BEJA NAS CAMPANHAS MILITARES LIBERAIS - O 9 DE JULHO DE 1833
Nas lutas que entre 1832/34 ensanguentaram
o país, opondo liberais e absolutistas, e que só viram o seu término a 26 de
Maio de 1834 com a assinatura da Convenção de Évora Monte, foi Beja palco de
acontecimentos que, pela sua dimensão trágica, por longo tempo marcaram o
imaginário citadino e foram pretexto para muitas e participadas manifestações de
carácter cívico e reiterada afirmação dos valores da liberdade e da democracia.
Narremos então os factos.
A 8 de Julho de 1832, processa-se o desembarque
das forças liberais perto do Mindelo, na Praia de Arnoso de Pampelido. Sem
qualquer resistência inimiga entram na manhã do dia seguinte na cidade do
Porto, de onde haviam desertado as tropas realistas.
D. Pedro, que havia abdicado da coroa
brasileira em favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, a 7 de Abril de 1831,
e se tinha proclamado regente do reino aquando da sua chegada à Terceira, em
Março do ano seguinte, pretendia assim, pela força, restaurar a legitimidade da
Carta Constitucional e os direitos da rainha sua filha, D. Maria II.
As tropas liberais, apesar de algumas
efémeras vitórias militares sobre os absolutistas, como as acções infrutíferas
de Souto Redondo e Ponte Ferreira, que se saldaram por centenas de baixas,
viram-se obrigadas a entrincheirar-se na cidade do Porto e aí irão suportar um
prolongado cerco durante perto de um ano. A desproporção das forças em
presença, 8,500 homens do lado ocupante e 80,000 do lado sitiante, tornava
impeditiva qualquer surtida militar vitoriosa, capaz de romper o cerco, e D.
Pedro opta, então, pela manutenção da defesa do Porto. Apesar de rechaçados os
inúmeros ataques lançados contra as trincheiras liberais, o tempo jogava a
favor das forças miguelistas.
Em meados de 1833 a situação era já
desesperada. À fome e ao cansaço juntavam-se as deserções, a insubordinação, os
atrasos nos pagamentos aos soldados, as epidemias.
Encetaram-se negociações entre as partes,
que resultaram infrutíferas. Entre os liberais congeminou-se então uma manobra
de diversão que pudesse aliviar a pressão do cerco à cidade do Porto.
Consistiria esta no desembarque de uma força militar num ponto da costa por
forma a atrair aí forças miguelistas e, assim, tornar mais disperso o teatro de
guerra. Contava-se ainda com a adesão e apoio das populações à causa liberal.
Depois de algumas hesitações optou-se por
que o desembarque se efectuasse num ponto da costa algarvia. A esquadra, que zarpa
do Porto a 21 de Junho, é composta por 3 fragatas, 1 corveta, 1 brigue, 5
barcos a vapor e alguns transportes. O corpo expedicionário terá um total de
2,672 homens.
O conde de Vila Flor, que recebera, entretanto, o título de duque da Terceira,
segue como comandante supremo das tropas e o duque de Palmela, também
integrante da expedição, seria o governador civil de todos os territórios
conquistados. O comando da esquadra é entregue ao almirante britânico Carlos
Napier. As tropas liberais vêm a desembarcar a 24 de Junho na praia da Alagoa,
entre Cacela e Monte Gordo, sem encontrarem qualquer resistência. A guarnição
realista, sediada em Vila Real de Santo António, retirara-se, entretanto, para
Alcoutim. No dia seguinte entra a divisão expedicionária em Tavira, depois de
uma breve escaramuça com forças realistas junto à ribeira de Almargem.
Neste mesmo dia, Terceira ordena que o
coronel de milícias de Beja, Domingos de Mello Breyner, ocupe Vila Real de
Santo António e se encarregue do governo militar daquela vila e povoações
vizinhas, ao longo do Guadiana, encarregando-o ainda de promover a formação e
armamento de grupos de voluntários que apoiem a causa da rainha e naquelas
paragens a sustentem. As forças realistas que garantiam a defesa do Sul do país,
com um total de cerca de l,600 homens e 8 peças de artilharia, sob o comando do general
visconde de Mollelos, Governador das Armas do Reino do Algarve, vêem-se
compelidas a recuar para além da zona serrana e a internarem-se em terras do
Alentejo
O duque da Terceira continua, entretanto,
empenhado na tarefa de ocupar os portos algarvios. Depois de Tavira, ocupada a
25, ocupa Olhão, a 26, e faz a sua entrada em Faro, a 27. No dia seguinte,
destaca uma das duas brigadas que compunham as suas forças, sob o comando de
António Pedro de Brito, para Loulé, com ordens para aí pernoitar e juntar-se no
dia seguinte à outra brigada, em Quarteira, para daí partirem em perseguição
das forças realistas.
