terá um total de 2,672 homens. O conde de Vila Flor, que recebera, entretanto, o título de duque da Terceira, segue como comandante supremo das tropas e o duque de Palmela, também integrante da expedição, seria o governador civil de todos os territórios conquistados. O comando da esquadra é entregue ao almirante britânico Carlos Napier. As tropas liberais vêm a desembarcar a 24 de Junho na praia da Alagoa, entre Cacela e Monte Gordo, sem encontrarem qualquer resistência. A guarnição realista, sediada em Vila Real de Santo António, retirara-se, entretanto, para Alcoutim. No dia seguinte entra a divisão expedicionária em Tavira, depois de uma breve escaramuça com forças realistas junto à ribeira de Almargem.
Neste mesmo dia, Terceira ordena que o coronel de milícias de Beja, Domingos de Mello Breyner, ocupe Vila Real de Santo António e se encarregue do governo militar daquela vila e povoações vizinhas, ao longo do Guadiana, encarregando-o ainda de promover a formação e armamento de grupos de voluntários que apoiem a causa da rainha e naquelas paragens a sustentem. As forças realistas que garantiam a defesa do Sul do país, com um total de cerca de l,600 homens e 8 peças de artilharia, sob o comando do general visconde de Mollelos, Governador das Armas do Reino do Algarve, vêem-se compelidas a recuar para além da zona serrana e a internarem-se em terras do Alentejo
O duque da Terceira continua, entretanto, empenhado na tarefa de ocupar os portos algarvios. Depois de Tavira, ocupada a 25, ocupa Olhão, a 26, e faz a sua entrada em Faro, a 27. No dia seguinte, destaca uma das duas brigadas que compunham as suas forças, sob o comando de António Pedro de Brito, para Loulé, com ordens para aí pernoitar e juntar-se no dia seguinte à outra brigada, em Quarteira, para daí partirem em perseguição das forças realistas.
No dia 30 chegam as tropas liberais a S. Bartolomeu de Messines, em perseguição de Mollelos, mas este já havia ultrapassado as serranias algarvias e encontrava-se então acampado, com as suas tropas, em Santa-Clara-a-Velha, partindo depois daqui para Messejana.
Terceira retrocede então para Loulé, que ocupa na manhã de 4 de Julho, indeciso sobre o que fazer, temeroso de se internar Alentejo dentro em perseguição das tropas realistas, duvidoso que estava quanto a uma vitória militar sobre tão significativas forças. Aí permanece, aguardando notícias da esquadra que operava na costa algarvia, sob o comando de Carlos Napier. Este, que saíra de Lagos a 2, avista na manhã do dia 3 a esquadra realista, por alturas do cabo de S. Vicente. O dia seguinte não se apresenta propício para o combate, que Napier evita, pelo estado do mar e vento desabrido. O embate acontece a 5 e a esquadra realista é vencida e aprisionada. A notícia desta vitória infunde nova alma às tropas liberais e Terceira decide-se então a empreender a intrépida manobra de se internar em terras alentejanas e aí desafiar a sorte das armas. A 10 de Julho dirige-se de novo a S. Bartolomeu de Messines e daí passa ao Alentejo. Domingos de Mello Breyner que, entretanto, havia conseguido reunir alguns voluntários em Vila Real de Santo António, auxiliados por cerca de 50 mercenários franceses que de Faro lhe tinha enviado o Duque de Palmela, conseguira ocupar Alcoutim e Mértola, onde havia feito aclamar a rainha. Em Mértola, tem conhecimento de levantamentos ocorridos em Serpa, e também na vizinha vila de Moura, a favor da causa liberal. E de Mértola se preparava Mello Breyner para partir a ocupar Beja.

