A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BEJA - SUBSÍDIOS PARA A SUA HISTÓRIA

 

Fundadas a partir de 1498, as misericórdias foram as confrarias mais importantes em Portugal entre o século XVI e o século XVIII. A protecção régia, o seu carácter oligárquico, correspondente às elites detentoras do poder local, o avultado património fundiário e móvel acumulado e a exclusividade na prestação de serviços assistenciais, deram-lhes uma particular primazia.[1] A grande novidade que caracterizava estas instituições era a sua vocação, que não se confinava à realização das obras de misericórdia entre os seus confrades, como soía ocorrer com outras instituições do género, mas assumia um carácter comunitário, garantindo a todos “assistência social, económica e espiritual”. Esta vocação comunitária deu às misericórdias uma feição de “serviço nacional de assistência” que, a partir do modelo prefigurado pela casa-mãe de Lisboa, viria a abarcar o território continental, através das suas múltiplas filiais, e partes significativas do espaço imperial.[2]

Uma outra novidade, de importância assaz significativa, foi a da laicização da assistência assegurada pela novel instituição. Às teses amplamente divulgadas que advogam a dependência destas confrarias do poder eclesial, importa contrapor que estas eram dirigidas por elementos na sua maioria leigos e a sua tutela era de dependência régia.[3] Somente as Misericórdias de Lisboa, Porto, Coimbra, Santarém e Évora, ditas do “primeiro banco” em Cortes, estavam isentas da prestação de contas aos provedores das comarcas.[4] O seu estatuto jurídico foi o resultado das diligências dos monarcas portugueses junto de Santa Sé que chegou à sua definição final no quadro do concílio tridentino. Definiam-se como confrarias laicas, em contraponto às confrarias eclesiásticas, e estavam apenas sujeitas ao poder episcopal no que concernia ao foro espiritual, pelo que os bispos apenas podiam inspecionar os locais e as alfaias de culto. No mais estavam sob protecção régia o que lhes facultava a possibilidade de se corresponderem directamente com o rei, direito que partilhavam com as câmaras.[5]

Foi a independência das misericórdias face ao poder episcopal que lhes conferiu uma particular originalidade e as transformou num caso único no panorama europeu. Ao assegurarem a maior parte das actividades prestadoras de caridade, as misericórdias criaram um dos primeiros serviços dotados de homogeneidade, ainda que relativa, de assistência à pobreza na Idade Moderna. Serviços assistenciais progressivamente alargados ao território imperial, o que lhes concedeu alguma globalidade e tornou possível superar um âmbito meramente regional, como sucedeu noutras partes da Europa.[6]

As misericórdias conheceram uma rápida difusão: em 1640 já eram mais de 300. Nos finais do Antigo Regime a sua distribuição coincidia, grosso modo, com a malha concelhia.[7] De certa forma, a sua criação e crescimento inscreveu-se num particular momento de reordenamento sociopolítico do território, sentido também pelas elites locais. Se o seu primeiro impulso se deveu à iniciativa régia, após a segunda metade do século XVI muitas foram erigidas devido a dinâmicas sociais locais.[8] A criação das misericórdias teve, de um ponto de vista social, um forte apoio e assumiu um carácter abrangente. Em Beja, Évora e Coimbra foi a fidalguia local que assumiu o mando das novas confrarias.[9] Os primeiros mesários em Beja foram: provedor “Ruy Lopes fidalgo da casa de el-Rey nosso senhor e por irmãos Estevam de Brito alcayde-mor da ditta villa e foi o primeiro irmão e Gil Vaz Raposo e Ruy Pais hum dos regedores e Alvaro Fernandes e Estevam Barreto todos fidalgos cavaleiros e escudeiros de sua casa e os irmãos do povo forão os seguintes, saber, Diogo Pires e Rodrigo Annes, Martim Gil, Joam Gonçalves, Henrique Vaz Simão Dias.”[10]

Pela forma de eleição daqueles que, em cada ano, asseguravam a sua administração, os mesários, em número de 13, e pela paridade que se procurava que existisse entre nobres e plebeus, as misericórdias, à época em análise, eram instituições garantes dos equilíbrios sociais e políticos e, por isso, apoiadas pelo poder régio que promoveu a sua disseminação no reino e no império.[11] Foram elas, incontestavelmente, as grandes protagonistas da caridade em Portugal, regendo-se por valores e regras semelhantes num território extremamente vasto.[12]

A Misericórdia de Lisboa e o seu Compromisso permaneceram como modelos fundamentais de todas as misericórdias do reino e do império, ainda que algumas tenham elaborado os seus próprios compromissos ou tenham reformado partes do de Lisboa, por forma a adequá-lo às suas realidades.[13] A 2 de julho de cada ano, dia de Nossa Senhora da Visitação, reuniam-se os irmãos na capela da confraria para procederem à eleição da nova mesa que, durante um ano, iria administrar a instituição: elegiam-se um provedor, 9 conselheiros, 1 escrivão e 2 mordomos. Na distribuição dos eleitos estava bem patente a estrutura própria de uma sociedade rigidamente hierarquizada e corporativa: provedor, escrivão e 5 mesários, ditos de primeira condição, eram eleitos de entre a nobreza local; 6 mesários ditos de segunda condição eram eleitos de entre a plebe, muitos sendo oficiais mecânicos.[14] E eis como a paridade entre nobres e plebeus não era absoluta, pois que favorecia os primeiros numa relação de 7 para 6. Houve mesmo uma tendência para dificultar a admissão na irmandade, que se acentuou na segunda metade do século XVI e ao longo de todo o século XVII, elitizando a instituição e contribuindo assim para o seu declínio no século XVIII.[15]

Segundo o Compromisso da Misericórdia de Lisboa, datado de 1618, é necessário que “haja copia de Irmãos que com facilidade, & sem notauel trabalho acudão ás obrigações della (…)”,[16] os quais seriam 600: 300 nobres, 300 oficiais e mais 20 letrados. A uma tendência inicial em admitir um grande número de irmãos, seguiu-se uma outra fase em que se limitou o seu número por misericórdia, havendo mesmo instruções reais nesse sentido, com a existência de numerus clausus. Procurava-se assim que o grupo de membros da confraria coincidisse com o daqueles que efectivamente eram detentores do poder político no espaço considerado.[17] Somente Lisboa e Goa estavam autorizadas a possuir o quantitativo máximo de 600 irmãos. Nas restantes cidades portuguesas o numerus clausus mais elevado era o de Évora, com 300 irmãos, seguida do Porto com 250 e de Braga com 220. Nas cidades menores e vilas, o número prescrito foi sempre igual ou inferior a 200.[18] Por alvará régio datado de 22 de Junho de 1596 ordenava-se que o número de irmãos da Misericórdia de Beja se reduzisse para 200, como se determinava no seu Compromisso, e que de entre estes se escolhessem os mais antigos e que tivessem as qualidades requeridas.[19]

Aqueles que haveriam de ser recebidos como irmãos, para além de serem homens de boa consciência e fama, tementes a Deus, modestos, caritativos e humildes, deveriam reunir sete condições: serem limpos de sangue, sem raça alguma de mouro ou judeu, bem como suas mulheres; serem livres de toda a infâmia, de facto e de direito; de idade conveniente e, sendo solteiro, com 25 anos perfeitos; que servissem a congregação sem receber qualquer salário; que tivesse tenda, sendo oficial de ofício em que a costumasse haver ou, sendo oficial de ofício em que esta era desnecessária, estivesse já isento de trabalhar por suas mãos; que fosse de bom entendimento e que soubesse ler e escrever; finalmente, que fosse abastado para que pudesse servir a irmandade sem suspeição de dela se aproveitar. Estas condições, a serem estritamente cumpridas, limitavam seriamente o universo de incorporação entre a classe plebeia, confinando-o à elite dos mercadores e oficiais de tenda aberta, muitas vezes letrados, e afastando todos aqueles que exercessem actividades sórdidas, isto é, manuais.[20] Os irmãos de menor condição representavam uma facção próxima do poder e tinham a seu cargo a execução de funções consideradas menos dignas, como limpar as cadeias ou abastecer os hospitais. Pertenciam, regra geral, às elites do artesanato urbano e a condição essencial para a sua admissão na confraria era não trabalharem por suas mãos, espelhando-se aqui a repulsa pelo trabalho manual tão própria do Antigo Regime.[21]

