SENADO CAMARÁRIO E PODER MILITAR PROVINCIAL NA BEJA SETECENTISTA - Um relacionamento difícil
Para além das eleições
das chefias das ordenanças, eram o recrutamento, o aboletamento militar e a
requisição de subsistências e de meios de transporte os motivos mais comuns de
relacionamento entre o poder camarário e o poder militar provincial.
Relacionamento difícil que o poder camarário geria num precário e conflituante
equilíbrio entre os interesses da autarcia económica local e as exigências do
poder militar.
O recrutamento militar
foi sempre marcado por uma forte oposição social, desde o século XVI até ao
princípio do século XIX. Retirava braços às actividades produtivas e era por
isso fautor da destruição das famílias “como unidades de produção de meios de subsistência
e de riqueza e como unidades de reprodução dos patrimónios e dos estatutos
sociais.”[1]
Os que possuíam recursos económicos procuravam furtar-se à integração nas
unidades militares, pelo que a missão de recrutamento tinha uma feição
arbitrária e propensa à corrupção, o que a tornava ainda mais odiosa aos olhos
do povo.[2]
As enormes resistências com que se confrontavam as levas de soldados levou a
que estas fossem da responsabilidade da primeira nobreza da corte, retirando
essa responsabilidade aos capitães-mores locais.[3] O
regime de recrutamento militar mantinha no essencial, o que fora estabelecido
no Regimento das Ordenanças de 1570:
toda a população masculina dos 16 aos 60 anos, exceptuando os privilegiados,
estava enquadrada em capitanias de ordenanças, comandadas por capitães, alferes
e sargentos, que se agrupavam em capitanias-mores, com os seus capitães-mores e
sargentos-mores. O oficialato das ordenanças era provido, mais ou menos
vitaliciamente, pelos poderes camarários ou senhoriais, coadjuvados pelo poder
militar provincial.[4]
A fuga ao recrutamento e
as deserções das fileiras eram prática corrente. As causas da deserção eram,
fundamentalmente, duas: a liberdade e o provimento. A escassez ou a total
ausência de abastecimentos ocasionavam a fome e o desconforto entre a
soldadesca, que encontrava no roubo ou na deserção a solução para o seu
infortúnio. Na cidade de Beja, em vereação realizada em 28 de fevereiro de
1711, os oficiais camarários presentes, Dr. Inácio Tavares de Azevedo, juiz de fora
do geral, Manuel Rodrigues Tenreiro, António Borges Coelho e João Luís de
Barros, vereadores, e Francisco Pinheiro da Silva, procurador do Concelho, para
evitarem os grandes danos que os soldados que se encontravam de quartel na
cidade faziam nos olivais, cortando as oliveiras ou serrando-lhes achas,
mandaram que todo aquele, paisano ou militar, que fosse achado com carga de
lenha de oliveira ou achas, ou as comprasse ou desse cavalgaduras a soldados
para irem buscar a dita lenha ao couto ou a outra qualquer parte dos olivais,
incorreria na pena de 6,000 réis, metade para quem tomasse a dita coima ou a
denunciasse e a outra para as despesas do Concelho. E mandaram que aquele
acórdão se apregoasse nos lugares públicos da cidade para vir a notícia de todos.[5]
Estava-se em fevereiro e a falta do provimento de lenha às tropas aquarteladas
seria a causa determinante para o roubo da mesma nos olivais que circundavam a
urbe.
Em períodos de actividade
bélica aumentavam as exigências e, correlativamente, cresciam os protestos dos
povos. Assim ocorreu durante a Guerra da Sucessão de Espanha, período agravado
ainda por uma sucessão de maus anos agrícolas que mais intoleráveis e odiosas
tornavam as contribuições solicitadas para acorrer ao esforço militar. O
conflito teve o seu início em 1701 e, logo no ano imediato, em vereação
realizada em 25 de fevereiro, esteve presente o mestre-de-campo do terço da
vila de Moura, D. Rodrigo de Lencastre, o qual apresentou uma carta da Junta da
Casa do Infantado na qual, em virtude
de um decreto de Sua Majestade, se ordenava que se fizesse finta[6] na Cidade para acorrer ao
dito terço; trazia ainda consigo uma outra ordem do mestre-de-campo-general,
Dinis de Melo de Castro, sobre a necessidade de se fazerem soldados.[7]
No ano seguinte, em
vereação realizada a 16 de abril, esteve presente em Câmara o Conde de São
João, mestre-de-campo do terço de Moura, o qual apresentou uma ordem do Conde
das Galveias, mestre-de-campo-general do exército e província do Alentejo, pela
qual Sua Majestade mandava que se continuasse com a leva de gente para os
terços da província, pois que se não tinham feito completos no ano anterior.
Cometia esta diligência ao dito Conde de São João, para que a executasse nas Comarcas
de Beja e Campo de Ourique, recrutando nelas tantos soldados quantos fosse
possível, capazes e bem afiançados, que não fossem filhos únicos de lavradores
ou de viúvas, de quem dependia o seu amparo, e que não tivessem menos de 16
anos nem mais de 40. E que a cada um se deveriam dar 2,000 réis de socorro. Ordenava
ainda aos oficiais dos senados camarários das 2 comarcas, bem como aos capitães-mores
e mais oficiais de guerra e justiça que lhe dessem todo o auxílio necessário.[8]
Os terços de milícias
eram tropas de segunda linha, chamadas também tropas auxiliares. As tropas de
primeira linha eram pagas e viviam aquarteladas nos chamados presídios. Os
milicianos eram pagos apenas quando em movimento ditado pelas necessidades
bélicas. Segundo a metodologia usada para os recrutamentos, depois de retirados
aqueles que serviriam como soldados pagos e como auxiliares, restava uma
terceira lista, a das ordenanças, a quem era confiada a defesa das praças,
quando o exército saía em campanha, e também a primeira defesa das povoações de
origem, enquanto não chegassem as forças regulares.[9]
Remetendo para o período
da Guerra da Restauração, Emília Salvado Borges refere que os comissários
régios a quem incumbia a tarefa de recrutamento, depois de se apresentarem nas
Câmaras, faziam-se anunciar para que todo o povo soubesse qual a sua missão.