O assalto liberal à cidade
Beja veio a cair efectivamente em mãos constitucionais a 9 de Julho. Quando soou em Beja a notícia do desembarque de Terceira no Algarve, logo os liberais da cidade se alvoroçaram com a perspectiva de promover aqui a aclamação da rainha. Mas as forças legitimistas que ocupavam a cidade, compostas por 500 voluntários realistas de Serpa e Beja, 30 voluntários da cavalaria de Monforte e 50 soldados de cavalaria n.º 5 seriam elemento suficientemente dissuasor para afastar quaisquer veleidades de pronunciamento por parte das hostes liberais locais. Partem assim daqui alguns dos seus habitantes, poucos dias depois, pela calada da noite, para em Serpa se juntarem aos seus correligionários.
Na Serra de Serpa e na região vizinha de Espanha encontravam-se muitos liberais fugidos às perseguições miguelistas. A 1 de Julho sucede assim a aclamação da rainha em Serpa, promovida pelos refugiados de acordo com elementos liberais daquela vila e os chegados de Beja. Em Serpa terá a causa constitucional como seus principais mentores o major Francisco José de Araújo Lacerda, o tenente coronel Francisco Romão de Goes, o cidadão Francisco Loureiro e alguns outros homiziados em Espanha.
Organizou-se então um corpo de voluntários que contava, no dia 4, com um total de 211 homens. Organiza-se ainda, nesta mesma altura, um outro corpo de voluntários, denominado de Beja, sob o comando do tenente coronel Francisco Romão de Goes.
E será em Serpa que será congeminado o ataque liberal contra a cidade de Beja, ocorrido·na madrugada de 8 para 9 de Julho.
Pelas 2 horas da noite concentraram-se as forças liberais nas vinhas da Salvada, distante de Beja cerca de 10 quilómetros. Eram estas compostas pelos batalhões de voluntários sob o comando do tenente-coronel Francisco Romão de Goes e major Francisco José de Araújo Lacerda, e 50 franceses sob o comando de Fleury do Rego.
Romão de Goes chegava de Mértola, acompanhado pelos franceses, onde se havia deslocado a aprovisionar -se de correame e armamento existentes em depósito realista. A este tempo já esta vila se encontrava ocupada pelas forças do coronel Domingos de Mello Breyner. Unidos aos voluntários de Serpa, comandados pelo major Araújo Lacerda, iniciam a marcha para Beja cerca das 3 horas. Pelas 5 horas encontravam-se acantonados junto ao sítio conhecido por "Tanque dos Cavalos", já nas imediações da cidade. Inicia-se então o ataque ao som do rufar de tambores e muitos vivas à causa da rainha.
As forças realistas, entrincheiradas na cerca que murava o Convento de S. Francisco, recebem os atacantes com algumas descargas de que resultam alguns feridos. De pronto se estabelece o tiroteio de parte a parte. Enquanto parte da força liberal atacava este reduto, Francisco Romão de Goes dirige-se, com alguns homens, em direcção à Igreja do Carmo e Rua de Santa Catarina, actual Rua da Liberdade, onde é advertido de que na Estalagem do Vargas, sita no Largo da Corredoura, actual Praça Miguel Fernandes, os soldados de cavalaria n.º 5 estavam já enfreando os cavalos, preparando-se para entrar na liça. Aí acorre obrigando a força realista a recolher-se dentro do edifício. Do tiroteio resultou grande confusão, com os cavalos que se encontravam no pátio tomados de pânico. O tenente comandante do esquadrão realista ensaia a fuga pela Rua de Lisboa, mas é mortalmente tolhido pelo fogo liberal, ficando o seu cavalo em poder dos atacantes.
Por algum tempo os sitiados, recolhidos dentro da estalagem, resistem a fogo de clavina, mas acabam vencidos e feitos prisioneiros.
Daqui se dirige Romão de Goes, com os seus homens, pelo Arco dos Prazeres à Praça D. Manuel I, actual Praça da República, onde manda soltar da cadeia os presos políticos Francisco Pessoa de Mendonça Furtado, o padre António Joaquim da Rosa e outros mais que aí estavam encarcerados.
