BEJA SETECENTISTA – O QUADRO HUMANO

Às terras a sul do Tejo correspondiam as grandes unidades administrativas. Segundo o Numeramento de 1527-1532 existiam a sul do Tejo 127 unidades administrativas com uma área média de 300 quilómetros quadrados, enquanto a norte se contavam 507 unidades com uma área média três vezes mais reduzida.[1]

Escassamente povoadas, com baixa densidade populacional, mantinham as suas populações uma tradição urbana que remontava aos períodos romano e muçulmano, pelo que, no século XVI, das cidades ou vilas com populações de cerca de 5,000 habitantes, ou mais, à excepção de Lisboa e Porto, oito situavam-se a sul do Tejo: Évora, (11.252), Beja (4,820), Portalegre (4,896), Elvas (7,664), Setúbal (4,880), Tavira (6,268), Lagos (5,240) e Portimão (6,000). A norte do Tejo apenas Coimbra e Guimarães se lhes equiparavam em população. No século XVII, neste mesmo espaço transtagano, juntavam-se-lhes as povoações de Nisa (6,240), Estremoz (8,800), Vila Viçosa (8,000), Montemor-
-o-Novo (8,000), Alvito (8,000), Moura (8,000), Serpa (7,200), Faro (8,800) e Olivença (7,200).[2]

Aquando da realização do Numeramento, albergariam as terras a sul do Tejo cerca de ¼ da população do País. Calcula-se que o Alentejo teria então cerca de 195,184 habitantes. Entre meados do século XVI e meados do século XVII esta população teria duplicado, tendo-se verificado os maiores acréscimos no território hoje adstrito aos distritos de Beja e Setúbal. Considerando esta possibilidade relativamente ao termo de Beja poder-se-á propor como hipótese explicativa para tal facto a fertilidade dos solos do termo de Beja, os denominados barros de Beja, as terras de melhor aptidão cerealífera de todo o Alentejo, suficientemente produtivas para suportarem uma população em crescendo.[3] Propomos, contudo, uma outra hipótese, complementar desta, como possível explicação para o surto urbano então experienciado por Beja. Elevada a cidade em 1521 por graça régia que lhe foi concedida por D. Manuel I, ainda que já tivesse tratamento de cidade desde 1518,[4] feita ducado ainda em tempo de seu pai, o Infante D. Fernando, Beja teria beneficiado, então, do favor da casa real e conhecido o seu mais feliz período de crescimento urbano. Datam, aliás, deste período alguns dos mais notáveis edifícios citadinos: o Hospital da Misericórdia, a Igreja da Misericórdia, o Convento de Santo António e a Ermida de São Pedro.[5]

Se na época moderna os 2 grandes surtos urbanos correspondem a períodos de prosperidade baseada no comércio ultramarino, o período manuelino e o período joanino,[6] a esta circunstância, favorecedora do todo nacional, acresce em Beja, no período manuelino, o particularismo local da sua estreita ligação à casa real, condição favorecedora da concessão de mercês e progresso material. A comprovar a asserção atrás feita, em 1504, D. Manuel I acedeu ao pedido que lhe foi feito pelo senado bejense no sentido de permitir que a urbe se pudesse expandir para fora da cerca, de forma a acompanhar o crescimento da população, a qual também reivindicava terras para o plantio de vinha, a cultura que melhores rendas proporcionava ao Concelho e à fazenda real.[7]

Não é consensual, entre os historiadores, a evolução demográfica verificada no País ao longo dos séculos XVI e XVII. Ao momento excepcional que corresponde à realização do Numeramento escasseiam dados para o período posterior. Teresa Ferreira Rodrigues considera que entre o Numeramento e meados do século XVIII a população portuguesa não chegou a duplicar.[8]