A multiplicidade de funções que era cometida às misericórdias, o seu poder económico e o seu papel no estabelecimento dos equilíbrios políticos locais e esbatimento de tensões sociais, transformou-as nas confrarias mais importantes do Antigo Regime.[22] Para o seu êxito contribuiu decisivamente a captação, pela coroa, das elites locais, tornando os cargos de mesários semelhantes em prestígio, benefícios e privilégios aos da mais alta magistratura concelhia, a de vereador.[23]

Esta similitude eleitoral entre misericórdias e câmaras, na progressiva elitização dos seus cargos administrativos, remete para a formação e cristalização das oligarquias locais e para a circulação de indivíduos entre as duas instituições. Sendo frequente a sobreposição entre gente da governança municipal e chefias da misericórdia não era, contudo, necessário o exercício simultâneo nas duas instituições, pois os privilégios inerentes aos cargos numa e noutra eram praticamente idênticos.[24] Em Montemor-o-Velho, a percentagem de confrades que exerceu cargos camarários montou a 75%, em Ponta Delgada a 71,1% e em Évora a 71%.[25]

“(…) a rotatividade entre estas duas instituições constituía, em última análise, um dos elementos que permitia a autoperpetuação daqueles que controlavam estes órgãos do poder local. Na verdade, as estratégias de controlo alargavam-se a variados campos, onde a endogamia, o sistema de reprodução vincular e as redes clientelares exerciam um papel determinante.”[26]

A elitização das estruturas assistenciais foi também fruto das estratégias políticas régias. A incapacidade de a Coroa impor políticas assistenciais a todo o espaço reinícola, e não apenas por razões de ordem financeira, leva a que também deste ponto de vista esteja dependente dos serviços das elites locais, pelo que também estas serão chamadas à gestão das misericórdias.[27]

A distribuição destas instituições não era uniforme por todo o território nacional, sendo mais numerosas a sul do Mondego. A sua actuação tendia a configurá-las como um importante centro de poder e influência em muitos concelhos, e como instituição fundamental na estruturação das elites locais, muito particularmente pela sua função creditícia[28] O exercício da governança destas confrarias permitia a gestão de grandes rendimentos e, desse modo, o controlo do mercado de capitais, possibilitando a escolha discricionária dos beneficiários de empréstimos e o consequente favorecimento de uns devedores em detrimento de outros.[29]

Projecção local desta instituição e seus protagonistas

Em 1498, graças à acção da rainha-viúva D. Leonor, foi instituída a Confraria da Misericórdia de Lisboa, facto este que se deve inserir num movimento mais vasto de reforma das instituições assistenciais e que se acentuou a partir de D. Afonso V. Não está clara a natureza do papel da rainha na fundação desta instituição, se parte dela a iniciativa ou se dá voz e protagoniza as aspirações de outros ligados à problemática assistencial.[30]

A Misericórdia de Beja foi fundada em dezembro de 1500 por D. Leonor e por seu irmão D. Manuel I. Foi, pois, uma das primeiras confrarias da Misericórdia a serem fundadas e a isso não terá sido estranha a condição de ambos serem filhos dos Duques de Beja, D. Fernando e D. Beatriz e o rei, ele próprio, também Duque de Beja. As terras onde as misericórdias se fundam em primeiro lugar são aquelas com maior ligação à casa real ou onde a presença do rei se faz sentir com maior frequência, como o foram, para além de Beja, Lisboa, Santarém, Évora e Montemor-o-Novo.[31]

A solicitar permissão às autoridades, nobreza e povo bejense para a instalação da confraria na então vila, esteve na Câmara Municipal, nos primeiros dias de dezembro de 1500, Álvaro da Guarda, que foi portador de uma carta de D. Manuel e do Compromisso e Regimento das Misericórdias, tal como os havia instituído D. Leonor no ano de 1498.

E o acto fundador da Misericórdia de Beja foi, ainda que a destempo, a procissão realizada a 8 de dezembro de 1500 para a recolha dos ossos dos condenados, no local da forca, a fim de lhes dar sepultura em solo sagrado.[32] Esta procissão soíam as confrarias da misericórdia realizar em cada ano no dia de Todos-os-Santos, primeiro de novembro.[33]

A primitiva sede da “Santa Confraria da Virgem Maria da Misericórdia Nossa Senhora da vila de Beja” foi a Igreja de Santa Maria da Feira, por ser esta a única igreja da cidade consagrada àquela em cujo louvor e invocação a confraria era instituída.

Sendo Duque de Beja o infante D. Luís, filho de D. Manuel I, a Misericórdia transferiu a sua sede para novo edifício, mandado construir pelo infante na Praça Grande. Destinado primitivamente a açougue determinou o seu edificador, dada a sua beleza e sumptuosidade, dar-lhe utilização mais condigna, destinando-o a sede da novel confraria.[34]

A rotatividade entre mesários da misericórdia e oficiais camarários ocorreu em Beja tal como sucedeu nos outros espaços onde as duas instituições coexistiram. Charles Boxer cita a esse propósito um provérbio alentejano, “Quem não está na Câmara está na Misericórdia.”[35]

Tal mobilidade assumiu, todavia, particular significado ao nível de vereador e provedor e é reflexo da cristalização oligárquica que distingue as cúpulas dirigentes das duas instituições.

Quadro 1 – Misericórdia de Beja / Provedores, Tesoureiros e Escrivães

Anos

Provedor

Escrivão

Tesoureiro

1700/1701

Gaspar Lopes Lança

Luís de Mira Colaço

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1701/1702

Gaspar Lopes Lança

Manuel Rodrigues Tenreiro

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1702/1703

Gaspar Lopes Lança

Manuel Rodrigues Tenreiro

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1703/1704

Gaspar Lopes Lança

Manuel Rodrigues Tenreiro

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1705/1706

Gaspar Lopes Lança

Manuel Rodrigues Tenreiro

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1706/1707

Nosso Senhor Jesus Cristo

Manuel Rodrigues Tenreiro

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1718/1719

António Pereira de Lacerda

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1719/1720

António Pereira de Lacerda, governador da Praça de Armas de Beja

Rodrigo de Melo Lobo Freire

 

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1726/1727

Luís Gonçalves Romano

Baltazar Banha Ramos

João Rodrigues de Oliveira

1731/1732

Jesus Cristo Nosso Senhor

Sebastião de Oliveira Galego

Pe. João Gomes Lança

1733/1734

Jesus Cristo Nosso Senhor

Sebastião de Oliveira Galego

Pe. Luís Martins Carreira

1734/1735

Jesus Cristo Nosso Senhor

Sebastião de Oliveira Galego

Pe. Luís Martins Carreira

1735/1736

Jesus Cristo Nosso Senhor

Sebastião de Oliveira Galego

Pe. João Gomes Lança

1737/1738

Jesus Cristo Nosso Senhor

Sebastião de Oliveira Galego

João Basílio de Vilhena

1740/1741

Capitão-mor Braz Ferro Coutinho

Pe. João Gomes Lança

Manuel Rodrigues Nogueira

1741/1742

Francisco de Sá de Miranda

Rodrigo de Melo Lobo Freire

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1744/1745

Francisco de Sá de Miranda

Rodrigo de Melo Lobo Freire

António de Melo Calado

1746/1747

João Pessanha de Mendonça Furtado Moreno

Pe. José Fernandes Palha

Marcos José de Brito de Castanheda

1747/1748

António da Cunha de Brito

Pe. João Gomes Lança

Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja

1749/1750

José de Brito Lobo

Pe. José da Costa Jacques e Silva

José de Andrade Cabral

1751/1752

José de Brito Lobo

Pe. José da Costa Jacques e Silva

Pe. António José Pombeiro

1755/1756

Rever.o Dr. Dez.or Francisco de Negreiros Alfeirão

Pe. José da Costa Jacques e Silva

Dr. Luís Ferreira da Cunha

1757/1758

José Estevens Mendes Tomás, cavaleiro da Ordem de Cristo

Pe. José da Costa Jacques e Silva

Pe. Baltazar da Costa Cabrita

1758/1759

José Estevens Mendes Tomás, cavaleiro da Ordem de Cristo

Pe. José da Costa Jacques e Silva

Pe. Baltazar da Costa Cabrita

1759/1760

O Senhor Jesus Cristo

Pe.de Luís Martins Carreira

Pe. Pedro Fernandes da Silva

1763/1764

Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja

Pe.de Baltazar da Costa Cabrita

Inocêncio de Brito Lobo

1771/1772

O Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas[36]