Colocava-se depois uma mesa na praça principal, na qual tinham assento o
governador da leva e o escrivão que haveria de assentar, em livro próprio, o
nome, a filiação, a idade e os sinais particulares identificativos daqueles que
se alistavam. Eram aceites os que tivessem entre 16 e 40 anos, não fossem
lavradores, filhos únicos de lavradores ou cujo pai fosse lavrador com mais de
60 anos, não fossem amparo de viúvas ou criados necessários para as lavouras de
seus amos e não tivessem enfermidade contagiosa ou defeito físico que os
tornasse inaptos para a vida militar. De uma caixa colocada sobre a dita mesa
dava-se a cada um dos alistados 4,000 réis, correspondentes a 2 soldos,
importância de alguma monta e que serviria como manobra de aliciamento. Teria o
alistado, porém, que encontrar quem lhe servisse de fiador, caso contrário essa
importância só lhe seria entregue quando chegasse a zona de operações
militares. Diz-nos ainda a mesma autora que nunca se conseguiu atrair um número
suficiente de voluntários pelo que, consultadas as listas das ordenanças, se
repartiam os faltosos, pro rata, entre os mais nobres e
desobrigados, exceptuando os filhos de lavradores e de mães viúvas.[10]
Saliente-se a atenção concedida a todos aqueles que se ocupassem da actividade
agrícola, concedendo-se-lhes privilégios de escusa de alistamento e obliterando
outras actividades, como o comércio ou o artesanato. A lavoura, promissora de
subsistências, era colocada em primeiro lugar numa escala valorativa das
actividades económicas.
As requisições de homens
para o esforço de guerra continuaram e em vereação realizada em 10 de agosto de
1704 esteve presente o Conde da Vidigueira, mestre-de-campo do terço da vila de
Moura, o qual mostrou uma ordem do Conde de São Vicente, governador das armas
da província do Alentejo, na qual ordenava que se fizessem, na Cidade de Beja e
sua Comarca, os soldados que faltavam para preencher o seu terço bem como para
os demais terços que o mandavam levantar.[11]
No ano seguinte, no dia
14 de fevereiro, esteve presente em Câmara Miguel da Cunha Alcoforado,
mestre-de-campo das tropas auxiliares da cidade e sua Comarca, o qual mostrou
uma ordem do mestre-de-campo-general João Furtado de Mendonça, na qual se lhe ordenava
que fizesse na cidade e sua Comarca os soldados que lhe faltavam para o
preenchimento do seu terço.[12]
No dia 13 de março de 1708 compareceu de novo em Câmara Miguel da Cunha
Alcoforado, com uma ordem do Marquês de Minas, governador das armas da província
do Alentejo, para que fizesse soldados pagos para o terço de que era
mestre-de-campo.[13]
Findas já as
hostilidades, em vereação realizada em 28 de agosto de 1714, esteve presente
José de Brito Mourinho, tenente-coronel do Regimento de Cavalaria da guarnição
da Praça de Beja, o qual apresentou uma ordem de Pedro de Mascarenhas,
governador das armas daquela província, na qual lhe ordenava que fizesse os
soldados que lhe faltavam para preencher a sua companhia.[14]
O prenúncio de novo
conflito armado com a Espanha determinou, em 1735, a mobilização geral, na base
de um quinto dos homens de 15 a 50 anos que havia em cada comarca. De entre
estes escolhia-se um outro quinto, em número que ascendia a cerca de 16,000,
para guarnecer as fronteiras do Alentejo.[15]
Em 8 de maio desse mesmo ano compareceu em Câmara Manuel Rodrigues Nogueira,
escrivão da ouvidoria da Comarca, o qual apresentou uma carta do secretário de
estado Diogo de Mendonça Corte Real, na qual se ordenava, por mandato régio,
que o ouvidor da Comarca de Beja, com a assistência do sargento-mor das ordenanças
da dita Comarca, procedesse ao levantamento de soldados; para o mesmo fim,
apresentou ainda uma outra ordem da Junta da Casa do Infantado, na qual se ordenava que o mesmo ouvidor, com
toda a diligência, se ocupasse da dita tarefa e que, para a execução da mesma,
deveriam concorrer todos os oficiais camarários de todas as terras da Casa do Infantado. Mais se ordenava que
fosse dada aposentadoria às pessoas que viessem fazer os ditos soldados.[16]
Em 1756, em vereação
realizada em 26 de fevereiro, esteve presente Diogo da Cunha Souto Maior,
sargento-mor do Regimento de Dragões que se achava aquartelado na cidade, o
qual apresentou uma ordem do Marquês de Tancos, general das armas da província
do Alentejo, na qual se lhe ordenava que fizesse naquela Cidade e seu termo os
soldados necessários para completar o dito Regimento.[17]
Se os recrutamentos foram
sempre um processo ingrato para as populações, o alojamento de soldados nas
povoações foi-o também, como fautor de conflitos sociais e voraz consumidor de
recursos económicos. O aboletamento de tropas constituiu sempre, segundo Teresa
Fonseca, um dos principais focos de tensão entre os governadores das armas da
província e os senadores eborenses. A situação estratégica da cidade, a meio
caminho entre a capital e as praças de fronteira, fazia dela o sítio ideal para
o aquartelamento de forças militares, rondando por vezes as centenas de homens.[18]
A vinculação do soldado ao foro da guerra pode ser entendida como
sinal de libertação dos constrangimentos sociais que impendiam sobre o homem
comum, pelo que a condição militar admitiria a adopção de comportamentos
desviantes, agressivos para com a sociedade envolvente. Uma das mais prementes
queixas dos procuradores às Cortes prendia-se, exactamente, com o alojamento
dos soldados nas cidades e vilas. Daí os frequentes pedidos para que se construíssem
quartéis onde alojar essas tropas, pois a coabitação de soldados com paisanos