Entre a realização do Numeramento de 1527-1532 e o final do século XVII escasseiam, pois, os dados demográficos, sendo os existentes parcelares, respeitantes a regiões ou pequenas localidades e tendo um cariz utilitário, relacionados, sobretudo, com assuntos fiscais, religiosos ou militares. E só no início da centúria seguinte surge um novo levantamento demográfico, abrangendo todo o território nacional, devido ao labor do Padre António Carvalho da Costa, a Corografia Portugueza, já por nós citada. Enferma, contudo, a obra de muitos erros, devido à confiança excessiva que o compilador concedeu às informações prestadas.[9]

À fundação da Academia Real da História Portuguesa, em 1720, corresponde um outro momento de renovação do interesse pelos estudos corográficos, tendo a Academia, logo no ano seguinte ao da sua fundação, aprovado a realização de cinco inquéritos diversos a serem enviados a cinco entidades diferentes: arcebispos e bispos, cabidos, superiores de ordens religiosas, Câmaras municipais e provedores das Comarcas. Os inquéritos não tiveram o sucesso esperado pois apenas algumas entidades responderam.

Este insucesso não obstou a que, com licença da Academia de História, se publicasse a Geographia Historica de todos os Estados Soberanos da Europa, com as mudanças que houve nos seus dominios especialmente pellos Tractados de Ultrech, Rastad, Baden […] e com as genealogias das Casas Reinantes e outras mui principaes, da autoria do Padre Luís Caetano de Lima, publicação em 2 tomos editados, respectivamente, em 1734 e 1736, na qual o autor procedeu à compilação dos dados populacionais apurados por Carvalho da Costa, ordenando-os agora por províncias e Comarcas.[10]

Em 1747, o Padre Luís Cardoso iniciou a publicação do seu Diccionario geográfico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, logares e aldêas, rios, ribeiros e serras dos reinos de Portugal e Algarve; com todas as cousas raras que nelle se encontram, assim antigas como modernas, de que se editaram 2 volumes, correspondentes às letras A, B e C, em 1747 e 1751, respectivamente.

Em 1758, já sob o mandato pombalino, é ordenado novo inquérito, tendo-se encarregado o Padre Luís Cardoso da organização das informações recolhidas. Destinava-
-se este inquérito, enviado a todas as paróquias do reino, não apenas a averiguar dos estragos causados pelo terramoto de 1755, mas também sobre aspectos de natureza eclesiástica, administrativa, económica, geográfica e histórica, entre outros, que o inquirido julgasse pertinente enunciar. O inquérito estava dividido em três partes: sobre as povoações, 27 perguntas, sobre as serras, 13, e sobre os rios, 20. Deste trabalho resultaram 41 volumes manuscritos.

Tendo como base os dados recolhidos, o Padre Luís Cardoso, sob o pseudónimo de Paulo Dias de Niza, publicou, em 1767-1768, três volumes sob a designação de Portugal sacro-profano, ou Catalogo Alfabético de Todas as Freguezias dos Reinos de Portugal e Algarve: das Igrejas com seus Oragos: do titulo dos Parocos, e anual rendimento de cada huma: dos Padroeiros, que apresentão: juntamente com as léguas de distancia da Metropoli do Reino, e da Cidade principal, e cabeça do Bispado, com o numero dos fogos.

O comportamento demográfico da população setecentista caracterizou-se por duas tendências opostas: de recessão, correspondente ao primeiro terço do século, e de crescimento duradouro, que cobriu quase todo o resto da centúria. Durante a fase recessiva a população terá perdido cerca de 5% dos seus efectivos para, na fase de crescimento, que decorreu grosso modo entre 1732 e 1801, ter crescido cerca de 37%. No espaço de 3 gerações, aproximadamente, a população cresceu, pois, cerca de um terço.