Romão António de Vargas e Abreu

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1776/1777

O Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas

Vigário-geral Francisco Guedes Cardoso de Menezes

Prior de Santa Maria, Frei Manuel Guerreiro de Aboim

1777/1778

O Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas

Vigário-geral Francisco Guedes Cardoso de Menezes

Prior de Santa Maria, Frei Manuel Guerreiro de Aboim

1781/1782

O Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas

Romão António de Vargas e Abreu

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No espaço temporal que ocorre entre 1700 e 1781, lográmos analisar 30 Livros da Receita e Despesa da Misericórdia de Beja; os restantes ou não existem no acervo documental do AHMB ou o seu estado de conservação não permite a sua consulta.[37] Neles identificámos os mesários eleitos, provedores e irmãos de primeira e segunda condição.

Relativamente à figura do provedor o Compromisso era bem específico:

“O provedor será sempre hum homem fidalgo de authoridade, prudencia, virtude, reputação, e idade, de maneira, que os outros Irmãos o possão reconhecer por cabeça, e o obedeção com mais facilidade, e ainda que por todas as sobreditas partes o mereça, não poderá ser elleito de menos idade de quarenta annos (…)”[38]

Do provedor António Pereira de Lacerda temos notícia de que foi governador da Praça de Armas de Beja, cargo em que foi empossado no ano de 1706, conforme alvará de Sua Majestade,[39] e que ocupou por largo período de tempo, de forma ininterrupta; a última informação que dele obtivemos, nos Livros de Vereações, data de 25 de fevereiro de 1730, quando o mesmo, na sua qualidade de governador da Praça, compareceu em Câmara a fim de que se elegessem oficiais para as capitanias das Freguesias de Quintos e Santa Victória, por falecimento dos seus capitães, respectivamente, João Gago Raposo e Sebastião do Monte.[40] Morava na Rua da Esperança, cerca da Porta de Mértola, em 1730, e achava-se colectado no imposto do quatro e meio por cento em 720 réis pela posse da sua casa e em mais 450 réis pelo foro.[41]

De Francisco de Sá de Miranda não conseguimos quaisquer elementos identificativos, para além do nome; Francisco de Negreiros Alfeirão é apodado de reverendo, doutor e desembargador, homem, pois, de gabarito; D. Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas foi nomeado bispo da restaurada diocese de Beja em 1770 e nos anos dessa década, que lográmos consultar, foi ele o provedor, ainda que ausente na Corte até 1777, ano em que fez a sua entrada em Beja como bispo diocesano.

Os restantes provedores ocuparam a cúspide do oficialato camarário: Gaspar Lopes Lança serviu de vereador em 1703 e 1704; Luís Gonçalves Romano foi vereador em 1724; o capitão-mor Braz Ferro Coutinho nos anos de 1725, 1728, 1732 e 1740; João Pessanha de Mendonça Furtado Moreno em 1752, 1753, 1756, 1761 e 1765, António da Cunha de Brito nos anos de 1741, 1750, 1754, 1757, 1761 e 1764; José de Brito Lobo em 1743, 1744, 1752 e 1753; José Estevens Mendes Tomás nos anos de 1735, 1738, 1743, 1744, 1755, 1758 e 1767 e Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja em 1750, 1754, 1758, 1770 e 1778.

Gaspar Lopes Lança foi, simultaneamente, vereador e provedor da Misericórdia nos anos de 1703 e 1704; Luís Gonçalves Romano foi provedor depois de ter sido vereador; o capitão-mor Braz Ferro Coutinho foi provedor e vereador no ano de 1740; João Pessanha de Mendonça Furtado Moreno foi vereador depois de ter sido provedor; António da Cunha de Brito foi provedor antes e depois de ter sido provedor; a mesma circunstância ocorreu com José de Brito Lobo; José Estevens Mendes Tomás foi vereador antes e depois de ter sido provedor e no ano de 1758 exerceu, simultaneamente, os 2 cargos; também Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja foi provedor antes e depois de ter sido vereador. A multiplicidade de casos verificados leva-nos a concluir que entre um e outro desempenho não existia qualquer espécie de precedência, não sendo invulgar o desempenho simultâneo dos 2 cargos. Em Coimbra, ao longo de todo o século XVIII, a fidalguia evidenciou-se na governança da Misericórdia local.[42] Em Mértola, ao longo do mesmo espaço temporal, o cargo de provedor era selecionado entre eclesiásticos, médios e grandes agricultores e proprietários, dividindo-se entre indivíduos que detinham posições de topo na hierarquia camarária e militar.[43] Em Ponta Delgada, ao longo do século XVII, dos 263 oficiais camarários sinalizados que serviram como vereadores e procuradores do Concelho, 187 (71,8%) foram irmãos da Misericórdia, tendo 6 servido como provedores.[44]

De forma que não se nos tornou explícita, nos anos de 1706/1707,1731/1732, 1733/1734, 1734/1735, 1735/1736, 1737/1738 e 1759/1760 é referenciado como provedor Jesus Cristo.

Ainda que o Compromisso determinasse a eleição de um provedor, 9 conselheiros, 1 escrivão e 2 mordomos, surge por vezes também mencionada a eleição de um tesoureiro, eleito ainda de entre os irmãos de primeira condição.

Da observação do Quadro 32 resulta evidente que um mesmo indivíduo podia desempenhar as funções de escrivão durante anos consecutivos; a rotatividade do cargo era, pois, menor do que a verificada entre os provedores. Eleitos de entre os irmãos de primeira condição deveriam ter também, por isso, um elevado perfil social. Luís de Mira Colaço foi vereador em 1709; Manuel Rodrigues Tenreiro, que foi escrivão da Misericórdia entre 1701 e 1707, foi também escrivão da Câmara, escrivão da ouvidoria, procurador do Concelho, almotacé e vereador. Dele se pode dizer, como vimos anteriormente, que teve um verdadeiro e excepcional cursos honorum.

Rodrigo de Melo Lobo Freire foi vereador nos anos de 1714, 1741 e 1745; Baltazar Banha Ramos foi almotacé e vereador por 9 vezes e exerceu ainda o cargo de escrivão da Câmara; pelo número de desempenhos foi um dos mais notáveis servidores do oficialato camarário; de Sebastião de Oliveira Galego não conseguimos quaisquer informes biográficos; Romão António de Vargas e Abreu foi vereador em 1769, 1773 e 1778.

Eleitos entre os irmãos de primeira condição que exerceram o cargo de escrivães surgem-nos alguns clérigos, cuja nobilitação lhes advinha da sua condição de homens da Igreja, capacitados para o exercício de tal função. São eles o Pe. João Gomes Lança, Pe. José Fernandes Palha, Pe. José da Costa Jacques e Silva, Pe. Luís Martins Carreira, Pe. Baltazar da Costa Cabrita e vigário-geral Francisco Guedes Cardoso de Meneses.