No dia 30 chegam as tropas liberais a S.
Bartolomeu de Messines, em perseguição de Mollelos, mas este já havia
ultrapassado as serranias algarvias e encontrava-se então acampado, com as suas
tropas, em Santa-Clara-a-Velha, partindo depois daqui para Messejana.
Terceira
retrocede então para Loulé, que ocupa na manhã de 4 de Julho, indeciso sobre o
que fazer, temeroso de se internar Alentejo dentro em perseguição das tropas
realistas, duvidoso que estava quanto a uma vitória militar sobre tão
significativas forças. Aí permanece, aguardando notícias da esquadra que
operava na costa algarvia, sob o comando de Carlos Napier. Este, que saíra de
Lagos a 2, avista na manhã do dia 3 a esquadra realista, por alturas do cabo de
S. Vicente. O dia seguinte não se apresenta propício para o combate, que Napier
evita, pelo estado do mar e vento desabrido. O embate acontece a 5 e a esquadra
realista é vencida e aprisionada. A notícia desta vitória infunde nova alma às
tropas liberais e Terceira decide-se então a empreender a intrépida manobra de
se internar em terras alentejanas e aí desafiar a sorte das armas. A 10 de
Julho dirige-se de novo a S. Bartolomeu de Messines e daí passa ao Alentejo.
Domingos de Mello Breyner que, entretanto, havia conseguido reunir alguns
voluntários em Vila Real de Santo António, auxiliados por cerca de 50 mercenários
franceses que de Faro lhe tinha enviado o Duque de Palmela, conseguira ocupar Alcoutim
e Mértola, onde havia feito aclamar a rainha. Em Mértola, tem conhecimento de
levantamentos ocorridos em Serpa, e também na vizinha vila de Moura, a favor da
causa liberal. E de Mértola se preparava Mello Breyner para partir a ocupar
Beja.
O
assalto liberal à cidade
Beja veio a cair efectivamente em mãos
constitucionais a 9 de Julho. Quando soou em Beja a notícia do desembarque de
Terceira no Algarve, logo os liberais da cidade se alvoroçaram com a perspectiva
de promover aqui a aclamação da rainha. Mas as forças legitimistas que ocupavam
a cidade, compostas por 500 voluntários realistas de Serpa e Beja, 30
voluntários da cavalaria de Monforte e 50 soldados de cavalaria n.º 5 seriam elemento suficientemente
dissuasor para afastar quaisquer veleidades de pronunciamento por parte das
hostes liberais locais. Partem assim daqui alguns dos seus habitantes, poucos
dias depois, pela calada da noite, para em Serpa se juntarem aos seus
correligionários.
Na Serra de Serpa e na região vizinha de
Espanha encontravam-se muitos liberais fugidos às perseguições miguelistas. A 1
de Julho sucede assim a aclamação da rainha em Serpa, promovida pelos
refugiados de acordo com elementos liberais daquela vila e os chegados de Beja.
Em Serpa terá a causa constitucional como seus principais mentores o major
Francisco José de Araújo Lacerda, o tenente coronel Francisco Romão de Goes, o
cidadão Francisco Loureiro e alguns outros homiziados em Espanha.
Organizou-se então um corpo de voluntários
que contava, no dia 4, com um total de 211 homens. Organiza-se ainda, nesta
mesma altura, um outro corpo de voluntários, denominado de Beja, sob o comando
do tenente coronel Francisco Romão de Goes.
E será em Serpa que será congeminado o
ataque liberal contra a cidade de Beja, ocorrido·na madrugada de 8 para 9 de
Julho.
Pelas 2 horas da noite concentraram-se as
forças liberais nas vinhas da Salvada, distante de Beja cerca de 10
quilómetros. Eram estas compostas pelos batalhões de voluntários sob o comando
do tenente-coronel Francisco Romão de Goes e major Francisco José de Araújo
Lacerda, e 50 franceses sob o comando de Fleury do Rego.