A fase recessiva foi muito mais severa no Alentejo, pois se o País perdeu, em termos globais, cerca de 5% da população, essa quebra cifrou-se nos 28% na região alentejana. Tão gravosa foi essa recessão que em 1801 ainda não tinha reposto os índices demográficos de 1706.[11]

Segundo Emília Salvado Borges, em trabalho realizado sobre a vila de Cuba, termo de Beja, o comportamento demográfico do Alentejo no século XVIII caracterizou-se por um crescimento populacional lento, entrecortado por múltiplas crises de mortalidade e uma natalidade em declínio, relativamente aos séculos anteriores. Entre 1706 e 1732 o Alentejo experimentou um declínio populacional da ordem dos 27,9%, tendo sido também a região em que a população menos cresceu entre 1732 e 1801, 29,2%.[12]

Para determinarmos a população residente na cidade de Beja e seu termo, no espaço temporal sobre o qual incide a nossa análise, ir-nos-emos socorrer das informações constantes nas obras, por nós anteriormente citadas, bem como das Memórias Paroquiais.

As fontes demográficas epocais referem-se, geralmente, a moradores, vizinhos, fogos, expressões equivalentes a agregados domésticos, mais raramente a pessoas ou almas, indivíduos maiores de 7 anos a quem era prestado o sacramento da confissão, e muito raramente a habitantes.[13] A determinação do coeficiente habitantes/fogo tem sido objecto de inúmeras polémicas, cujo conteúdo escapa à economia do presente trabalho. Estes coeficientes são a resultante de operações de manipulação, correcção e ajustamento até se encontrarem valores minimamente verosímeis e representativos do estado e da evolução dos efectivos populacionais.

Os dados que nos são fornecidos por Carvalho da Costa são escassos pois que se reportam apenas a Beja, 3,000 vizinhos, e Cuba, 600 vizinhos. Lembremos que a edição da sua Corografia está datada de 1708. Mais exaustivo é o Padre Luís Caetano de Lima que nos apresenta dados para todas as freguesias do município pacense, estando a edição da sua obra datada de 1736. Qual a credibilidade de tais dados? No dizer de Albert Silbert a recolha destes visava fins fiscais e militares. Será, pois, de considerar que, em tais circunstâncias, muitos chefes de família e, mais ainda, celibatários tenham procurado escapar a um controle já de si difícil de executar. Todos os autores que se ocupam desta problemática consideram que os resultados obtidos pecam por insuficientes.[14] Por outro lado os coeficientes habitantes/fogo que nos são propostos por Luís Caetano de Lima variam entre uns incríveis 9,5 para a Freguesia de São Pedro de Pomares e uns pouco credíveis 2,3 para a Freguesia de Alfundão. Nas freguesias citadinas esses valores variam entre 2,8 para a Freguesia do Salvador e 4,3 para a de São João Baptista. Contudo, no cômputo global, esse coeficiente remete para os valores mais razoáveis de 3,8 para as freguesias citadinas, 4,1 para as freguesias do termo e 3,96 para o conjunto cidade/termo.[15] Por outro lado este autor apenas contabiliza as pessoas de confissão pelo que, sistematicamente, exclui cerca de 1/5 da população recenseada, os menores de 7 anos.[16]

No cômputo geral, o termo era muito mais povoado que a cidade circundada, médias de 66,8% e 33,2%, respectivamente, em 1801.[17] O rácio população urbana/população rural verificado em Beja, conforme os dados disponibilizados por Luís Caetano de Lima, é consonante com os valores propostos para a época: 35,9%, 6,217 moradores, e 64,1%, 11,085 moradores, respectivamente.

O Diccionario geográfico do Padre Luís Cardoso, cuja edição ocorre entre os anos de 1747-1751, apenas contempla os topónimos correspondentes às letras A, B e C e refere tão só os fogos, moradores ou vizinhos, apresentando algumas discrepâncias quer com os dados fornecidos pelo Padre Luís Caetano de Lima, quer com os informes constantes nas posteriores Memórias Paroquiais. Continua a indicar o quantitativo de 3,000 vizinhos para a cidade de Beja, informação que terá porventura recolhido em Carvalho da Costa, quando os dados enunciados por Luís Caetano de Lima parecem mais ajustados à realidade.