A partir de 1726/1727, inclusive, os Livros da Receita e Despesa da Misericórdia de Beja passam também a indicar a eleição de um tesoureiro, de entre os irmãos de primeira condição. Também aqui encontramos clérigos; para além dos atrás enunciados Pe. João Gomes Lança, Pe. Luís Martins Carreira e Pe. Baltazar da Costa Cabrita, foram ainda eleitos como tesoureiros o Pe. António José Pombeiro, Pe. Pedro Fernandes da Silva e o Prior de Santa Maria, Frei Manuel Guerreiro de Aboim. Os outros eleitos foram João Rodrigues de Oliveira, João Basílio de Vilhena, Manuel Rodrigues Nogueira, António de Melo Calado, Marcos José de Brito de Castanheda, Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja, José de Andrade Cabral, Dr. Luís Ferreira da Cunha e Inocêncio de Brito Lobo.

João Rodrigues de Oliveira, como vimos anteriormente, serviu de procurador por 2 vezes e de almotacé por 4 vezes. Nunca logrou ser vereador; Manuel Rodrigues Nogueira serviu de procurador por 2 vezes e de almotacé por 1 vez. Também nunca serviu de vereador; José de Andrade Cabral serviu de almotacé por 4 vezes, foi guarda-mor da saúde da cidade e seu termo em 1743, e monteiro-mor do Concelho em 1744; o Dr. Luís Ferreira da Cunha foi procurador do Concelho por 6 vezes. Nunca serviu de vereador. De João Basílio de Vilhena e de António de Melo Calado não conseguimos obter quaisquer informações biográficas.

Dos restantes, Marcos José de Brito de Castanheda foi vereador por 6 vezes e Inocêncio de Brito Lobo por 5 vezes. De Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja já informámos atrás, pois foi também escrivão da Misericórdia.

Para além dos provedores assinalámos a eleição de 102 irmãos de primeira condição e de 95 irmãos de segunda condição. A rotatividade verificada entre os irmãos de primeira condição era grande; em média, cada mesário cumpria 1,7 mandatos. Os que cumpriram 1 e 2 mandatos, 83, representam 81,4% do total de mesários, 102. Também a rotatividade verificada entre os irmãos de segunda condição era grande; em média, cada mesário cumpria 1,8 mandatos. Os que cumpriram 1 e 2 mandatos, 76, representam, 80% do total de mesários, 95. Essa elevada rotatividade fundava-se no elevado número de irmãos membros da Misericórdia, pois tal estatuto era apetecível pela dignidade e prestígio social que concedia. Ademais, o Compromisso da Misericórdia de Lisboa, que se tornou modelo para todas as outras confrarias, consignava um extenso conjunto de privilégios para os confrades, enquanto mesários: eram escusos de todos os cargos e ofícios do Concelho; não lhes seriam tomadas suas casas de moradia, adegas e estrebarias para nelas se instalarem pessoas, salvo por mandado real; eram isentos do pagamento de peitas, fintas, talhas, pedidos ou empréstimos que, por qualquer meio, fossem lançados; não se lhes poderia tomar roupa de cama para aposentadoria nem qualquer outra coisa de seu, contra a sua vontade.[45]

Quadro 2 – Misericórdia de Beja – Irmãos de Primeira e Segunda Condição

N.º de Desempenhos

              Irmãos de Primeira Condição

Totais

Irmãos

64

19

10

4

3

2

------

102

Desempenhos

1 (64)

2 (38)

3 (30)

4 (16)

5 (15)

6 (12)

------

175

 

Irmãos de Segunda Condição

Irmãos

55

21

12

2

3

1

1

95

Desempenhos

1 (55)

2 (42)

3 (36)

4 (8)

5 (15)

8 (8)

9 (9)

173

 

Entre os irmãos de primeira condição, para além de membros da nobreza local, encontramos 5 lavradores, um deles duma aldeia do termo, Salvada; gente ligada ao oficialato das ordenanças, 14; clérigos, 14; licenciados, 8. Assinalámos ainda, de entre eles, 11 procuradores do Concelho: Gregório Fernandes Seco, João Rodrigues de Oliveira, Dr. José da Gama Pereira e Silva, José Pereira Botelho, José Rodrigues Perdigão, Dr. Luís Ferreira da Cunha, Capitão Manuel Coelho Teixeira, capitão Manuel Gomes de Sousa Camao, Manuel Pinheiro de Mira, Manuel Rodrigues Nogueira e Manuel Rodrigues Tenreiro.

Os que maior número de desempenhos tiveram foram: Manuel Mestre Franco, Francisco Mestre Cordeiro, Pedro Nogueira Gavião e o Pe. António José Pombeiro, com 4 desempenhos; seguem-se Manuel Rodrigues Tenreiro, Sebastião de Oliveira Galego e o Pe. João Gomes Lança, com 5 desempenhos; Sebastião da Guarda Fragoso de Brito e o Pe. José da Costa Jacques e Silva tiveram ambos 6 desempenhos.

Manuel Rodrigues Tenreiro, irmão de primeira condição da confraria da Misericórdia, foi ainda, como vimos anteriormente, escrivão da Câmara, escrivão da ouvidoria e vereador; Sebastião da Guarda Fragoso de Brito, para além dos 6 desempenhos que teve como irmão de primeira condição, serviu de escrivão da Câmara e foi almotacé por 22 vezes e vereador por 6 vezes.

Os irmãos de segunda condição são de uma outra estirpe social. Entre eles encontramos mesteirais de que, por vezes, nos são indicadas as profissões exercidas: cordoeiro, 1; almocreve, 2; trapeiro, 8; alfaiate, 1; serralheiro, 1; sapateiro, 3; sirgueiro, 1; curtidor, 1; cerieiro, 1; aguadeiro, 1; carpinteiro, 2; albardeiro, 2; ferreiro, 2; carroceiro, 1; espadeiro, 1; barbeiro, 1 e lavrador, 1. De entre eles, 14 foram procuradores do povo: Manuel Gonçalves Palha, António Pinheiro Gago, Francisco Rodrigues Perdigão, António Rodrigues, Manuel Gonçalves Gatão, Filipe da Lança, Francisco José Cardeira, António Pinheiro Gago, José Lopes Cardeira, João Ferreira, Marcos Raposo Carrasco, António Vieira da Silva, José António Godinho e Miguel Monteiro. O mencionado João Ferreira serviu também de aposentador, e um tal João Gonçalves de Freitas, barbeiro, foi eleito tesoureiro da Câmara em 1734.

Os que tiveram maior número de desempenhos, como irmãos de segunda condição, foram: António Pinheiro e Cristóvão Rodrigues, almocreve, com 4 desempenhos; João da Silva Mendes, Marcos Raposo Carrasco e José Rodrigues Ferro, com 5 desempenhos; seguem-se António Pinheiro Gago, com 8 desempenhos, e Manuel Gonçalves Gatão, com 9.