Recebe então ordens para socorrer a força dos franceses que, no Arco das Portas de Mértola, fazia frente à força realista entrincheirada no Convento de S. Francisco. Para aí se dirige pela Rua do Touro e Rua da Conceição, onde é ferido.
Pouco a pouco, as forças realistas perdem terreno e acabam por ver-se confinadas à cerca do Convento de S. Francisco, onde ainda resistem por espaço de 2 horas, sendo finalmente vencidas pelo ataque que, do lado da Porta Nova, lhes é desferido pelos voluntários de Serpa, comandados pelo major Araújo Lacerda e capitão Saraiva de Alvito.
À fase final do combate já não assiste Romão de Goes, por se encontrar na casa do reitor do Salvador a ser tratado pelo cirurgião José Maria Rosado.
A ocupação da cidade foi efémera. Nesse mesmo dia, pelas 5 horas da tarde, as forças liberais retiram levando consigo o armamento e os cavalos apreendidos. Rumam em direcção à Quinta da Suratesta e daí tomam a estrada de Serpa, onde chegarão na madrugada do dia 10. Nesse mesmo dia seguem para Mértola e dali para o Algarve.
Beja, sem forças defensivas, fica entregue à sua sorte. Não tarda e as forças realistas tirarão cruel desforra.

Depois da tempestade ... a tempestade
O duque da Terceira e as forças sob o seu comando, que se encontravam acantonadas em S. Bartolomeu de Messines, partem a 13 de Julho em direcção ao Alentejo. Neste mesmo dia a esquadra liberal deixa o porto de Lagos rumo a Lisboa, com o intuito de bloquear a barra do Tejo.
A 15, os constitucionais atingem Garvão. Aí permanecem no dia seguinte, aguardando a chegada da artilharia de campanha que se atrasara um dia, à retaguarda. É em Garvão que o duque da Terceira tem conhecimento do ocorrido em Beja.
Já por este tempo o Visconde de Mollelos acorrera com as forças realistas sob o seu comando a esta cidade, deixando livre o passo às forças liberais. Terceira, surpreendido por este golpe da fortuna, que lhe punha diante o caminho da capital, hesita sobre o que fazer: procurar a divisão de Mollelos e com ela bater-se, retroceder para o Algarve e aí fortificar-se, aguardando pela completa sublevação das populações a favor da causa liberal, animadas agora pela memorável vitória naval, ou seguir adiante e arvorar a bandeira constitucional nas margens do Tejo? Um conselho militar, reunido em Messejana a 17 de Julho, decide-se por esta última opção. Apesar dos grandes riscos que tal empreendimento supunha, pois que 12,000 a 15,000 soldados realistas garantiam a defesa da capital, correndo-se ainda o perigo de confronto com as forças que de Lisboa haviam sido enviadas a dar luta aos liberais e que lhes eram bastante superiores em número, a marcha iniciou-se a 18 de Julho.
A 9 de Julho uma força realista havia deixado Lisboa para se reunir às forças de Mollelos em Messejana. Era composta por milícias de Tomar e de Tavira, 200 homens de Caçadores n.º l, um batalhão de Infantaria n.º 14 e esquadrão de Cavalaria n.º 2. Esta força militar haveria de se juntar às tropas de Mollelos, em Beja, a 14 de Julho.
Na manhã do mesmo 9 de Julho, aquando do ataque liberal à cidade de Beja, um corregedor, de seu nome Noronha, e um seu irmão, adeptos da causa realista, terão conseguido fugir de Beja a caminho de Messejana, onde terão informado Mollelos sobre os eventos aqui ocorridos. Mollelos parte então a ocupar a cidade onde entra no dia 10.