Os valores referenciados nas Memórias Paroquiais são os propostos pelos párocos, conhecedores que eram das populações das respectivas paróquias. Mas se assim era, pela sua proximidade a essas populações, há que não tomar tais valores como absolutos e irrefutáveis, pois que o rigor da informação é posto em causa pelo próprio pároco que pospõe, por vezes, aos quantitativos a menção pouco mais ou menos, caso dos párocos das Freguesias de São Matias e Trindade ou a expressão plus or minus, posposta pelo Pároco da Freguesia de Vilas Boas.[18] Em contrapartida, os números propostos são, em muitos casos, excessivamente redondos, sinal inequívoco de pouco escrúpulo no seu apuramento. Tal é o caso da Freguesia de São João Baptista, para a qual nos são indicados 700 fogos e 2,110 pessoas de ambos os sexos; Santa Maria, 400 fogos e 1,400 pessoas; Albernoa, 100 fogos; Ervidel, 140 vizinhos e 450 pessoas maiores; Quintos, 30 vizinhos e com outros que lhes ficam próximos 60; São Matias, 140 pessoas maiores e, em toda a Freguesia, 450 maiores e 30 menores; Trindade, aldeia 10 vizinhos e Freguesia 90 vizinhos e 230 pessoas; Vilas Boas, 24 casais e 160 pessoas. Acresce que os párocos não fornecem os dados demográficos de uma forma sistematizada: uns há que referenciam todos os moradores, neles incluindo os menores de 7 anos, aqueles que ainda não cumprem os preceitos sacramentais. Tal é o caso dos párocos das Freguesias de Alfundão, Baleizão, Cuba, Mombeja, Peroguarda, Santa Victória, São Brissos, São Matias e São Pedro de Pomares, enquanto o Pároco de Albernoa nos refere apenas o número de fogos. E, tal como referenciámos para o Padre Luís Caetano de Lima, também aqui o coeficiente habitantes/fogo apresenta valores tão díspares que põem em causa a veracidade dos quantitativos apurados, variando entre 6,6 na Freguesia de Vilas Boas e 2,5 na aldeia de Selmes e na Freguesia de Trindade. Os valores globais, contudo, voltam a inserir-se em quantitativos verosímeis para a época, coeficientes de 3,3 para a cidade, 3,7 para o termo e 3,5 para o conjunto cidade/termo.

O rácio população rural/população urbana também aqui é concordante com os valores propostos para a época: 65,6%, 11,505 moradores, e 34,4%, 6,044 moradores, respectivamente.

Os valores apresentados por Luís Cardoso no Portugal-Sacro-Profano, editado em 3 volumes entre 1767-1768, resultaram sobretudo do inquérito realizado em 1758.[19] Os valores de um e outro, para o Concelho pacense, assim o deixam transparecer, sendo as discrepâncias achadas mínimas, resultantes, supomos, de incorrecções cometidas aquando do traslado desses valores: para Baleizão, o autor indica-nos 175 fogos, valor consonante com a informação constante nas Memórias Paroquiais para a Aldeia Nova, mas omite os valores respeitantes à Aldeia Velha, 189 vizinhos; para a Freguesia de Santa Victória, indica-nos 101 moradores quando a informação constante das Memórias Paroquiais é de 121 vizinhos; relativamente a São Matias refere 183 moradores, ao passo que as Memórias Paroquiais referem que a aldeia tem 140 pessoas maiores, e por todas as da freguesia são 450 maiores e 30 menores, pouco mais ou menos. Conjugando os informes de um e outro determina-se um coeficiente habitantes/fogo de 2,6, valor que consideramos pouco crível; quanto à informação relativa à Freguesia de São Pedro de Pomares, 280 fogos, trata-se de uma óbvia incorrecção cometida pelo autor que contradiz, de todo, a informação contida nas Memórias Paroquiais que, omitindo o número de fogos, nos dão, contudo, os quantitativos dos moradores, 285 pessoas de sacramento e 50 menores. O rácio 280 fogos / 335 moradores não é admissível.