Marcos Raposo Carrasco foi procurador do povo por 4 vezes, António Pinheiro Gago por 5 vezes e Manuel Gonçalves Gatão por 2 vezes. Alguns indivíduos provenientes do meio popular, como os atrás citados, distinguem-se pelos múltiplos desempenhos para que são convocados e constituem-se como uma elite dentro do seu grupo social. A dimensão simbólica inerente ao exercício de quaisquer cargos deve, pois, ser interpretada em relação aos diferentes grupos de referência dos agentes que os ocupam e à posição de cada grupo dentro do espaço social. Um cargo pode ser simbolicamente desvalorizado por alguns grupos de referência e ser apreciado por outros, possuidores de um menor capital social.[46] Também em Mértola, ao longo do século XVIII, o recrutamento dos irmãos de segunda condição assentava sobre as categorias sócio-profissionais urbanas dos ofícios, trabalhadores, a franja inferior dos letrados.[47] Em Amarante, ao longo dos séculos XVII e XVIII, os irmãos de segunda condição que serviram na Misericórdia eram mercadores, ferreiros, sapateiros, carpinteiros, barbeiros, alfaiates, seleiros, cerieiros, ferradores, residentes maioritariamente no núcleo urbano da vila, por forma a que mais facilmente e com prontidão acorressem aos serviços que lhes eram solicitados.[48]

Exclusivamente formadas por homens, as misericórdias agregavam apenas membros das elites locais, numa base associativa vertical: nobreza, clero, profissões liberais, negociantes de grossos cabedais, mestres de oficina ou de mar e lavradores proprietários.[49] O oficialato régio presente na área concelhia, o corregedor e o provedor, ou o representante do poder senhorial, o ouvidor, como era o caso de Beja, ou o juiz de fora, estavam excluídos de qualquer forma de participação ou autoridade sobre este espaço de poder; mais do que as Câmaras, sujeitas a correição e onde era comum a presença do oficialato régio ou senhorial da administração periférica, as misericórdias constituíam-se como centros de afirmação plena do poder local. No dizer de José Damião Rodrigues, a exclusão de juízes de fora e corregedores poderá ser entendida como um sinal da oposição das oligarquias locais ao corpo de letrados que representavam o direito erudito e a lei geral, tidos como instrumentos de reforço do poder real ou senhorial.[50]

Contudo, as misericórdias não estavam isentas da tutela e intervenção régias, mormente quando havia suspeitas de distúrbios ou incumprimento dos processos eleitorais, ainda que as pautas das eleições anuais não tivessem de ser aprovadas por qualquer entidade externa.[51]

Fraudes eleitorais, desprestígio social, gestão danosa e acumulação de dívidas acarretaram o crescente descrédito das misericórdias ao longo do século XVIII, situação que se agravou na segunda metade do mesmo. O excessivo número de encargos pios instituídos ultrapassava a capacidade de resposta das confrarias, a que nem a crescente contratação de capelães, nem o recurso a padres externos conseguia resolver. A perda de rendimentos provocada pela alta de preços, levou ao recurso à concessão de empréstimo de capital a juros para a obtenção de receitas, o que implicou a venda da propriedade imóvel. Mas porque o capital era muitas vezes emprestado aos confrades e a famílias poderosas que deixavam de pagar os juros sem que as misericórdias tivessem força para os cobrar, tal prática conduziu a resultados nefastos e contribuiu para o agravar da situação financeira de muitas confrarias.[52]

Sempre que podiam as misericórdias aplicavam os seus capitais em operações financeiras capazes de gerarem proventos económicos regulares a custos relativamente reduzidos. A importância destes réditos foi em crescendo e na segunda metade do século XVIII contribuíam em mais de metade para os rendimentos de algumas misericórdias, como a de Aveiro, 60% do total entre 1775-1776; de Braga, 78% entre 1751-1752; ou de Guimarães, onde 80% dos seus rendimentos provinham da actividade creditícia.[53]

O crédito concedido aos confrades tem merecido uma particular atenção por parte dos historiadores. Os beneficiários do crédito eram geralmente aqueles que integravam as Mesas, as quais não procediam a uma escrituração e cobrança rigorosas, facilitando assim a não colecta dos juros em cumplicidade com os faltosos.[54]

As dificuldades económicas então sentidas pelas misericórdias, devidas a erros de gestão, corrupção interna e assunção de responsabilidades que ultrapassavam as suas capacidades financeiras, deve ainda ser entendida dentro do contexto socioeconómico que então caracterizou o País: por meados do século instalara-se uma severa crise financeira com a drástica diminuição das remessas de ouro proveniente do Brasil, entre 1762 e 1779 viveu-se uma nova crise financeira, particularmente aguda em 1768-1771, e nos finais do século a inflação foi pesada.[55]

A Misericórdia de Beja como espaço de conflitualidade

As benesses financeiras de que usufruíam os componentes das Mesas, através da concessão preferencial de empréstimos a juros, o capital social e económico daí advenientes, as cumplicidades tecidas entre confrades na cobertura dos créditos malparados, constituíram-se como motivo de acesas disputas pelo poder que conduziram à inevitável intervenção régia. Na Misericórdia de Setúbal, após inúmeras disputas motivadas pelo desejo de perpetuação no poder, o soberano determinou que, a partir de 1726, os mesários o fossem a título vitalício. As substituições necessárias, pelo falecimento de algum dos treze, eram sugeridas pelos restantes limitando-se o rei à sua confirmação.[56] Em Vila Viçosa, no ano de 1754, foi o processo eleitoral objecto de intervenção régia por suborno então verificado. Os confrades informaram que antes da votação foram distribuídos papéis apelando ao voto em determinados indivíduos, tendo-
-se escolhido para provedor um homem de negócios e para escrivão alguém que nem sequer era membro da confraria. O monarca ordenou a repetição das eleições e a reposição da legalidade plasmada no Compromisso.[57] Também na vizinha vila de Ferreira do Alentejo os irmãos da Misericórdia informaram o monarca que o provedor permanecia no cargo havia 6 anos consecutivos sem que se realizassem eleições. Por provisão datada de 26 de agosto de 1768, D. José I ordenou que o provedor da comarca de Beja procedesse à eleição da Mesa e à tomada de contas e que o provedor da Misericórdia fosse impedido de votar e ser eleito.[58]

A documentação das misericórdias refere a existência de subornos e conflitos logo nos finais do século XVI, que se acentuavam por alturas dos actos eleitorais e que, na maior parte dos casos, se relacionavam com o uso indevido dos recursos financeiros das confrarias.[59] A emergência de tais conflitos que, por dificuldades de relacionamento entre os irmãos os levava a solicitar, amiúde, a mediação do poder régio, conduziu este a desconfiar da lisura de processos utilizados no seio das misericórdias e a acentuar a sua intervenção.[60] E, embora contestada, a presença do provedor da comarca nos actos eleitorais tornou-se cada vez mais frequente e já próximo dos finais do século XVII o poder régio optou pela nomeação do provedor e, por vezes, de todos os mesários.[61]

A documentação referente à Misericórdia de Beja, concernente ao século XVIII, nosso objecto de estudo, informa-nos também sobre a eclosão de conflitos entre os confrades, primacialmente aquando da realização de eleições.

A complexidade do processo eleitoral, e o seu carácter indirecto, tornava-o propício a manipulações e fraudes.[62] No dia 3 de março de 1728, sendo presentes o provedor Luís Gonçalves Romano e os mesários Dr. Manuel Botelho Velho, João Rodrigues de Oliveira, Manuel da Lança Baião, Amaro da Rosa, Estêvão Vidigal e José Gonçalves Pimenta, tendo sido feita devassa, na forma do Compromisso, junto de testemunhas, para se apurar se tinha havido suborno de irmãos ou pedidos de votos nas eleição de mesários, foram dados como incursos nesse crime e “riscados” de irmãos daquela confraria o Dr. Sebastião de Oliveira Galego, António Carrega, Sesinando de Carvalho e Gregório Medeiros;[63]

Nova devassa por suborno foi escrutinada em Mesa em 12 de julho de 1747. Sendo presentes o provedor João Pessanha de Mendonça Furtado Moreno e os irmãos Dr. João de Medeiros Raposo, Diogo Lobo Pessanha, Manuel Estevens, José Gonçalves Pombeiro Velho, Manuel Duarte da Silva e o escrivão Pe. José Fernandes Palha, concluiu-se que os irmãos Manuel Coelho Teixeira, Francisco de Fontes Serra, António Lamego Pombeiro, António Rodrigues Sameiro, Manuel Marques do Amaral e Romão Gonçalves Colaço tinham concorrido para o dito suborno, fazendo entrega de escritos a muitos irmãos para que votassem para eleitores em pessoas da sua facção, concorrendo assim para que fossem eleitos irmãos menos zelosos do serviço de Deus e bem da Casa. Considerados culpados, acordou-se que fossem riscados e não mais admitidos como irmãos.[64] Contudo, em nota à margem direita do fólio lê-se “Admitidos como se vê fl. 179”. E com efeito, nesse fólio se transcreve uma ordem, datada de 21 de julho de 1753, emanada do Desembargo do Paço e remetida ao provedor da Santa Casa, José de Brito Lobo, pela qual o soberano ordenava que fossem readmitidos como irmãos Romão Gonçalves, Manuel Marques do Amaral, e outros moradores da cidade, os quais tinham sido culpados de suborno pelo provedor da Misericórdia que então servia, pois, por informação que tinha do provedor da comarca, eram “pessoas beneméritas.”[65]