Romão de Goes chegava de Mértola,
acompanhado pelos franceses, onde se havia deslocado a aprovisionar -se de
correame e armamento existentes em depósito realista. A este tempo já esta vila
se encontrava ocupada pelas forças do coronel Domingos de Mello Breyner. Unidos
aos voluntários de Serpa, comandados pelo major Araújo Lacerda, iniciam a
marcha para Beja cerca das 3 horas. Pelas 5 horas encontravam-se acantonados
junto ao sítio conhecido por "Tanque dos Cavalos", já nas imediações
da cidade. Inicia-se então o ataque ao som do rufar de tambores e muitos vivas
à causa da rainha.
As forças realistas, entrincheiradas na
cerca que murava o Convento de S. Francisco, recebem os atacantes com algumas
descargas de que resultam alguns feridos. De pronto se estabelece o tiroteio de
parte a parte. Enquanto parte da força liberal atacava este reduto, Francisco
Romão de Goes dirige-se, com alguns homens, em direcção à Igreja do Carmo e Rua
de Santa Catarina, actual Rua da Liberdade, onde é advertido de que na
Estalagem do Vargas, sita no Largo da Corredoura, actual Praça Miguel
Fernandes, os soldados de cavalaria n.º 5 estavam já enfreando os cavalos,
preparando-se para entrar na liça. Aí acorre obrigando a força realista a
recolher-se dentro do edifício. Do tiroteio resultou grande confusão, com os
cavalos que se encontravam no pátio tomados de pânico. O tenente comandante do
esquadrão realista ensaia a fuga pela Rua de Lisboa, mas é mortalmente tolhido
pelo fogo liberal, ficando o seu cavalo em poder dos atacantes.
Por algum tempo os sitiados, recolhidos
dentro da estalagem, resistem a fogo de clavina, mas acabam vencidos e feitos
prisioneiros.
Daqui se dirige Romão de Goes, com os seus
homens, pelo Arco dos Prazeres à Praça D. Manuel I, actual Praça da República,
onde manda soltar da cadeia os presos políticos Francisco Pessoa de Mendonça
Furtado, o padre António Joaquim da Rosa e outros mais que aí estavam
encarcerados.
Recebe então ordens para socorrer a força
dos franceses que, no Arco das Portas de Mértola, fazia frente à força realista
entrincheirada no Convento de S. Francisco. Para aí se dirige pela Rua do Touro
e Rua da Conceição, onde é ferido.
Pouco a pouco, as forças realistas perdem
terreno e acabam por ver-se confinadas à cerca do Convento de S. Francisco,
onde ainda resistem por espaço de 2 horas, sendo finalmente vencidas pelo
ataque que, do lado da Porta Nova, lhes é desferido pelos
voluntários de Serpa, comandados pelo major Araújo Lacerda e capitão Saraiva de
Alvito.
À fase final do combate já não assiste
Romão de Goes, por se encontrar na casa do reitor do Salvador a ser tratado
pelo cirurgião José Maria Rosado.
A ocupação da cidade foi efémera. Nesse
mesmo dia, pelas 5 horas da tarde, as forças liberais retiram levando consigo o
armamento e os cavalos apreendidos. Rumam em direcção à Quinta da Suratesta e
daí tomam a estrada de Serpa, onde chegarão na madrugada do dia 10. Nesse mesmo
dia seguem para Mértola e dali para o Algarve.
Beja,
sem forças defensivas, fica entregue à sua sorte. Não tarda e as forças
realistas tirarão cruel desforra.
Depois
da tempestade ... a tempestade
O duque da Terceira e as forças sob o seu
comando, que se encontravam acantonadas em S. Bartolomeu de Messines, partem a
13 de Julho em direcção ao Alentejo. Neste mesmo dia a esquadra liberal deixa o
porto de Lagos rumo a Lisboa, com o intuito de bloquear a barra do Tejo.
A 15, os constitucionais atingem Garvão. Aí
permanecem no dia seguinte, aguardando a chegada da artilharia de campanha que
se atrasara um dia, à retaguarda. É em Garvão que o duque da Terceira tem conhecimento
do ocorrido em Beja.