Maria Fernanda Alegria dá-nos o quantitativo de 4,820 habitantes para Beja no século XVI, tomando como fonte o Numeramento de 1527-1532. Afirma, contudo, que no século XVII a cidade teria 12,000 habitantes.[20] Semelhante quantitativo nos é também indicado por Joaquim Veríssimo Serrão, que considera a contagem feita pouco antes da Restauração, a qual visava o recrutamento militar. Esta, em 1637, indica-nos para Beja uma população de 3,000 vizinhos o que, utilizando o coeficiente de multiplicação por 4, nos dá aproximadamente 12,000 habitantes.[21] O mesmo valor 3,000 vizinhos é-
-nos dado pelo Padre Carvalho da Costa na Corografia Portugueza e pelo Padre Luís Cardoso no seu Diccionario Geográfico. Parece-nos óbvio que este quantitativo de 3,000 vizinhos ou 12,000 habitantes deva ser indexado ao total da população, cidade mais termo.

Sendo a população citadina, na primeira metade do século XVI, de 4,820 habitantes, segundo dados apurados por Alegria e conformes com o Numeramento, é aceitável que na segunda metade do século XVIII ela se cifrasse nos valores por nós determinados: 6,318 almas, conforme a Geographia Historica, cuja edição é datada de 1736; 6,044, conforme as Memórias Paroquiais, datadas de 1758, e 6,318, conforme a informação prestada por Félix Caetano da Silva na História das Antiguidades da Cidade de Beja, datada de 1792.[22] Exactamente o mesmo valor indicado por Luís Caetano de Lima e que corresponde a um aumento de 31% relativamente aos valores verificados na primeira metade do século XVI, percentagem concordante com o proposto por Teresa Ferreira Rodrigues de que entre o Numeramento e meados do século XVIII a população portuguesa não teria chegado a duplicar.

Segundo João Pedro Ferro, conserva-se no British Museum a cópia de um relativamente pouco conhecido levantamento da população, devido a Manuel José Perinlongue, ordenado pelo Marquês de Pombal em 1765. Trata-se de um levantamento realizado junto dos corregedores das Comarcas que, no entanto, receberiam os dados demográficos através dos párocos. Os dados acham-se agrupados por províncias e, no interior destas, por Comarcas. Segundo este levantamento, intitulado Mappas de Portugal, ou Padrão do numero das Freguesias, moradores, e almas etc., Beja teria 1,734 moradores e 6,341 almas, quantitativos que corroboram os valores por nós anteriormente enunciados.[23]

Constata-se assim que durante o período em análise, segundo e terceiro quartéis do século XVIII, tendo em conta os valores disponibilizados pelas fontes consultadas, particularmente a Geographia Historica e as Memórias Paroquiais, bem como Félix Caetano da Silva e o levantamento de 1765, a população da Cidade e seu termo teve uma variação pouco significativa, o que está conforme com a análise de Emília Salvado Borges para Cuba, termo de Beja, por nós anteriormente referenciada. Também Évora experimentou um período de estagnação demográfica ao longo do século XVIII, após ter sofrido uma queda acentuada nos 2 primeiros decénios desta centúria. Esta estagnação demográfica constituiu, pois, um fenómeno comum a todo o Alentejo no período setecentista. Foi a região que mais perdeu população até à década de trinta e aquela que menos recuperou no período posterior.[24] Não nos parece, pois, crível a referência feita por Albert Silbert ao notável crescimento da população alentejana ao longo do século XVIII.[25]