Os conflitos em torno dos processos eleitorais continuam-se, de tal modo que irmãos há que solicitam a intervenção do poder régio por forma a que se evitem os atropelos à legalidade que, afirmam, se verificavam amiúde. Logo no ano seguinte, em Mesa datada de 11 de julho de 1747, disso nos informa uma provisão de Sua Majestade, na qual se ordenava, por petição dos irmãos da Misericórdia, que o provedor da comarca, Dr. Miguel Francisco Martins, assistisse às eleições do ano de 1748/1749, para que nelas se observasse a forma do Compromisso e se evitassem os distúrbios e inconvenientes que se vinham verificando.[66] E a 26 de julho de 1753, lembremos que as eleições dos mesários se realizavam a 2 de julho, dia em que se comemora a visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel, nova provisão régia ordenava que o juiz de fora, Dr. António José Godinho, por solicitação dos irmãos confrades, assistisse à eleição dos oficiais da Santa Casa, pois que as ditas eleições, havia anos, se faziam “contra a forma do Compromisso”, servindo quase sempre os mesmos mesários.[67] Idênticas providências e por razões análogas se haveriam de tomar, por provisão régia e a solicitação dos confrades, em 1768[68] e 1770.[69] Neste mesmo ano de 1770 foi nomeado bispo de Beja D. Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas. Ausente na Corte, foi, desde logo, provedor da Misericórdia, e foi-o, já presente, a partir de 1777, ano em que fez a sua entrada na cidade de Beja, de novo capital diocesana após um interregno milenar.[70]

Isentas de qualquer jurisdição por parte dos bispos, isso não obstava a que as relações entre misericórdias e clérigos não fossem intensas. Acontecia por vezes que os bispos tinham o cargo de provedor tacitamente cativo, como ocorreu na efémera diocese de Castelo Branco, onde os três bispos diocesanos foram todos provedores da Misericórdia. Também em outras dioceses foi normal o prelado ser provedor, geralmente durante um mandato ou em mandatos interpolados, como soía ocorrer com os possidentes locais.[71]

A primeira referência que encontrámos a D. Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas como provedor da Misericórdia de Beja remete para o ano de 1771: em Mesa realizada na Casa do Despacho, a 25 de julho, o escrivão Romão António de Vargas e Abreu presidiu à dita referindo que “sendo em Mesa eu escrivão em ausência do Excelentíssimo Reverendíssimo Bispo Provedor…”

O novo bispo foi admitido como irmão da Misericórdia a 12 de fevereiro de 1709, o que significa que foi provedor da instituição antes de adquirir a condição de confrade, prática inusitada e que só se compreende pela preeminência de tão ilustre personagem. O termo redigido aquando da admissão de D. Frei Manuel do Cenáculo como irmão diz expressamente que “pellos irmãos foi dito ao Ex.mo e R.mo Senhor Bispo de Beja quizesse ser irmão desta Santa Caza pera credito da mesma e exersitar milhor a pia caridade que tem com os pobres e de servir a Deos e a Nossa Senhora o que visto pello sobredito Senhor Bispo movido do grande zello que tem de servir a Deos ouve por bem aseitar e ser irmão desta Santa Caza…”.[72] Os irmãos mesários tinham perfeita consciências de que a admissão do bispo como irmão era do interesse de ambas as partes: concorreria para crédito da instituição, granjear-lhe-ia notabilidade e respeitabilidade, e, em contrapartida, permitiria ao prelado um melhor exercício das obras de caridade que a Santa Casa prosseguia, pela presumível recepção de esmolas avultadas. Além de que ter o antístite como provedor implicava uma mais efectiva protecção régia, dada a proximidade de Frei Manuel do Cenáculo ao meio cortesão.

Mas o bispo-provedor D. Frei Manuel do Cenáculo não tinha estado inactivo enquanto ausente. Os empréstimos a juros que os possidentes locais logravam na obtenção de créditos por parte das misericórdias, de forma discricionária e fraudulenta, desvirtuando e pondo em causa a missão da instituição, também se verificaram em Beja. Por isso, por solicitação daquele, por decreto datado de 17 de agosto de 1773, D. José mandou que se procedesse à arrecadação das dívidas à Santa Casa da Misericórdia de Beja conforme as seguintes justificações: segundo averiguações que o bispo provedor havia realizado era a Santa Casa suficientemente patrimoniada, mas achava-se reduzida a uma tal decadência que a impossibilitava de cumprir os fins da sua instituição, e isso pelos desvios de dinheiro cuja cobrança aos devedores antigos se revelava dificultosíssima; tinham estes contraído os empréstimos enquanto mesários e persistiam no desempenho de tais funções para assim obstarem às soluções que se lhes solicitavam, “sendo das pessoas mais consideráveis da Cidade”.[73]

A perpetuação em funções de alguns elementos das mesas, senão das mesas em bloco, como ocorreu em Évora, nos finais do século XVI, era uma das denúncias, entre outras, que chegavam ao poder central e determinavam a actuação do poder régio, como ocorreu no exemplo supracitado.[74]

A coexistência de indivíduos provenientes de diferenciados estratos sociais, exercendo, os de segunda condição, os mais variados ofícios, a pouca atractividade de algumas das tarefas para que eram solicitados e que, não poucas vezes, colidiriam com o exercício dos seus mesteres e interesses pessoais, ocasionavam situações de desacato e desrespeito pela instituição e seus oficiais, bem como de recusa de cumprimento de tarefas, situações que ocasionavam, bastas vezes, a expulsão dos irmãos da confraria.

Os funerais eram feitos pelas misericórdias em regime de monopólio, segundo directiva régia, constituindo-se como sua fonte de rendimento. O Compromisso da Misericórdia de Lisboa de 1618, matriz de todos os outros, dedica-lhe todo um capítulo, o XXXV: “Do modo com que se hão de fazer os enterramentos.” Segundo este haveria 3 tumbas na Casa da Misericórdia: uma serviria para enterrar os pobres e pessoas ordinárias, outra para enterrar as pessoas de maior qualidade e uma terceira para enterrar os irmãos e demais pessoas que deviam ser acompanhadas pela irmandade. Haveria ainda um esquife para se enterrarem os escravos falecidos na cidade bem como os sentenciados pela justiça, cujos restos mortais se iriam recolher ao sítio da forca, em acto processional, no dia de Todos-os-Santos, para se lhes dar sepultura em solo sagrado. E aos sentenciados que fossem queimados por crime que não permitisse o seu enterramento em solo sagrado, isto é, os condenados pela Inquisição, mandar-se-ia recolher os ossos não consumidos pelo fogo para que se lhes desse sepultura conveniente.[75]

Sepultavam ainda todos os que, sendo pobres, não dispunham de meios para pagar o enterro, fossem eles os presos ou os desvalidos achados em suas casas, ou pelas ruas, em abrigos precários, palheiros, alpendres. O funeral constituía-se como um ritual de solidariedade ligado à noção de que a “boa morte” nunca se poderia consumar como acto solitário.[76] E numa sociedade pautada pelo privilégio e pela hierarquia o funeral era também o reflexo de uma ordem social que se queria imutável.