O ataque da força constitucional e o facto de haver sido interceptado na serra algarvia um correio com correspondência do Porto para o duque da Terceira, na qual se encontrou uma carta de Bernardo de Sá Nogueira recomendando ao duque a ocupação da cidade de Beja, pelas suas evidentes vantagens estratégicas para o posterior desenvolvimento de operações militares no Alentejo, bem como pelo conhecido ânimo liberal da sua população e porque aí se poderia constituir um poderoso foco de sublevação de toda a Província a favor da causa liberal, por tudo isto Mollelos ter-se-á convencido da iminência do ataque do duque da Terceira a esta cidade, a ser desferido, em seu entender, da parte de Mértola, aí se vai fortificar aguardando o que se lhe afigurava como inevitável. Ademais, as extensas planícies que rodeavam a cidade proporcionavam-lhe a possibilidade de aí manobrar, com facilidade e eficácia, a sua força de cavalaria, arma em que era claramente superior aos liberais.
As forças sob o comando de Mollelos, com os reforços chegados a Beja a 14 de Julho, como atrás ficou dito, e os que chegaram a 16, sob o comando do brigadeiro Nuno Augusto de Brito Taborda, somariam um total entre 8,000 e 9,000 homens, incluindo 400 soldados de cavalaria e 10 peças de artilharia, forças estas bastante superiores à do corpo expedicionário liberal.
A sanha absolutista irá agora abater-se sobre a indefesa população bejense. Dos primeiros a pagarem com a vida a sua devoção à causa liberal estão um comerciante, de seu nome João António Veiga, e um seu caixeiro.
O saque e o terror campeiam então pela cidade. O visconde de Mollelos e alguns dos seus oficiais ter-se-ão querido opor a estes desmandos, mas recebidos aos gritos de “morra” e apodados de traidores  e "malhados" pela soldadesca e muitos elementos civis tiveram que se retrair.
No dia 11 de Julho, são queimados em vida, numas fogueiras acesas na Praça D. Manuel I, os liberais padre Francisco Lopes Baião, da Ordem de S. Francisco, cujas três irmãs foram compelidas a presenciar tão sinistra cena, o doutor António Madeira, natural de Serpa, e Joaquim de Santa Anna, natural de Beja e sapateiro de sua profissão.
Numa descrição de tão funestos acontecimentos, por nós respigada do jornal "O Bejense", n.º 108, datado de 9 de Julho de 1913, e a propósito da homenagem que o jornal prestava nesta data aos martirizados liberais, se narrava um episódio com o seu quê de pitoresco, apesar de ocorrido em circunstâncias tão cruéis: um doutor Parreira, advogado em Beja, liberal convicto e amigo pessoal do doutor António Madeira, teria sido surpreendido quando se encontrava reunido, na mesma casa, com os restantes três liberais tão macabramente sentenciados. Conseguiu iludir as tropas miguelistas conservando-se de pé, a um canto da casa, enrolado numa esteira. As forças miguelistas, ao saberem-se ludibriadas por um tal embuste, enfurecidas, tê-lo-ão procurado no monte da Herdade da Lobata, de que era proprietário, junto ao Guadiana, já no concelho de Serpa. Cercado o monte e cuidando terem visto o doutor Parreira dentro de casa, desfecham os sitiantes uma saraivada de balas contra o edifício, tendo uma delas perfurado um postigo, mas sem ter ferido ninguém.
À data, segundo o jornal, "ainda no monte da Lobata se conserva esse postigo perfurado pela bala da reacção, para in memoriam do velho liberal que foi o dr. Parreira e para lição patriótica dos futuros”.
O doutor Parreira, após ter logrado escapar com vida, procurou refúgio em Espanha de onde só regressou após a assinatura da Convenção de Évora Monte.