era uma permanente fonte de conflitos.[19]
Assim ocorreu em vereação realizada em 16 de abril de 1702, face às vexações
que a cidade de Beja quotidianamente experimentava com os quartéis das 4
companhias de cavalaria que nela estanciavam. Tendo sido chamadas à Câmara muitas
pessoas da nobreza e governança da cidade, bem como muitos procuradores do
povo, e sendo presentes o Dr. José da Costa Ribeiro, juiz de fora do geral, os
vereadores José Estevens Bravo e João Luís de Barros, e o procurador do Concelho
Manuel Gomes de Sousa, propôs-lhes o dito juiz de fora que se procurasse o meio
mais conveniente para se fazerem quartéis separados, como ocorria nas praças de
armas, pois desse modo as ditas 4 companhias se acomodariam sem opressão dos
moradores da cidade e se evitariam os doestos em suas casas e os roubos. Por
todos foi assumido que o meio mais suave para se conseguir o dinheiro para a
construção dos ditos quartéis era lançarem-se 4 réis de água voluntários, que
se pagariam somente enquanto se fizessem tais obras e que, acabadas estas,
ficariam pagando só o real de água
devido a Sua Majestade; e que no caso de que a cidade se visse aliviada da
presença das ditas companhias e estivesse colectado algum dinheiro dos ditos reais de água, esse dinheiro se pudesse
aplicar no lançamento das sisas da cidade.[20]
Não logrou êxito tal proposta. Anos depois, em vereação realizada em
11 de março de 1741, sendo presentes o Dr. António Colaço Lobo,
juiz de fora do geral, os vereadores Rodrigo de Melo Lobo Freire, Sebastião
Cabral de Mesquita e António da Cunha de Brito e o procurador do Concelho
Manuel Rodrigues Nogueira, foram convocadas as pessoas da governança, nobreza e
povo, a som de campa tangida, para a realização de uma junta, a fim de se estabelecerem
quartéis do Regimento de Dragões permanecente naquela Praça de que era
brigadeiro António Luís de Madureira Prada Lobo. Tal situação provocava grande consternação
em todo o povo da cidade e seu termo, tanto pela impossibilidade de os
moradores poderem contribuir com o que se ordenava darem aos soldados, como
pela falta de cómodos que havia para o seu aquartelamento.
Outras solicitações fiscais ocorreram ditadas pelas necessidades
militares, neste caso para a fortificação da cidade que, pela sua proximidade à
fronteira castelhana, era sempre susceptível de um ataque inimigo em caso de
conflito, rompidas que fossem as linhas defensivas das fortalezas de primeira
linha, Serpa e Moura e os fortes dos vaus do rio Guadiana, distante 18
quilómetros. Em 8 de dezembro de 1704, abertas já as hostilidades com o vizinho
castelhano na sequência da Guerra da Sucessão, foram convocadas
à Câmara as pessoas da governança, do povo e misteres, por notificação do escrivão
das armas, às quais foi proposto pelos oficiais camarários presentes, Dr. Luís
de Lemos da Costa, juiz de fora do geral, Gaspar Lopes Lança e José da Costa
Alcoforado, vereadores, e Manuel Rodrigues Tenreiro, procurador do Concelho,
que se assentasse se, para a fortificação da cidade, queriam reger-se pelo
contrato antigo, celebrado com D. João IV por D. Francisco de Sousa, Conde do
Prado, no ano de 1657, e pelo Marquês de Marialva, capitão-general da província
do Alentejo, no ano de 1664, segundo o qual se tinham imposto na cidade e sua Comarca
4 reais de água, concorrendo Sua
Majestade com mais um real, com a
expressa condição de que o dinheiro daí procedido não se poderia divertir, em
nenhum caso, para outro fim mais que para o estipulado. Assentaram os presentes,
através de votação, que ratificavam o anterior contrato e que se solicitasse a
Sua Majestade a restituição à cidade das quantias que, por empréstimo, mandara
dar às vilas de Serpa, Moura e Olivença; e que se lhe deveria ainda pedir toda
a ajuda na consignação das terças
daquela Comarca e do Campo de Ourique, e que mandasse lançar os mesmos 4 reais de água nesta última Comarca, na
forma do contrato antigo. Outras
deliberações foram tomadas nesta mesma vereação, tendo em vista a defesa da
cidade e seu termo: porque era precisa gente para trabalhar nas obras de
fortificação, deveria solicitar-se a Sua Majestade um terço de soldados pagos,
deixando a guarda dos fortes e vaus do Guadiana a cargo das ordenanças; e porque
não era conveniente que se diminuíssem as poucas forças daquela Praça, nela não
se deveria alistar gente para soldados pagos, porquanto havia muitos anos que
assim ocorria e quase todos se recrutavam naquela cidade, na vila do Torrão e na
vila de Ferreira; mais deliberaram que se solicitasse que as carruagens da cidade
ficassem isentas de levar materiais para as ditas obras; assentaram ainda que
se solicitasse a Sua Majestade artilheiros para montarem as peças que se
achavam por montar no ainda hoje denominado Terreirinho das Peças; deliberaram
mais que, porquanto convinha ao rápido início das obras de fortificação, se
rogasse a Sua Majestade que, como ocorreu com as Praças de Moura, Serpa e
Olivença, emprestasse o dinheiro suficiente para o começo das ditas obras, o
qual empréstimo se pagaria com o imposto a colectar. Para tratar destes
assuntos na Corte foram eleitos o Dr. Luís de Lemos da Costa, juiz de fora, e
Manuel Rodrigues Tenreiro, procurador do Concelho, os quais aceitaram dizendo
que o fariam à sua custa e sem qualquer ajuda da Câmara. Deliberaram, por fim,
que se expusesse a Sua Majestade as inconveniências que resultavam das requisições
de trigo aos moradores da cidade e do seu termo, pedindo-se que, feita a
cotação em cada um ano da quantidade de moios com que a cidade e o seu termo