Já por este tempo o Visconde de Mollelos
acorrera com as forças realistas sob o seu comando a esta cidade, deixando livre
o passo às forças liberais. Terceira, surpreendido por este golpe da fortuna,
que lhe punha diante o caminho da capital, hesita sobre o que fazer: procurar a
divisão de Mollelos e com ela bater-se, retroceder para o Algarve e aí
fortificar-se, aguardando pela completa sublevação das populações a favor da
causa liberal, animadas agora pela memorável vitória naval, ou seguir adiante e
arvorar a bandeira constitucional nas margens do Tejo? Um conselho militar,
reunido em Messejana a 17 de Julho, decide-se por esta última opção. Apesar dos
grandes riscos que tal empreendimento supunha, pois que 12,000 a 15,000
soldados realistas garantiam a defesa da capital, correndo-se ainda o perigo de
confronto com as forças que de Lisboa haviam sido enviadas a dar luta aos
liberais e que lhes eram bastante superiores em número, a marcha iniciou-se a
18 de Julho.
A 9 de Julho uma força realista havia
deixado Lisboa para se reunir às forças de Mollelos em Messejana. Era composta
por milícias de Tomar e de Tavira, 200 homens de Caçadores n.º l, um batalhão
de Infantaria n.º 14 e esquadrão de Cavalaria n.º 2. Esta força militar haveria
de se juntar às tropas de Mollelos, em Beja, a 14 de Julho.
Na manhã do mesmo 9 de Julho, aquando do ataque
liberal à cidade de Beja, um corregedor, de seu nome Noronha, e um seu irmão,
adeptos da causa realista, terão conseguido fugir de Beja a caminho de
Messejana, onde terão informado Mollelos sobre os eventos aqui ocorridos.
Mollelos parte então a ocupar a cidade onde entra no dia 10.
O ataque da força constitucional e o facto
de haver sido interceptado na serra algarvia um correio com correspondência do
Porto para o duque da Terceira, na qual se encontrou uma carta de Bernardo de
Sá Nogueira recomendando ao duque a ocupação da cidade de Beja, pelas suas
evidentes vantagens estratégicas para o posterior desenvolvimento de operações
militares no Alentejo, bem como pelo conhecido ânimo liberal da sua população e
porque aí se poderia constituir um poderoso foco de sublevação de toda a
Província a favor da causa liberal, por tudo isto Mollelos ter-se-á convencido
da iminência do ataque do duque da Terceira a esta cidade, a ser desferido, em
seu entender, da parte de Mértola, aí se vai fortificar aguardando o que se lhe
afigurava como inevitável. Ademais, as extensas planícies que rodeavam a cidade
proporcionavam-lhe a possibilidade de aí manobrar, com facilidade e eficácia, a
sua força de cavalaria, arma em que era claramente superior aos liberais.
As forças sob o comando de Mollelos, com
os reforços chegados a Beja a 14 de Julho, como atrás ficou dito, e os que
chegaram a 16, sob o comando do brigadeiro Nuno Augusto de Brito Taborda,
somariam um total entre 8,000 e 9,000 homens, incluindo 400 soldados de
cavalaria e 10 peças de artilharia, forças estas bastante superiores à do corpo
expedicionário liberal.
A sanha absolutista irá agora abater-se
sobre a indefesa população bejense. Dos primeiros a pagarem com a vida a sua
devoção à causa liberal estão um comerciante, de seu nome João António Veiga, e
um seu caixeiro.
O saque e o terror campeiam então pela
cidade. O visconde de Mollelos e alguns dos seus oficiais ter-se-ão querido
opor a estes desmandos, mas recebidos aos gritos de “morra” e apodados de
traidores e "malhados" pela soldadesca e muitos elementos
civis tiveram que se retrair.
No dia 11 de Julho, são queimados em vida,
numas fogueiras acesas na Praça D. Manuel I, os liberais padre Francisco Lopes
Baião, da Ordem de S. Francisco, cujas três irmãs foram compelidas a presenciar
tão sinistra cena, o doutor António Madeira, natural de Serpa, e Joaquim de
Santa Anna, natural de Beja e sapateiro de sua profissão.