As tropas constitucionais, que havíamos deixado em Messejana, a 18 de Julho, partiram neste mesmo dia em direcção à capital. A 20, entram em Alcácer do Sal e vão acampar junto a Palma. A 21, acham-se nas cercanias de Setúbal, onde defrontam uma pequena força de voluntários realistas que é vencida e dispersa. Estes fugitivos levam a Setúbal o terror e a desmoralização ao anunciarem a aproximação do corpo expedicionário liberal. No dia seguinte posiciona-se uma coluna realista frente a Setúbal, pronta para o combate. Mas, à aproximação dos constitucionais e disparados que foram alguns tiros de artilharia, debanda. A temeridade da marcha de Terceira, apesar do número reduzido de efectivos da sua força, tolhia os realistas e quebrava-lhes o ânimo de combatentes.
O castelo de S. Filipe e a Torre do Outão, que protegiam a cidade de Setúbal, são tomados sem um único disparo e aí é arvorado o pavilhão constitucional. Terceira atravessa Setúbal e a 22 acampa já nas imediações de Azeitão.
A notícia da aproximação dos constitucionais chegara, entretanto, à capital. O governo miguelista fez então sair na manhã de 23, para Almada, uma força constituída por 3,000 soldados de infantaria e três esquadrões de cavalaria, sob o comando do marechal-de-campo Telles Jordão.
Neste mesmo dia dirigiam-se as tropas constitucionais, a marchas forçadas, para as vizinhanças de Almada.
Ao desembocarem no vale da Piedade sofrem os liberais duas cargas da cavalaria realista que são rechaçadas. Seguem então em direcção a Cacilhas, levando de vencida a infantaria inimiga. A confusão era aqui grande, todos à uma, generais, oficiais e soldados tentando tomar barco que os reconduzisse à capital.
Neste entretanto, é reconhecido, e de pronto barbaramente trucidado nas areias da praia, o marechal-de-campo Telles Jordão, figura particularmente odiosa para os constitucionais pelos maus tratos infligidos a muitos destes, enquanto governador do Forte de S. Julião da Barra.
Na manhã de 24 de Julho rende-se a guarnição do Castelo de Almada, depois de, no dia anterior, haver recusado uma intimação que lhe fora feita pelo duque da Terceira.
Conquanto a maior parte das forças realistas tivesse ficado aprisionada no cais de Cacilhas, muitos são ainda aqueles que se conseguem evadir para Lisboa, cavando aí ainda mais o terror e a desmoralização.
O governo miguelista, chefiado pelo duque de Cadaval, decide-se então pela pronta evacuação da capital. Entre 10,000 a 12,000 homens de todas as armas e numerosos civis, nobres e plebeus, comprometidos com o regime miguelista, abandonam a cidade na manhã de 24 de Julho.
Mollelos, que deixara Beja a 19, achava-se neste mesmo dia em Setúbal. A sua excessiva permanência na capital baixo-alentejana atrasara-o de forma irremediável. Era agora tarde para tolher o passo às forças constitucionais.
A população de Lisboa subleva-se a favor da causa constitucional. Uma enorme frota de barcos, de todos os tamanhos e tipos, parte para Cacilhas com o propósito de embarcar os liberais. Entre as 2:00 e 3:00 horas da tarde de 24 de Julho o duque da Terceira desembarca no cais das Colunas, vitorioso.
Em Lisboa permanece a memória da efeméride na toponímia citadina, na marginal Avenida 24 de Julho.

O 9 de Julho faz parte da história citadina
Também Beja, por longo tempo, conservou a memória do 9 de Julho na sua toponímia. Em reunião de 6 de Julho de 1949, a Câmara Municipal de Beja de então deliberou proceder a alterações da toponímia citadina, invocando razões que se prendiam com a situação caótica que se verificava quanto à nomenclatura de praças e ruas, à necessidade de prestar justiça a figuras ilustres da cidade, do concelho ou do distrito, ou a grandes vultos da Literatura, da Arte e da História e “apagando definitivamente outras sem qualquer significado para a nossa terra e exaltadas apenas por mera amizade ou favor político”.