Também os memorialistas da Academia Real das Ciências se ocuparam do problema do subpovoamento do Alentejo e das suas nocivas consequências na baixa produtividade agrícola, face às reais potencialidades da região, preocupações onde são por demais evidentes os pressupostos de natureza ideológica fisiocrática que enformavam o pensamento memorialista. Tal é o caso de António Henriques da Silveira que, em memória editada em 1789, atribui o despovoamento do Alentejo, muito particularmente, ao facto de ser esta região o principal teatro de guerra em que se desenvolviam os conflitos bélicos entre Portugal e Espanha, com o consequente recrutamento dos homens locais para as hostes militares e com manifesto prejuízo para as actividades produtivas, no caso vertente particularmente a agricultura. Aduz ainda que se se observassem as povoações da província se acharia que todas elas, excepto as praças de armas, tinham menos população do que no começo do século. Como solução para o problema propõe que metade dos homens de armas seja recrutada na província da Beira, mais populosa e onde, por isso, seria menos sensível a falta de braços para as actividades produtivas. Mas, como mais seguro e eficaz remédio, propõe que se repovoe o Alentejo com a fundação de novas povoações e com a fixação de colonos vindos de regiões mais populosas.[26] Para além da sangria provocada pelo recrutamento militar apontavam-se ainda, na época, como causas do despovoamento do Alentejo, a descapitalização da agricultura, a falta de mão-de-obra e a quase inexistência de indústrias, pois que a de lanifícios se encontrava em decadência.[27] O repovoamento do Alentejo com colonos, proposto por António Henriques da Silveira, não era solução de todo original, pois, já em 1787, Pina Manique havia distribuído 490 casais açorianos pelas Comarcas de Évora e Vila Viçosa e mais 400 famílias, vindas também dos Açores, por outras Comarcas alentejanas. Para além destas, foram ainda deslocadas nesse ano, dos Açores para o Alentejo, 331 famílias para Elvas, 436 para a Comarca de Ourique, 227 para Portalegre,76 para Grândola e Alcácer do Sal, 181 para Coruche e 429 para Beja, além de 200 recrutas, também ilhéus, postos à disposição do Governador militar do Alentejo.[28]

José Joaquim Soares de Barros conclui que a razão da estagnação populacional e da sangria provocada pela emigração era fruto da falta de subsistências e da dependência, nesse domínio, face ao exterior. Se as terras que tinham uma economia fundada no comércio viram as suas populações grandemente aumentadas, como Porto e Lisboa, outras, cuja economia era de base agrícola, viram essa mesma população definhar, como era o caso de Évora, Beja e Mértola, terras muito mais opulentas em tempos passados.[29] Às províncias de Entre Douro e Minho e Beiras atribuía a sua pujança populacional muito ao facto dessa menor dependência da importação das subsistências, devido, em grande parte, ao cultivo do milho, cereal de grande produtividade que garantia o sustento de dois terços da população.[30]

Contava-se, pois, Beja entre as cidades com uma população que variava entre os 5,000 e 8,000 habitantes, e que eram, por ordem decrescente de grandeza, Feira, Faro, Viana, Loulé, Ílhavo, Estremoz, Tavira, Covilhã, Castelo de Vide, Guimarães, Portalegre, Beja, Castelo Branco e Abrantes.[31] Beja superou no segundo quartel do século XVII o quantitativo de 4,000 habitantes e, no século seguinte, tê-lo-á largamente excedido.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

ESTUDOS

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[1] Cf. Júlia Galego & Suzanne Daveau, O Numeramento de 1527-1532 – Tratamento Cartográfico, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, 1986, p. 20.

[2] Cf. Maria Fernanda Alegria, “O Povoamento a sul do Tejo nos séculos XVI e XVII - Análise comparativa entre dois mapas e outras fontes históricas”, in Revista da Faculdade de Letras-Geografia, 1.ª série, vol. 1, Porto, 1986, pp. 189-190. Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo7221.pdf.

[3] Cf. idem, ibidem, p. 190.

[4] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX Séculos de História de uma Cidade, Tomo I, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1988, pp. 380-381.

 

[5] Vd. descrição das igrejas e conventos pacenses in Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX Séculos de História de uma Cidade, Tomo II, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1998, pp. 45-194.