contribuiriam, ficasse cada um livre de poder utilizar o remanescente como
melhor entendesse.[21]
As requisições de trigo, de
que a Comarca de Beja era grande produtora, para o provimento dos soldados e
para o fabrico de biscoito, foram particularmente gravosas durante o período da
Guerra da Sucessão de Espanha. Tanto mais opressivas dos interesses comarcãos
quanto, para além das actividades bélicas, o começo do século XVIII foi marcado
por uma sucessão de maus anos agrícolas, devido a adversas alterações
climatéricas, de que o gélido e mortífero inverno de 1709 deixou mais profunda
memória em toda a Europa ocidental. Foram então constantes os atrasos no pagamento
aos fornecedores do exército e as deserções aconteceram em número elevado, tendo
havido casos de insubordinação colectiva. A indisciplina e os abusos oprimiam
as populações que se queixavam dos aboletamentos e das requisições de meios de
transporte e os protestos assumiram mesmo a forma de motins populares, como
ocorreu em Abrantes, em 1708, e em Viseu, em 1710.[22]
Beja, pela sua situação
geográfica, foi afectada de forma severa, directamente e indirectamente, pelas
vicissitudes da guerra. As requisições de trigo foram constantes, comprometendo
mesmo o abastecimento da população e a disponibilidade de cereal para as
sementeiras. Em 1704, em vereação realizada em 25 de outubro, sendo presentes
em Câmara o Dr. Luís de Lemos da Costa, juiz de fora do geral, Gaspar Lopes
Lança, Pedro de Brito de Carvalhal e José da Costa Alcoforado, vereadores, e
Manuel Rodrigues Tenreiro, procurador do Concelho, bem como gente da governança
da cidade, depois de ponderadas as muitas diligências que já se haviam feito
junto da Rainha da Grã-Bretanha, D. Catarina, como regente do reino, e ao
governador das armas da província, sobre o contributo de trigo que haveria de
recair sobre a cidade e seu termo, assentaram que novamente se solicitasse tal
informação. Votaram todos, uniformemente, para que o juiz de fora do geral, Dr.
Luís de Lemos da Costa, e o procurador do Concelho, Manuel Rodrigues Tenreiro,
fossem à Corte, solicitar tal informe.[23]
No ano de 1708, em
vereação realizada em 29 de novembro, quinta-feira, sendo presente em Câmara o
ouvidor da Comarca, Dr. Manuel de Oliveira da Cunha e Silva, apresentou este uma
ordem do Marquês de Fronteira, governador das armas da província do Alentejo,
para o sargento-mor de batalha Francisco de Melo, e outra para ele, dito
ouvidor, ambas para efeito de se requisitarem os trigos para provimento das
guarnições das praças de Serpa e Moura. Mas porque era pouco o cereal existente
na cidade e seu termo, entenderam que era preciso averiguar as quantidades
existentes para que, tirado o necessário para o sustento da terra, se fizesse
venda do mais aos feitores do assento.[24]
Foram o dito ouvidor e o Dr. Diogo de Faria e Sousa, juiz de fora dos órfãos
que servia do geral, acompanhados pelos vereadores António da Lança Porto e João
de Medeiros Fragoso, pelo procurador do Concelho Luís Magro Soares e pelo
procurador dos assentistas, em procura do cereal por todos os celeiros da cidade,
bem como às casas dos moradores onde podia haver qualquer suspeita da existência
do mesmo. Acharam haver a quantia de 427 moios de trigo, em que entravam as
rendas de alguns particulares e celeiros públicos, tanto de eclesiásticos como
de seculares; e além desta quantidade acharam haver nos celeiros dos dízimos,
pelo rol da pauta feita pelo vigário-geral da cidade, a quantia de 433 moios de
trigo, o que tudo perfazia 860 moios de trigo. Era esta toda a quantia que se
achava na cidade e seu termo, por constar e saber-se que os lavradores do termo
não tinham trigo que excedesse o necessário para seu sustento e sementeiras. Considerando
o número de moios necessários para o sustento dos moradores da cidade, mandaram
chamar as medideiras do Terreiro do Trigo, e sendo-lhes dado
juramento dos Santos Evangelhos, declararam as duas que presentes se acharam,
Maria Lopes e Catarina Leda, por estarem doentes as mais, que tinham por
experiência gastar aquela cidade 3 moios de trigo por dia, vendidos no Terreiro, em farinha, todos os meses do
ano, excepto nos de Maio e Junho, porque nesses eram necessários 4 moios por
dia; fazendo-se a conta aos meses que faltavam desde aquele dia, 29 de
novembro, até o fim de Junho, acharam importar em 690 moios de trigo o
necessário para o sustento da cidade; e que por ser esta quantidade
indispensável para não perecer o povo, ficavam para se fazer a derrama 170
moios de trigo;[25]
contudo, “pelo desejo insaciável amor e zelo de fiéis vassalos” e para que não
faltasse o pão aos soldados, aumentavam ao dito número a quantia de 30 moios,
com o que se perfazia a quantia de 200 moios para a derrama; e para que, com
esta notícia, não se alterasse o preço do trigo, deram também juramento às
ditas medideiras e por elas e mais
informação que se houve, constou vender-se o trigo “bom e de receber”, e do
mais limpo, a 500 réis o alqueire; por cuja razão se vendia a farinha a 540
réis o alqueire havia 15 dias, pouco mais ou menos.[26]
Na segunda-feira
seguinte, 3 de dezembro, dá-nos o termo de vereação notícia da repartição dos
supraditos 200 moios: celeiros dos dízimos, 100 moios de trigo; Padre Manuel
Gonçalves da Silveira, 50 moios de trigo; o feitor do Sardão, 50 moios de
trigo; Manuel Henriques Neto, 8 moios de trigo; Manuel Lopes de Oliveira, 6
moios de trigo; Francisco Luís de Goes de Beja, 5 moios de trigo; Luís
Rodrigues, mercador, 4 moios de trigo; António Rodrigues Dória, 4 moios de