Contudo, o transporte da tumba era uma das tarefas mais detestadas, como ocorria na Misericórdia de Setúbal.[77] Também em Beja as recusas à prestação de tal serviço foram frequentes. Em Mesa realizada na Casa do Despacho, em 19 de janeiro de 1710, foi riscado de irmão da Santa Casa José da Costa, mercador, por não cumprir com as suas obrigações, nomeadamente não assistindo às funções de acompanhar a tumba;[78] ainda neste mesmo ano, em Mesa realizada em 26 de Fevereiro, André Fernandes Lança, ferreiro, foi riscado de irmão por não ter cumprido com a sua obrigação de acompanhar a tumba, para o que tinha sido avisado pelo solicitador da Santa Casa, José Lopes; tendo vindo posteriormente à Mesa apresentar suas desculpas, que lhe foram aceites, ao sair encontrou o dito solicitador a quem “descompôs com razões ásperas.”[79] Os próprios clérigos podiam ser objecto de exclusão como ocorreu com o Pe. Pedro Fernandes da Silva, em Mesa realizada em 24 de Outubro de 1744, por não comparecer aos enterros dos irmãos nem às procissões. Foi, contudo, readmitido no ano de 1746, conforme nota redigida à margem direita do fólio.[80] O riscamento de irmãos por não acompanhamento da tumba continua-se: em 18 de agosto de 1754 foram riscados os irmãos Álvaro José da Rosa e António Joaquim Janeiro, sendo-lhes notificado, na forma do Compromisso, capítulo terceiro, causa quarta,[81] que não usassem mais do balandrau;[82]-[83] o irmão Manuel Mestre Crujo, sapateiro, foi riscado por razões que o escrivão da Misericórdia, João Lopes Gago, circunstanciou, pelo seu insólito e por ter sido participante no incidente: tendo comparecido o dito Manuel Mestre Crujo num funeral, ordenou-lhe o dito escrivão que pegasse na tumba, o que recusou fazer apesar das muitas instâncias deste que chegou, inclusive, a rogar-lhe que obedecesse “pelo amor de Deus,” tendo o incidente gerado grande escândalo dentro da Igreja onde se processava a cerimónia. Reunida a Mesa na Casa do Despacho, aos 18 de março de 1767, foi determinado que o dito irmão fosse riscado por desobediente; não só naquela ocasião mas também por não “acudir” a outros enterros nem ao toque do sino.[84]

Outros actos podiam determinar o riscamento de irmãos, como a desobediência aos mandatos que se lhes faziam ou a falta de presença nas procissões. Não só pela sua dimensão cultural, mas também simbólica, os cortejos processionais eram momentos altos na vida das misericórdias. As precedências daqueles que neles participavam, os adereços utilizados, os objectos que se transportavam e quem os transportava, informavam sobre o lugar que cada um ocupava no tecido social, simbolizavam hierarquias e constituíam-se como uma representação alegórica do universo social local. As misericórdias eram fautoras de capital social que as elites locais procuravam utilizar em seu exclusivo proveito, o que conduziu à gradual elitização destas instituições.[85]

Em Mesa realizada a 26 de junho de 1708, deliberou-se que Manuel Rodrigues Tenreiro fosse riscado de irmão da confraria por ter faltado à procissão de Quinta-Feira Santa, não obstante ter-se mandado correr a campa da Misericórdia, para aviso geral, na noite de quarta-feira de trevas, ter-se pedido ao pregador da Quaresma que o solicitasse do púlpito aos irmãos mesários e terem-se enviado avisos escritos àqueles que tinham sido eleitos para levarem insígnias na dita procissão. Manuel Rodrigues Tenreiro era um daqueles a quem se tinha enviado aviso por escrito e, para além de não ter comparecido na dita procissão, constava que tinha vendido ou trazia em venda o trajo de confrade, conclamando que não queria mais ser irmão. Mais deliberaram que fossem riscados José Simões Vargas, Francisco Madeira, João Calado e Manuel Mendes de Oliveira, por deles não constar termo de eleição assinado pelo provedor e demais irmãos, bem como Gaspar Rodrigues Cardador, por não cumprir com as suas obrigações.[86] Em muitos cartórios das misericórdias grassava o desleixo e a confusão, pelo que era possível que alguns elementos se introduzissem nas confrarias sem os trâmites compromissórios atinentes à eleição de irmãos. Por isso se mandaram fazer livros novos, como ocorreu na Misericórdia de Silves, em 1753. Este esforço não se ficou pela admissão de irmãos e, em algumas misericórdias, houve mesmo a preocupação de salvaguardar a memória da instituição, mandando-se copiar os documentos ilegíveis ou em vias de se perderem, como ocorreu na Misericórdia de Beja, que para isso solicitou autorização régia, em 1749.[87] Nem sempre eram causas naturais ou a guerra as responsáveis pela perda ou desaparecimento de documentos, os próprios confrades podiam perpetrar a delapidação cartorial visando, particularmente, os títulos de dívidas.[88]

José da Costa Ribeiro, em Mesa realizada em 14 de julho de 1726, foi riscado por desobediência ao provedor, na forma do Capítulo Terceiro do Compromisso, como o refere o escrivão.[89] Também os irmãos Francisco de Odearce Cabo e António Rodrigues Sameiro foram riscado em Mesa realizada em 21 de junho de 1739 por não “acudirem” à procissão das Endoenças e outras funções daquela Santa Casa, apesar de para isso terem sido muitas vezes avisados, e por vezes, por aviso escrito.[90] Em Mesa realizada em 28 de Abril de 1743, os irmãos Capitão João de Melo, António Xavier de Melo, Diogo Lobo Pessanha, Capitão Manuel Gonçalves Trazola, Capitão António José Palha, João Luís, barbeiro, e Tomás Gonçalves foram excluídos por faltarem às suas obrigações, apesar de avisados e admoestados, dizendo publicamente que as não queriam satisfazer e alguns que não queriam ser irmãos; e que tendo sido avisados para comparecerem na procissão de quinta-feira de Endoenças o não tinham feito.[91] Davam também por excluído o Pe. João Gomes Lança pelas más contas que tinha dado quando servira de escrivão, como foi o ter feito “parcelas duplicadas.” O Pe. João Gomes Lança tinha servido de tesoureiro em 1731/1732 e 1735/1736 e de escrivão em 1740/1741. À excepção do Capitão Manuel Gonçalves Trazola e de João Luís, barbeiro, todos foram readmitidos, como consta em nota redigida à margem direita do fólio: Diogo Lobo Pessanha foi readmitido em 21 de julho de 1746; António Xavier de Melo e o capitão António José Palha foram readmitidos em 30 de julho do mesmo ano; o Pe. João Gomes Lança foi readmitido em 8 de janeiro de 1747 e Tomás Gonçalves foi readmitido em 25 de junho do mesmo ano.[92]

O Pe. João Gomes Lança tinha servido de tesoureiro em 1731/1732 e 1735/1736 e de escrivão em 1740/1741.[93] Readmitido em janeiro de 1747, nesse mesmo ano serviu de novo de escrivão, apesar da sua infamante exclusão, anteriormente verificada. O provedor em 1746/1747 fora João Pessanha de Mendonça Furtado Moreno, em 1747/1748 foi António da Cunha de Brito. A expulsão e a readmissão de irmãos parecem obedecer a alterações na correlação de forças entre facções, numa lógica clientelar. A expulsão não assumia um carácter definitivo, era sempre passível de remissão, o que levou o provedor da Misericórdia de Setúbal, no ano económico de 1615/1616 a queixar-se ao rei do relaxamento de muitos irmãos, acrescentando que a sua exclusão era de eficácia duvidosa, dado que as mesas e os provedores seguintes os readmitiam.[94]