Numa descrição de tão funestos acontecimentos,
por nós respigada do jornal "O Bejense", n.º 108, datado de 9 de
Julho de 1913, e a propósito da homenagem que o jornal prestava nesta data aos
martirizados liberais, se narrava um episódio com o seu quê de pitoresco,
apesar de ocorrido em circunstâncias tão cruéis: um doutor Parreira, advogado
em Beja, liberal convicto e amigo pessoal do doutor António Madeira, teria sido
surpreendido quando se encontrava reunido, na mesma casa, com os restantes três
liberais tão macabramente sentenciados. Conseguiu iludir as tropas miguelistas
conservando-se de pé, a um canto da casa, enrolado numa esteira. As forças
miguelistas, ao saberem-se ludibriadas por um tal embuste, enfurecidas, tê-lo-ão
procurado no monte da Herdade da Lobata, de que era proprietário, junto ao
Guadiana, já no concelho de Serpa. Cercado o monte e cuidando terem visto o
doutor Parreira dentro de casa, desfecham os sitiantes uma saraivada de balas
contra o edifício, tendo uma delas perfurado um postigo, mas sem ter ferido
ninguém.
À data, segundo o jornal, "ainda no monte da Lobata se conserva esse
postigo perfurado pela bala da reacção, para in memoriam do velho liberal que
foi o dr. Parreira e para lição patriótica dos futuros”.
O doutor Parreira, após ter logrado escapar
com vida, procurou refúgio em Espanha de onde só regressou após a assinatura da
Convenção de Évora Monte.
As tropas constitucionais, que havíamos
deixado em Messejana, a 18 de Julho, partiram neste mesmo dia em direcção à
capital. A 20, entram em Alcácer do Sal e vão acampar junto a Palma. A 21,
acham-se nas cercanias de Setúbal, onde defrontam uma pequena força de voluntários
realistas que é vencida e dispersa. Estes fugitivos levam a Setúbal o terror e
a desmoralização ao anunciarem a aproximação do corpo expedicionário liberal.
No dia seguinte posiciona-se uma coluna realista frente a Setúbal, pronta para
o combate. Mas, à aproximação dos constitucionais e disparados que foram alguns
tiros de artilharia, debanda. A temeridade da marcha de Terceira, apesar do
número reduzido de efectivos da sua força, tolhia os realistas e quebrava-lhes
o ânimo de combatentes.
O castelo de S. Filipe e a Torre do Outão,
que protegiam a cidade de Setúbal, são tomados sem um único disparo e aí é arvorado
o pavilhão constitucional. Terceira atravessa Setúbal e a 22 acampa já nas
imediações de Azeitão.
A notícia da aproximação dos constitucionais
chegara, entretanto, à capital. O governo miguelista fez então sair na manhã de
23, para Almada, uma força constituída por 3,000 soldados de infantaria e três
esquadrões de cavalaria, sob o comando do marechal-de-campo Telles Jordão.
Neste mesmo dia dirigiam-se as tropas
constitucionais, a marchas forçadas, para as vizinhanças de Almada.
Ao desembocarem no vale da Piedade sofrem
os liberais duas cargas da cavalaria realista que são rechaçadas. Seguem então
em direcção a Cacilhas, levando de vencida a infantaria inimiga. A confusão era
aqui grande, todos à uma, generais, oficiais e soldados tentando tomar barco
que os reconduzisse à capital.
Neste entretanto, é reconhecido, e de
pronto barbaramente trucidado nas areias da praia, o marechal-de-campo Telles
Jordão, figura particularmente odiosa para os constitucionais pelos maus tratos
infligidos a muitos destes, enquanto governador do Forte de S. Julião da Barra.
Na manhã de 24 de Julho rende-se a
guarnição do Castelo de Almada, depois de, no dia anterior, haver recusado uma
intimação que lhe fora feita pelo duque da Terceira.
Conquanto a maior parte das forças
realistas tivesse ficado aprisionada no cais de Cacilhas, muitos são ainda
aqueles que se conseguem evadir para Lisboa, cavando aí ainda mais o terror e a
desmoralização.
O governo miguelista, chefiado pelo duque
de Cadaval, decide-se então pela pronta evacuação da capital. Entre 10,000 a
12,000 homens de todas as armas e numerosos civis, nobres e plebeus,
comprometidos com o regime miguelista, abandonam a cidade na manhã de 24 de
Julho.
Mollelos, que deixara Beja a 19, achava-se
neste mesmo dia em Setúbal. A sua excessiva permanência na capital
baixo-alentejana atrasara-o de forma irremediável. Era agora tarde para tolher
o passo às forças constitucionais.
A população de Lisboa subleva-se a favor
da causa constitucional. Uma enorme frota de barcos, de todos os tamanhos e
tipos, parte para Cacilhas com o propósito de embarcar os liberais. Entre as 2:00
e 3:00 horas da tarde de 24 de Julho o duque da Terceira desembarca no cais das
Colunas, vitorioso.