trigo; Francisco de Goes de Beja, 1 moio de trigo; Manuel Luís Correia, 2 moios
de trigo; Manuel Rodrigues Lobo, 3 moios de trigo; Luís Magro Soares, 2 moios
de trigo; o procurador do Conde dos Arcos, 5 moios de trigo; o rendeiro do Balio,
3 moios de trigo; José Gonçalves, boticário, 30 alqueires de trigo; o Padre
Francisco Lopes Bravo, 30 alqueires de trigo; Jerónimo Soares, 1 moio de trigo.[27]
A soma total supera os 200 moios, cifrando-se em 245 moios. Entre os onerados
reconhecemos gente ligada à governança: Manuel Henriques Neto, Manuel Lopes de
Oliveira, mercador, e Francisco de Goes de Beja tinham em comum o terem sido
tesoureiros da Câmara; Manuel Luís Correia e Luís Magro Soares tinham servido de
procuradores do Concelho. Note-se que os privilegiados, clérigos e nobres,
também foram onerados: segundo o Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia, o Conde dos Arcos era
possuidor do morgado de Santo Estêvão de Beja, que rendia 360 moios de trigo e
cevada.[28] Mas
porque a derrama que se havia feito na cidade, por ordem do Marquês de
Fronteira, governador das armas, na qual tinham comparticipado as pessoas
privilegiadas, se achou ser limitada e ser necessário mais trigo para as
guarnições de Serpa e Moura, deliberou-se fazer uma segunda derrama, em
vereação realizada em 31 de dezembro desse mesmo ano. Como o trigo existente na
cidade era já muito pouco, e tendo em conta as necessidades de abastecimento da
população e a esterilidade do ano, deliberou-se que a segunda derrama se
fizesse no termo da cidade, a saber, pelas Freguesias de Quintos, Baleizão e
lugar de Cuba, onde se tinha notícia de que havia algum trigo e não terem
concorrido para a anterior derrama. Para esse efeito, mandaram que fossem
oficiais de justiça às ditas terras e de lá trouxessem presos os juízes das
mesmas, para que declarassem, no prazo de 24 horas, ante aquele senado, a
quantidade de trigo que se poderia fazer na segunda derrama.[29]
A pressão dos assentistas
nas requisições de trigo levou a que, logo em 12 de Janeiro do ano seguinte,
1709, comparecesse em Câmara António Pereira de Lacerda, governador da Praça de
Beja que, juntamente com Manuel Ribeiro Gago da Silva e António da Lança Porto,
vereadores, e Luís Magro Soares, procurador do Concelho, mandaram chamar o
assentista Pedro Dias de Oliveira a quem leram uma carta do Marquês de
Fronteira, governador das armas da província do Alentejo, na qual lhe ordenava
que não levasse desta cidade trigo algum para fora, por ser necessário o que
havia para os assentos e sustento da mesma; e que se o contrário fizesse o dito
Pedro Dias de Oliveira, lhe levantassem um auto e lho remetessem de imediato,
para ele, dito governador, proceder como lhe parecesse. A isto respondeu o dito
Pedro Dias de Oliveira que não queria comprar trigo na cidade e seu termo nem
levá-lo para fora, e se sujeitava a todo o disposto.[30]
A intervenção do
governador da Praça, António Pereira de Lacerda, bem como as ordens do Marquês
de Fronteira, governador das armas da província do Alentejo, não obstaram a que
novas requisições de trigo se viessem a suceder e o ano de 1709 veio a
revelar-se gravoso em extremo para os habitantes da cidade e seu termo, que se
viram espoliados de subsistências para além do tolerável. Logo em vereação
realizada em 25 de março desse mesmo ano, compareceu o corregedor da cidade de
Elvas pelo qual foi dito que ele vinha àquela cidade fazer a cobrança dos 140
moios de trigo que faltavam na derrama que tinham feito no ano anterior os
vereadores e o procurador do Concelho, entre os quais havia uma verba de 100
moios do vigário-geral e 40 de pessoas particulares. Mas porquanto se achou que
o dito vigário-geral não tinha dado 100 moios, mas sim 200 ao assentista, e
porque era excessivo o que agora se solicitava, havendo tão pouco trigo na
cidade, resolveram os vereadores e procurador presentes ir com o dito
corregedor às casas onde dizia o assentista haver trigo. Mas o que aí encontraram
era tão pouco que mal chegaria para as necessidades de um mês da cidade. Resolveram,
assim, ajustar com o dito corregedor, a entrega de mais 80 moios de trigo, com
a condição de que o assentista, Estêvão Lopes de Carvalho, de futuro, não
compraria mais trigo naquela cidade e seu termo. E que o que tivesse comprado
até àquele dia lhe ficaria pertencendo para o assento.[31]
Em termo de vereação
realizada em 31 de julho desse mesmo ano é dada notícia da derrama que o senado
camarário fez de trigo, cevada e palha por ordem do Marquês de Fronteira,
general das armas, que se encontrava presente na cidade: Freguesia da Salvada,
480 alqueires de trigo, “a qual lhe fez com informação do juiz da dita Freguesia
ao qual se deu juramento dos Santos Evangelhos e que se não podia botar mais
pela esterilidade com que se acha a dita freguesia”; Freguesia de Alfundão, 425
alqueires de trigo; Freguesia da Trindade, 215 alqueires de trigo, “houveram a
dita derrama por feita nesta freguesia com assistência do juiz da mesma freguesia
ao qual se deu o juramento e informou que se não podia lançar mais pela penúria
da freguesia”; Freguesia de Baleizão, 785 alqueires.[32]
Em 1 de outubro deste
mesmo ano, sendo presente em Câmara o procurador do assento, Pedro Dias de
Oliveira, foi por ele dito que, em virtude das ordens que apresentava, queria
para o assento daquele ano 2,000 moios de trigo. Responderam os oficiais
camarários que dariam satisfação à sua petição, ainda que, no ano anterior,
havendo mais trigo, não tinham dado mais que 300 moios de trigo de derrama.