E a alusão à efeméride do 9 de Julho de 1833 foi apagada da toponímia da cidade. Os actuais Largo D. Nuno Álvares Pereira, fronteiro à Pousada de S. Francisco, e Rua D. Nuno Álvares Pereira, foram até essa data designados por Largo e Rua 9 de Julho.
Mas o 9 de Julho não era apenas celebrado na toponímia citadina; um órgão de informação local, que de modo muito significativo iniciou a sua publicação em 9 de Julho de 1885, intitulava-se precisamente “9 de Julho”. Jornal de propaganda republicana, o seu último número por nós consultado, dos existentes na Biblioteca Municipal de Beja, está datado de 1 de Julho de 1905. No seu número datado de 17 de Junho de 1899 se referem de forma detalhada os eventos ocorridos em Beja aquando do ataque liberal à cidade. E as referências à efeméride são constantes em outros órgãos de informação local.
O "Jornal do Povo", que iniciou a sua publicação em 5 de janeiro de 1876, logo no seu primeiro número alude, a toda a primeira página, à manifestação que teve lugar em Beja, em 25 de dezembro de 1875, de homenagem aos três liberais martirizados a 11 de julho de 1833. E os exemplares por nós consultados, existentes na Biblioteca Municipal, referem ainda os acontecimentos então ocorridos em Beja nos números 28, datado de 12 julho de 1876, e 80, de 11 de julho de 1877.
Neste último, descrevem-se, com pormenor, as comemorações ocorridas na cidade, precisamente a 9 de Julho, as quais tiveram o seu início logo pela madrugada, com a intervenção do Regimento de Infantaria n.º 17 que, de forma meticulosa, manobrou por forma a recriar os combates ocorridos em Beja aquando do assalto liberal à cidade. Culminaram as comemorações com uma soirée, no então chamado “Teatro Provisório”, promovida pela “Sociedade Dramática Artística Bejense”. Recitou-se poesia, representou-se a comédia em três actos “A Morgadinha de Val d’Amores”, de Camilo Castelo Branco, e cantou-se, por fim, o hino “Durante o Combate”, com música da “Marselhesa” e letra de Pinheiro Chagas. Os intervalos foram preenchidos pela banda do Regimento de Infantaria n.º 17. Eram duas horas e meia da madrugada quando o sarau terminou.
O jornal “O Bejense” comemorou o 9 de Julho nos números 108, de 9 de julho de 1913, já anteriormente citado, 160, de 8 de Julho de 1914, 407, de 10 de Julho de 1919, 545, de 9 de Julho de 1922, onde se narram de forma circunstanciada os acontecimentos então ocorridos, 803 e 804, de 9 e 15 de Julho de 1928, 837, de 11 de Julho de 1929 e 911, de 9 de Julho de 1932.
Do jornal “O Porvir”, mão amiga fez-nos chegar os números 1,140 e 1,143, datados de 23 de Junho e 14 de Julho de 1928, nos quais se alude à manifestação então ocorrida em Beja comemorativa da efeméride.
Também a monarquia constitucional se soube mostrar grata, na pessoa da Rainha D. Maria II, ao relevante protagonismo e aos muitos sacrifícios padecidos por Beja e seus habitantes nas defesa da causa liberal.