Em
Lisboa permanece a memória da efeméride na toponímia citadina, na marginal
Avenida 24 de Julho.
O
9 de Julho faz parte da história citadina
Também Beja, por longo tempo, conservou a
memória do 9 de Julho na sua toponímia. Em reunião de 6 de Julho de 1949, a
Câmara Municipal de Beja de então deliberou proceder a alterações da toponímia
citadina, invocando razões que se prendiam com a situação caótica que se
verificava quanto à nomenclatura de praças e ruas, à necessidade de prestar
justiça a figuras ilustres da cidade, do concelho ou do distrito, ou a grandes
vultos da Literatura, da Arte e da História e “apagando definitivamente outras sem qualquer significado para a nossa terra
e exaltadas apenas por mera amizade ou favor político”.
E a alusão à efeméride do 9 de Julho de
1833 foi apagada da toponímia da cidade. Os actuais Largo D. Nuno Álvares
Pereira, fronteiro à Pousada de S. Francisco, e Rua D. Nuno Álvares Pereira,
foram até essa data designados por Largo e Rua 9 de Julho.
Mas o 9 de Julho não era apenas celebrado
na toponímia citadina; um órgão de informação local, que de modo muito significativo
iniciou a sua publicação em 9 de Julho de 1885, intitulava-se precisamente “9
de Julho”. Jornal de propaganda republicana, o seu último número por nós
consultado, dos existentes na Biblioteca Municipal de Beja, está datado de 1 de
Julho de 1905. No seu número datado de 17 de Junho de 1899 se referem de forma
detalhada os eventos ocorridos em Beja aquando do ataque liberal à cidade. E as
referências à efeméride são constantes em outros órgãos de informação local.
O "Jornal do Povo", que iniciou
a sua publicação em 5 de janeiro de 1876, logo no seu primeiro número alude, a
toda a primeira página, à manifestação que teve lugar em Beja, em 25 de
dezembro de 1875, de homenagem aos três liberais martirizados a 11 de julho de
1833. E os exemplares por nós consultados, existentes na Biblioteca Municipal,
referem ainda os acontecimentos então ocorridos em Beja nos números 28, datado
de 12 julho de 1876, e 80, de 11 de julho de 1877.
Neste último, descrevem-se, com pormenor,
as comemorações ocorridas na cidade, precisamente a 9 de Julho, as quais tiveram
o seu início logo pela madrugada, com a intervenção do Regimento de Infantaria
n.º 17 que, de forma meticulosa, manobrou por forma a recriar os combates
ocorridos em Beja aquando do assalto liberal à cidade. Culminaram as
comemorações com uma soirée, no então
chamado “Teatro Provisório”, promovida pela “Sociedade Dramática Artística
Bejense”. Recitou-se poesia, representou-se a comédia em três actos “A
Morgadinha de Val d’Amores”, de Camilo Castelo Branco, e cantou-se, por fim, o
hino “Durante o Combate”, com música da “Marselhesa” e letra de Pinheiro
Chagas. Os intervalos foram preenchidos pela banda do Regimento de Infantaria
n.º 17. Eram duas horas e meia da madrugada quando o sarau terminou.
O jornal “O Bejense” comemorou o 9 de
Julho nos números 108, de 9 de julho de 1913, já anteriormente citado, 160, de
8 de Julho de 1914, 407, de 10 de Julho de 1919, 545, de 9 de Julho de 1922,
onde se narram de forma circunstanciada os acontecimentos então ocorridos, 803
e 804, de 9 e 15 de Julho de 1928, 837, de 11 de Julho de 1929 e 911, de 9 de
Julho de 1932.
Do jornal “O Porvir”, mão amiga fez-nos
chegar os números 1,140 e 1,143, datados de 23 de Junho e 14 de Julho de 1928,
nos quais se alude à manifestação então ocorrida em Beja comemorativa da
efeméride.
Também a monarquia constitucional se soube
mostrar grata, na pessoa da Rainha D. Maria II, ao relevante protagonismo e aos
muitos sacrifícios padecidos por Beja e seus habitantes nas defesa da causa
liberal.