Queriam, pois, averiguar a quantidade de trigo disponível, em presença dele
procurador, e que deixado o trigo que fosse necessário para os moradores da cidade
e termo e lavradores, dariam tudo o mais para o assento, sem embargo de se ter
já dado daquele ano para o assento do ano anterior, 40 moios de trigo. Pelo
desembargador José Henrique, que se achava presente, foi dito e proposto que
para evitar demora no provimento do exército, bem como no fabrico de biscoito,
lhe parecia conveniente que ficasse logo assentado que pertenciam à derrama as
duas partes das rendas dos celeiros da Cidade e seu termo, pelo que deveriam os
obrigados e rendeiros serem notificados para as entregarem, ficando a outra terça
parte para o sustento do povo, enquanto se não fazia uma averiguação mais correcta.
Responderam os oficiais camarários que, porque em tudo queriam dar cumprimento
às ordens sobre as ditas derramas, após averiguação de todo o trigo que havia,
o iriam dando para o assento, deixando o que fosse necessário para as
sementeiras e para sustento do povo.[33]
No final deste ano de 1709, em vereação realizada em 14 de dezembro, achando-se
presentes a maior parte dos lavradores da cidade para fazerem entrega das quantias
de trigo que lhes tinham sido derramadas para os assentos daquele ano, foi por
eles dito que a maior parte deles não tinha as quantias que lhes eram
requeridas. E assim sendo, queriam eles distribuir entre si a quantidade de
trigo com que cada um pudesse contribuir, com o que foram concordes o ouvidor, o
juiz de fora, vereadores e procurador do Concelho. Foram recolhidos na derrama
feita na Cidade e seu termo 1,038 alqueires de trigo. Protestavam, contudo, os
oficiais camarários que não seriam obrigados a concorrer com mais trigo, por
mais necessário que fosse ou por qualquer ordem que houvesse, por entenderem
terem concorrido com muito mais do que nos anos anteriores.[34]
Em 1711 a situação de
penúria atingiu o seu ápice. Em vereação realizada em 17 de março, compareceram
Luís de Goes de Beja e Manuel Henriques Neto aos quais os vereadores presentes,
Manuel Rodrigues Tenreiro, António Borges Coelho e João Luís de Barros, e
Francisco Pinheiro da Silva, procurador do Concelho, expuseram a necessidade urgente
em que se achavam a cidade e o seu termo, por falta de trigo para o seu
sustento. Ofereceram-se eles, espontaneamente, para irem pessoalmente a Lisboa
comprar, com o seu dinheiro, a maior quantidade de trigo que pudessem e
fazerem-no conduzir, por sua conta e risco, até ao Porto d’El Rei[35] e que deste para a cidade
lhes facilitaria a Câmara as carruagens para que, com a maior brevidade, se
transportasse até ela. Este trigo deveria recolher-se num dos celeiros da cidade,
do qual teria uma chave a pessoa que eles nomeassem e outra aquele senado.[36]
É de considerar que
oficiais camarários e lavradores usassem de algum artifício nas declarações que
faziam da disponibilidade de trigo requerido para os assentos. Mas mesmo tendo
em conta tal considerando, a imagem que ressalta dos informes colhidos nos
termos de vereação é o de um tremendo sacrifício exigido às populações para
ocorrerem às necessidades do esforço militar, agravado que foi esse sofrimento
pelas adversas condições climatéricas e consequentes maus anos agrícolas que
ensombraram o começo do século XVIII. Segundo Emília Salvado Borges, em Cuba,
que integrava então o termo de Beja, em 1708 a subida dos óbitos foi 2,5
superior à média da década anterior e 2,1 à média da primeira metade do século
XVIII. Estava-se então perante uma grave crise demográfica: subida muito
significativa dos óbitos e descida acentuada dos casamentos e, sobretudo, dos
nascimentos, situação que se prolongou por vários anos consecutivos. A situação
foi dramática por todo o Reino, mas o Alentejo foi a região mais atingida.[37]
Mas não bastava a
requisição de subsistências, era necessário levá-las até às tropas em campanha,
havendo por vezes que vencer longas distâncias. Daí a requisição de
cavalgaduras e carruagens para o seu transporte, com notórios danos para as
populações que se viam assim prejudicadas na normal execução das suas
actividades económicas, com especial realce para a agricultura e o comércio.