[6] Cf. Orlando Ribeiro, “Cidade” in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, p. 577.

[7] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., Tomo II, p.349.

[8] Cf. Teresa Ferreira Rodrigues, “População e Economia - As Estruturas Populacionais”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 3.º vol., No Alvorecer da Modernidade (1480-1620), coord. de Joaquim Romero Magalhães, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 212.

[9] Cf. João Pedro Ferro, A População Portuguesa no Final do Antigo Regime, Lisboa, Editorial Presença, 1995, pp. 13-14.

[10] Cf. idem, ibidem, pp. 15-16.

[11] Cf. José Vicente Serrão, “O quadro humano”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 4.º vol., O Antigo Regime (1620-1807), coord. de António Manuel Hespanha, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 52-58.

[12] Cf. Emília Salvado Borges, Homens, Fazendas e Poder no Alentejo de Setecentos – O Caso de Cuba, Lisboa, Edições Colibri, s/d., p. 49.

[13] Jacques Marcadé diz-nos que “(…) la grande majorité des curés ne s’intéresse q’aux personnes capables de recevoir les sacrements. Or, lâge minimum varie suivant leur nature: il est de 7 ans pour la pénitence, de 10 ans pour la communion.” Cit. Jacques Marcadé, Une Comarque Portugaise – Ourique – entre 1750 et 1800, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971, pp. 45-46.

[14] Cf. Albert Silbert, Le Portugal Méditerranéen à la fin de l’Ancien Régime. Contribuition à l’histoire agraire comparée, Vol. I., 2.ª ed., Lisboa, I.N.I.C., 1978, p. 113.

[15] Albert Silbert (op. cit., I, p. 114), e Jacques Marcadé (op. cit., p. 47) propõem o coeficiente 4 como número médio de habitantes por fogo.

[16] Cf. Albert Silbert, op. cit., Vol. I, p. 112.

[17] Cf. João Pedro Ferro, op. cit., p. 50.

[18] Cf. Albert Silbert, op. cit., Vol. I, p. 113.

[19] Cf. João Pedro Ferro, op. cit., p. 18.

[20] Cf. Maria Fernanda Alegria, art. cit., p. 204.

[21] Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal [1580-1640], Vol. IV, 2.ª ed., Lisboa, Ed. Verbo, 2000, pp. 271-272.

[22]  “(…) Dividesse em quatro Parrochias, que são a de Nossa Senhora com o titulo da Assumpção, por outro nome S. Maria da Feyra; a qual he a Matriz. A do Salvador: a de S. João Baptista; e a de Santiago. Nestas se contarão já em o nosso tempo 1664 fogos, com 6318 almas.” Cf. Félix Caetano da Silva, art. cit., p. 197.

[23] Cf. João Pedro Ferro, op. cit., pp. 109-151.

[24] Cf. Teresa Fonseca, Absolutismo e Municipalismo: Évora, 1750-1820, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pp. 56-58.

[25] Cf. Albert Silbert, op. cit., Vol. I, p. 118.

[26] Cf. António Henriques da Silveira, “Racional Discurso sobre a Agricultura, e População da Provincia do Alem-Tejo”, in Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo I, Lisboa, Officina da Academia Real das Sciencias, 1789, pp. 41-42. Disponível em https://archive.org/details/memoriaseconomi03lisbgoog.

[27] Cf. João Pedro Ferro, op. cit., p. 33.

[28] Cf. idem, ibidem, p. 34.

[29] Cf. José Joaquim Soares de Barros, “Memória sobre as cauzas da differente população de Portugal em diversos tempos da Monarquia”, in Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo I, Lisboa, Officina da Academia Real das Sciencias, 1789, pp. 150-151. Disponível em https://archive.org/details/memoriaseconomi03lisbgoog.

[30] Cf. idem, ibidem, p. 147.

[31] Cf. João Pedro Ferro, op. cit., p. 48.

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