Por solicitação da Câmara Municipal,
conferiu a soberana o título de duque de Beja a seu filho o infante D. João,
terceiro na ordem de nascimento. Este título, instituído por D. Afonso V para
seu irmão D. Fernando, passou depois para os filhos deste, D. João, D. Diogo e
D. Manuel, que veio a ser rei. No reinado de D. João III foi duque de Beja seu
irmão, D. Luís. Ficou depois prerrogativa dos filhos segundos dos reis
portugueses e, mais tarde, dos terceiros. Contudo, desde o reinado de D. Pedro
II que o título não era conferido. Era, pois, subida honra o seu
restabelecimento. Da carta régia que o repôs, datada de 17 de Abril de 1842,
transcrevemos o seguinte passo: “Presidente
e Vereadores da Camara Municipal da Cidade de Béja. Eu a Rainha vos envio muito
saudar. Attendendo benignamente á supplica que, em vosso nome, e por parte dos
povos desse Municipio, dirigistes á Minha Augusta Presença, pedindo-Me que
Houvesse Eu por bem conferir o titulo de Duque de Béja ao Infante
Recem-nascido, Meu Muito Amado e Presado Filho; e tendo-se nobremente destinguido
a mesma Cidade em todos os tempos da Monarchia, pelo seu patriotismo e pela
fidelidade e amor que ha consagrado a seus Legitimos Soberanos; sendo notorio
que na epocha ultimamente decorrida, em que a lealdade Portuguesa tantos titulos
juntou á sua muito antiga e gloriosa reputação, forão os habitantes de Béja dos
que mais romperão em enthusiasmo e efficazes demonstrações de cordeal adhesão á
Causa da Ligitimidade e da Carta Constitucional da Monarchia, logo que no Sul
do Reino soou o grito da Liberdade Legal: Hei por bem por todos estes
respeitos, e por lhes Querer Fazer Mercê Conferir o Título de Duque de Béja ao
mesmo Infante D. João, Meu Muito Amado e Prezado Filho. (…)”.
De efeméride honrosa, tantas vezes
arvorada como símbolo das virtudes cívicas e do apego aos valores da democracia
e da liberdade dos bejenses, caiu para acontecimento menor, esquecido no arcaz
bafiento da História. Foi apagada da toponímia e da memória da cidade. Raros
serão hoje os seus habitantes que dela tenham conhecimento. Com o advento da
Ditadura, outras efemérides, outras celebrações lhe tomaram o passo. O 9 de
Julho tornou-se uma data incómoda. A realização de tal comemoração, alicerçada
nos valores da liberdade e da democracia, estava definitivamente posta em causa
É que a memória do passado condiciona e legitima o exercício do poder. Havia,
pois, que expurgar tal anomalia da memória citadina. E tal objectivo foi quase
plenamente conseguido. Rememoremo-lo agora e sempre, pois que os valores que o
9 de Julho evoca se compaginam com aqueles que norteiam a sociedade portuguesa
moderna e são acontecimento de que a urbe bejense se deve legitimamente orgulhar.
Bibliografia:
AFFREIXO,
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Histórico-Económica do Concelho de Serpa, Casa Minerva, Coimbra, 1884, pp.
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Arquivo de Beja,
vol. XVI, Beja, Boletim da Câmara Municipal, Minerva Comercial, Beja, 1959, pp.
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Arquivo de Beja,
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CARVALHO,
Ernesto de, O Espêto, Tipografia
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Dicionário de História de
Portugal, dirigido por Joel Serrão, Iniciativas Editoriais,
Lisboa, 1971.
Guia de Beja,
Tipografia Carlos Marques e Cª. Ld.a, Beja, 1929.
História de Portugal,
direcção de José Mattoso, Círculo de Leitores, 1993, Vol. V, pp. 89-105.
História de Portugal,
Portucalense Editora, Ld.ª, Barcelos, 1935, Vol. VII, pp. 161-221.
RIBEIRO,
José Silvestre, Beja no Anno de 1845 ou
Primeiros Traços Estatisticos d' Aquella Cidade, Typ. de A. L. da Cunha,
Funchal, 1847 (edição facsimilada da Câmara Municipal de Beja, 1986, pp. 22-28.
SORIANO,
Simão José da Luz, História do Cerco·do
Porto, Tomo II, A. Leite Guimarães Editor, Porto, 1889, pp. 406-521.
Jornais
(números citados no corpo do texto):
Diário
do Alentejo
O
Bejense
O
Jornal do Povo
O
9 de Julho
O
Porvir
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