Em vereação realizada em
18 de dezembro de 1705, compareceu o desembargador dos agravos e
superintendente-geral das carruagens da província do Alentejo, Luís Pinto
Mascarenhas de Figueiredo, o qual disse que Sua Majestade o tinha mandado
correr todas as cabeças de Comarca da dita província, para que em todas elas se
requisitassem cavalgaduras, deixando-se apenas aquelas que fossem precisas para
uso das terras. Os oficiais camarários presentes nomearam então os almocreves
de que necessitava a cidade e que eram: António Luís, com 3 cavalgaduras
maiores, José Dias, com 4 cavalgaduras maiores e Francisco Gonçalves Malagão,
com 3 cavalgaduras maiores, para serem almocreves do peixe para o provimento da
cidade; para almocreve do correio de Lisboa elegeram José Rodrigues, com 4
cavalgaduras maiores, com declaração que não indo os ditos almocreves nomeados
a buscar peixe aos portos de mar, para o sustento do povo, bem como outros
mantimentos a Lisboa, seriam obrigados a transportar provimentos para as forças
militares.[38]
Mais disse o dito desembargador que Sua Majestade ordenava que o juiz de fora
ou quem o seu cargo servisse, fizesse uma lista de todas as carruagens
existentes na cidade e seu termo para o transporte de mantimentos do porto de
Alcácer para a Praça de Elvas; e que o ouvidor e o provedor da Comarca deveriam
enviar estas ordens para todas as terras da Comarca, bem como enviar-lhe a ele,
dito desembargador, a lista das carruagens existentes nas mesmas.[39]
As requisições eram feitas em tom peremptório, deixando às populações os meios
mínimos de actuação para proverem ao seu sustento.
Em vereação realizada em
23 de dezembro de 1707 é de novo este assunto objecto de debate. Convieram os
oficiais camarários presentes, Manuel Mestre Cochilha, vereador mais velho e
juiz pela ordenação, Lopo Soares de Albergaria, vereador, e o licenciado Sebastião
Rodrigues, procurador do Concelho, que se mandasse carta precatória ao ouvidor
da Comarca, porquanto os moradores se achavam muito oprimidos tanto pela
vizinhança do inimigo como pelas repetidas requisições de carruagens que se
tinham feito, de tal modo que só dispunham das cavalgaduras estritamente
necessárias para se poderem prover do indispensável para a sua sustentação,
como farinha, lenha, água e carvão. Porque todas estas coisas vinham de muito
longe para a Cidade, em caso de falta de provimento os habitantes iriam
abandoná-la, deixando-a ainda mais desprovida de defensores. Considerando estas
razões e a situação de aperto em que se vivia solicitavam assim ao ouvidor que
lhes deixasse as cavalgaduras necessárias para o provimento da mesma. Nomearam,
em seguida, para recoveiro da cidade de Lisboa António Rodrigues, almocreve,
com 5 cavalgaduras; e para almocreves do peixe nomearam Francisco Martins, o
Moço, com 4 cavalgaduras, José Rodrigues, almocreve, com 5, Manuel Fernandes
Camao, o Moço, com 5 e António Luís Maravalha, com 3.[40]
As gravosas solicitações
de cavalgaduras e carruagens não dificultavam somente o viver quotidiano das
populações, estorvando o seu provimento e a sua economia, mas implicavam ainda
com as práticas religiosas durante a Quaresma, período em que era vital o
fornecimento de peixe à cidade, vindo dos portos mais próximos. Assim, em
vereação realizada em 15 de fevereiro de 1710, sendo presentes o juiz de fora,
Dr. Inácio Tavares de Azevedo, os vereadores António Borges Coelho, Raimundo de
Faria de Melo e Baltazar Banha Ramos e o procurador do Concelho Lourenço
Gonçalves Lima, nomearam 5 almocreves para trazerem peixe para a cidade, a
saber: Gaspar Dias, com 3 cavalgaduras maiores; José Dias, com 3 cavalgaduras
maiores; Manuel Pereira, com 3 machos; António Rodrigues, com 3 machos e
Francisco Gonçalves Segura, com 3 cavalgaduras maiores. Foram assim nomeados 5
almocreves com um total de 15 cavalgaduras e, ainda que a cidade necessitasse
de 20 cavalgaduras, não elegiam mais do que 15 pela muita necessidade que delas
havia para as carruagens do provimento militar, com a declaração de que se
elegiam 5 almocreves porque na cidade existiam 5 conventos.[41]
Na verdade Beja tinha,
à época a que nos reportamos, 6 conventos, conforme nos informa o Padre
Carvalho da Costa na sua Corografia:
o de São Francisco, o mais antigo; o Convento do Carmo, de carmelitas calçados;
o de Santo António, de frades capuchos piedosos; o Real Convento de Nossa
Senhora da Conceição, de religiosas franciscanas; o de Santa Clara, também de
freiras franciscanas, e o Convento da Esperança, de monjas carmelitas calçadas.
Era numerosa a população professa neles recolhida. Segundo o mesmo autor, no
Convento de São Francisco residiam mais de 60 frades, o de Nossa Senhora da
Conceição tinha mais de 200 freiras com grande número de criados, no de Santa
Clara residiam mais de 200 freiras e no Convento da Esperança estavam ingressas
60 religiosas. [42] Só para a população clerical seria
grande a quantidade de peixe a transportar durante a Quaresma, dado o interdito
religioso do consumo de carne. Se face aos interesses da população leiga o
prepotente poder militar, com maior ou menor resistência, lograva impor-se, no
confronto com o poder clerical, estando em causa as práticas religiosas, havia
daquele uma clara cedência. No universo social e cultural da época seria
impensável outra atitude.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Manuscritas
Arquivo Histórico Municipal de Beja
Livros de Actas de Vereações da Câmara Municipal de Beja
1692 - AHMB, CMB -
B/A-01 - Lvº 100, Cx. 15
1702 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 105, Cx.
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1703 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 106,
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1709 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 112, Cx.
16
1710 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 113, Cx.
16
1711 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 114, Cx.
16
1714 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 117, Cx.