Por solicitação da Câmara Municipal, conferiu a soberana o título de duque de Beja a seu filho o infante D. João, terceiro na ordem de nascimento. Este título, instituído por D. Afonso V para seu irmão D. Fernando, passou depois para os filhos deste, D. João, D. Diogo e D. Manuel, que veio a ser rei. No reinado de D. João III foi duque de Beja seu irmão, D. Luís. Ficou depois prerrogativa dos filhos segundos dos reis portugueses e, mais tarde, dos terceiros. Contudo, desde o reinado de D. Pedro II que o título não era conferido. Era, pois, subida honra o seu restabelecimento. Da carta régia que o repôs, datada de 17 de Abril de 1842, transcrevemos o seguinte passo: “Presidente e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja. Eu a Rainha vos envio muito saudar. Attendendo benignamente á supplica que, em vosso nome, e por parte dos povos desse Municipio, dirigistes á Minha Augusta Presença, pedindo-Me que Houvesse Eu por bem conferir o titulo de Duque de Béja ao Infante Recem-nascido, Meu Muito Amado e Presado Filho; e tendo-se nobremente destinguido a mesma Cidade em todos os tempos da Monarchia, pelo seu patriotismo e pela fidelidade e amor que ha consagrado a seus Legitimos Soberanos; sendo notorio que na epocha ultimamente decorrida, em que a lealdade Portuguesa tantos titulos juntou á sua muito antiga e gloriosa reputação, forão os habitantes de Béja dos que mais romperão em enthusiasmo e efficazes demonstrações de cordeal adhesão á Causa da Ligitimidade e da Carta Constitucional da Monarchia, logo que no Sul do Reino soou o grito da Liberdade Legal: Hei por bem por todos estes respeitos, e por lhes Querer Fazer Mercê Conferir o Título de Duque de Béja ao mesmo Infante D. João, Meu Muito Amado e Prezado Filho. (…)”.
De efeméride honrosa, tantas vezes arvorada como símbolo das virtudes cívicas e do apego aos valores da democracia e da liberdade dos bejenses, caiu para acontecimento menor, esquecido no arcaz bafiento da História. Foi apagada da toponímia e da memória da cidade. Raros serão hoje os seus habitantes que dela tenham conhecimento. Com o advento da Ditadura, outras efemérides, outras celebrações lhe tomaram o passo. O 9 de Julho tornou-se uma data incómoda. A realização de tal comemoração, alicerçada nos valores da liberdade e da democracia, estava definitivamente posta em causa É que a memória do passado condiciona e legitima o exercício do poder. Havia, pois, que expurgar tal anomalia da memória citadina. E tal objectivo foi quase plenamente conseguido. Rememoremo-lo agora e sempre, pois que os valores que o 9 de Julho evoca se compaginam com aqueles que norteiam a sociedade portuguesa moderna e são acontecimento de que a urbe bejense se deve legitimamente orgulhar.

 
Bibliografia:

AFFREIXO, José Maria da Graça, Memória Histórico-Económica do Concelho de Serpa, Casa Minerva, Coimbra, 1884, pp. 95-98.
Álbum Alentejano, Tomo I, edição patrocinada pelo Grémio Alentejano, Imprensa Beleza, Lisboa, s/d, p. 119.
Arquivo de Beja, vol. XVI, Beja, Boletim da Câmara Municipal, Minerva Comercial, Beja, 1959, pp. 55-78.
Arquivo de Beja, vol. XVII, Beja, Boletim da Câmara Municipal, Minerva Comercial, 1960, pp. 124-137.
CARVALHO, Ernesto de, O Espêto, Tipografia Universal, Lisboa, 1914, pp. 211-222.
Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1971.
Guia de Beja, Tipografia Carlos Marques e Cª. Ld.a, Beja, 1929.
História de Portugal, direcção de José Mattoso, Círculo de Leitores, 1993, Vol. V, pp. 89-105.
História de Portugal, Portucalense Editora, Ld.ª, Barcelos, 1935, Vol. VII, pp. 161-221.
RIBEIRO, José Silvestre, Beja no Anno de 1845 ou Primeiros Traços Estatisticos d' Aquella Cidade, Typ. de A. L. da Cunha, Funchal, 1847 (edição facsimilada da Câmara Municipal de Beja, 1986, pp. 22-28.
SORIANO, Simão José da Luz, História do Cerco·do Porto, Tomo II, A. Leite Guimarães Editor, Porto, 1889, pp. 406-521.

Jornais (números citados no corpo do texto):
Diário do Alentejo
O Bejense
O Jornal do Povo
O 9 de Julho
O Porvir

 

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