16
1720
– AHMB,
CMB - B/A-01 - Lvº 123, Cx. 17
1735
- AHMB,
CMB - B/A-01 - Lvº 137, Cx. 19
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[1] Cf. Fernando Dores Costa, “Milícia
e Sociedade - Recrutamento”, in Nova História Militar de Portugal, Vol.
2, dir. Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, Lisboa, Círculo de
Leitores, 2004, p. 68.
[2] Cf. Teresa Fonseca, Absolutismo e Municipalismo: Évora, 1750-1820, Lisboa, Edições
Colibri, 2002, pp.
511.
[3] Cf. Fernando Dores Costa, op. cit., p. 78.
[4] Cf. António Camões Gouveia, “A Milícia”, in História de Portugal,
dir. de José Mattoso, 4.º vol., O Antigo
Regime (1620-1807), coord. de António M. Hespanha, Lisboa, Círculo de
Leitores, 1993, p. 199.
[5] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 114, fls. 15vº-16.
[6] Finta – imposto, derrama, para
despesa do estado; colecta de contribuições de vários para despesa em comum.
Cf. Francisco Solano Constancio, Novo
Diccionario Critico e Etymologico da Lingua Portugueza, Paris, na Oficina Typographica de Casimir, 1836, p. 563.
[7] Cf. AHMB, Vereações,
Lvº 105, fl. 9.
[8] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 106, fls. 18-19.
[9] Cf. Emília Salvado Borges, A
Guerra da Restauração no Baixo Alentejo (1640-1668), Lisboa, Edições
Colibri, 2015, pp. 32-35.
[10] Cf. idem, ibidem, pp.
30-31.
[11] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 107, fl. 39vº.
[12] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 108, fl. 11vº.
[13] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo. 111, fl. 20vº.
[14] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 117, fls. 38-38vº.
[15] Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. V, Lisboa, Ed. Verbo, 1980, pp. 262-264.
[16] Cf. AHMB, Vereações, Lvo
137, fls. 31-31vº.
[17] Cf. AHMB, Vereações,
Lvº 146, fls. 117-117vº.
[18] Cf. Teresa Fonseca, op. cit., pp. 515-516.
[19] Cf. Fernando Dores Costa, “O
estatuto Social dos Militares”, in Nova
História Militar de Portugal, Vol. 2, dir. Manuel Themudo Barata e Nuno
Severiano Teixeira, Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, pp. 94-96.
[20] Cf. AHMB, Vereações, Lvº 123, fls. 22vº-23.
[21] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 107, fls. 66-70vº.
[22] Cf. Luís Ferrand de Almeida, “Motins Populares no Tempo de
D. João V – Breves Notas e Alguns Documentos”, in Revista de História das Ideias, Vol. VI, Coimbra, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Instituto de História e Teoria das Ideias, 1984, pp.
332-333. Disponível em URI:http://hdl.handle.net/10316.2/43824.
[23] Cf. AHMB, Vereações, Lvo
107, fls. 55-56vº.
[24] Assento, contrato de fornecimento do exército.
Assentista, contador,
fornecedor dos víveres do exército, ou de outras quaisquer coisas, por certa
soma assentada ou avançada, paga pelo tesouro. Cf. Domingos Vieira, Grande
Diccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza, Porto, Ernesto
Chadron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874, p. 614. Disponível em https://catalog.hathitrust.org/Record/100188000.
[25] Derrama, contribuição derramada pelos habitantes obrigados ao
imposto, para preencher quebra ou falha dele, ou para suprir gastos
extraordinários. Cf. Francisco Solano Constancio, Novo Diccionario Critico e Etymologico da Lingua Portugueza, p.
360.
[26] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 111, fls.
88-90.
[27] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 111, fls.
90vº-91
[28] Cf. António Carvalho da Costa, Corografia
portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal, com as
notícias das fundações das cidades, villas e lugares, Tomo II,
Lisboa, na Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1708, p. 471. Disponível em
http://purl.pt/434.
[29] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 111, fls.
95-96.
[30] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 111, fls.
102-102vº.
[31] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 112, fls.
28vº-30.
[32] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 112, fls.
62-71.
[33] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 112, fls.
85-86.
[34] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 112, fls.
111vº-127.
[35] O rio Sado era
navegável até Porto de Rei, situado a cerca de 55km da foz. Porque as
comunicações por via fluvial facilitavam o trânsito de pessoas e mercadorias,
por ele se exportavam os minérios, o trigo, o mel, a madeira, o carvão e outros
produtos do hinterland alentejano, com destaque para Évora e Beja. Cf. Maria Teresa Lopes Pereira, Do Castelo à Ribeira – a urbanização de
Alcácer (de finais do século XIII ao início de Quinhentos), s/l, Instituto
de Estudos Medievais – FCSH da UNL, s/d, p.132. Disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/41886/1/Comendas_Urbanas_121_192.pdf.
[36] Cf. AHMB, Vereações, Lvº 114, fls. 20vº-21vº.
[37] Cf. Emília Salvado Borges, Crises de Mortalidade no Alentejo Interior –
Cuba (1586-1799), Lisboa, Edições Colibri, 1996, pp. 116-121.
[38]
Na vereação realizada em 14
de outubro de 1692, em acórdão sobre pastoreio nos frutificados, distinguem-se
as bestas ou cavalgaduras menores das maiores, discriminando-se as maiores como
sendo cavalos, éguas, machos e mulas e as restantes como menores que, ainda que
não expressas, deverão entender-se como sendo o gado asinino. Cf. AHMB,
Vereações, Lvo 100, fls. 85vº-86.
[39] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 108, fls. 48-49vº.
[40] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 110, fls. 80vº-82vº
[41] Cf. AHMB, Vereações,
Lvo 113, fls. 15vº-16.
[42] Cf. António Carvalho da Costa, op. cit.,
pp. 466-468.
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