Para além das dissensões inter-pessoais internas, as misericórdias foram, a nível local, partícipes da marcante conflitualidade inter-institucional que caracterizou as sociedades do Antigo Regime. A protecção régia foi então fundamental no dirimir dos conflitos que opuseram as misericórdias a todas as outras instituições locais: com os cabidos, com os párocos e com as câmaras, ainda que estas tenham sido as principais parceiras institucionais das misericórdias. Eram, contudo, conflitos entre instituições que não punham em causa os equilíbrios existentes, eram conflitos entre iguais.[95] A concorrência das ordens terceiras,[96] por um lado, e as leis pombalinas, por outro, vieram quebrar um longo período pautado pelo diálogo entre o poder régio e as misericórdias, pondo fim à autonomia destas e inaugurando uma situação de tutela e ingerência estatal.[97] A primeira nomeação régia do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ocorreu em 1755, e daí até 1812 não houve mais eleições. Mas não foi apenas em Lisboa que se assitiu à intervenção do poder central na vida da Misericórdia, o mesmo também ocorreu em Bragança, em 1754, e, nas décadas seguintes, no Porto, em Braga, em Coimbra e, decerto, em muitas outras.[98]

A imanente conflitualidade presente na vivência das misericórdias, e o consequente e permanente recurso aos tribunais régios e ao poder arbitral dos monarcas, facilitou e legitimou a penetração do poder régio e do direito letrado nas comunidades locais, tão ciosas dos seus privilégios. Laurinda Abreu concede uma particular ênfase às misericórdias como instrumentos de afirmação do poder régio, o que em muito contribuiu para a afirmação do Estado Moderno. Foi sob a alçada do soberano que, quer na metrópole, quer no império, as políticas assistenciais e de saúde se configuraram e se sistematizaram, o que alargou e afirmou a presença régia, tornando-a mais presente e actuante. Nas disputas entre poder central e poder local a coroa utilizou as misericórdias como espaços de poder institucional, ainda que nunca as configurasse como instituições estatais, o que lhe permitiu um reforço da sua autoridade. E sem dispêndios financeiros, pois foi a coroa que largamente beneficiou dos vultuosos capitais acumulados pelas principais misericórdias do reino, ao impor-lhes o gasto de elevadas quantias na compra de padrões de juro, como forma de se financiar, o que em muito contribuiu para o depauperamento financeiro e decadência de muitas daquelas instituições.[99]

Se as irregularidades verificadas na vivência das misericórdias foram de molde a afastar as elites locais da sua gestão tal deverá entender-se como consequência da legislação restritiva e crescente fiscalização, bem como pela perda de atractivos financeiros, dado o declínio daquelas instituições.[100]

Já nos princípios do século XVIII surgem indícios do que se generalizaria a partir de meados do mesmo século: a não aceitação pelas elites locais dos cargos e funções que lhes eram propostos. E as misericórdias, num contexto de grandes dificuldades económicas e financeiras, pouco poderiam oferecer. Outros grupos ascendiam agora a posições de mando, prenunciando a nova ordem social que não tardaria.[101]

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

Fontes manuscritas

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Dicionários

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[1] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “Misericórdias”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, dir. de Carlos Moreira Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, p. 200.

[2] Cf. Laurinda Abreu, A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1575 – Aspectos de Sociabilidade e Poder, Setúbal, Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, 1990, p. 23. Disponível em http://hdl.handle.net/10174/1969. Consultado em 08/12/2020.

[3] Cf. idem, ibidem, pp. 23-24.

[4] Cf. Laurinda Abreu, “Misericórdias: Patrimonialização e Controlo Régio (Séculos XVI e XVII), in Ler História, N.º 44, Dir. Miriam Halpern Pereira, Lisboa, Ler História – Associação de Actividades Científicas, 2003, p. 14.

[5] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “Misericórdias”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, p. 201.

[6] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “As Misericórdias da Fundação à União Dinástica”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 1: Fazer a História das Misericórdias, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2002, pp. 42-43. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8630. Consultado em 21/12/2020.

[7] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 46.

[8] Cf. Laurinda Abreu & José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5: Reforço da interferência régia e elitização: o governo dos Filipes, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2006, p. 11. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8635. Consultado em 21/12/2020.

[9] Cf. Isabel dos Guimarães Sá & José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 3: A Fundação das Misericórdias: o Reinado de D. Manuel I, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2004, p. 14 Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8634. Consultado em 21/12/2020.

[10] Vd. Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 3: A Fundação das Misericórdias: o Reinado de D. Manuel I, pp. 435-436. Consultado em 9/12/2020.

[11] Cf. André Ferrand de Almeida, “Os Equilíbrios Sociais do Poder – As Misericórdias”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 3.º vol., No Alvorecer da Modernidade (1480-1620), coord. de Joaquim Romero Magalhães, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 192-193.

[12] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, p. 12.

[13] Cf. Maria Marta Lobo de Araújo e José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 6, Estabilidade, grandeza e crise: da Restauração ao final do reinado de D. João V, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2007, p. 11. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8636. Consultado em 22/12/2020.

[14] Nem sempre assim ocorria, podendo esta paridade ser distorcida, a contrario sensu das determinações regimentais. Na Lousã, em 1794, são eleitos o provedor, o escrivão, o tesoureiro e mais 11 irmãos, 4 de maior condição e 7 de menor condição. Esta situação repetiu-se ao longo da década de noventa e em 1796 foram eleitos 9 irmãos de menor condição e apenas 2 de maior condição. Cf. Maria do Rosário Castiço de Campos, op. cit., p. 186.

[15] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, Beja XX Séculos de História de uma Cidade, Tomo I, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1988, pp. 428-429.

[16] Cit. Compromisso da Misericordia de Lisboa, Lisboa, Pedro Crasbeeck, 1619, fl. 1. Disponível em http://purl.pt/13349/2/. Consultado em 09/10/2019.

[17] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “A Assistência: As Misericórdias e os Poderes Locais”, in História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia), dir. de César Oliveira, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 136.

[18] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, p. 71.

[19] Cf. Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5: Reforço da interferência régia e elitização: o governo dos Filipes, p. 89. Consultado em 09/12/2020.

[20] Cf. Compromisso da Misericordia de Lisboa, fl. 1vº.Consultado em 09/10/2019.

[21] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, op. cit., pp. 136-137.

[22] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “As Confrarias e as Misericórdias”, in História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia), dir. de César Oliveira, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 60.

[23] Cf. Laurinda Abreu, “Misericórdias, Estado Moderno e Império”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 10, Novos Estudos, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2017, p. 255. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/22166. Consultado em 17/12/2020.

[24] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, p. 75.

[25] Cf. Rute Maria Lopes Pardal, “As relações entre as Câmaras e as Misericórdias: exemplos de comunicação política e institucional”, in Os Municípios no Portugal Moderno – Dos forais manuelinos às reformas liberais, Ed. Mafalda Soares da Cunha e Teresa Fonseca, Lisboa, Edições Colibri e CIDEHUS-EU, 2005, p.139 e pp. 144-145.

[26] Cf. idem, ibidem, p. 145.

[27] Cf. Laurinda Abreu, “Câmaras e Misericórdias”, in Os Municípios no Portugal Moderno – Dos forais manuelinos às reformas liberais, Ed. Mafalda Soares da Cunha e Teresa Fonseca, Lisboa, Edições Colibri e CIDEHUS-EU, 2005, pp. 127-138.

[28] Cf. Nuno Gonçalo Monteiro, “Os Concelhos e as Comunidades”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, 4.º vol., O Antigo Regime (1620-1807), coord. de António M. Hespanha, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 308-309.

[29] Cf. Maria Antónia Lopes, Perfis Sociais dos Provedores e Escrivães da Misericórdia de Coimbra (1700-
-1833)
, Faculdade de Letras e Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, 2011, p. 2. Disponível em
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[30] Cf. André Ferrand de Almeida, art. cit., pp. 185-186.

[31] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, p. 45.

[32] Vd. Doc. 251, transcrito in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 3: A Fundação das Misericórdias: o Reinado de D. Manuel I, pp. 435-436. Consultado em 9/12/2020.

[33] Também o acto fundacional da Misericórdia de Évora foi a realização de uma procissão. Cf. Isabel dos Guimarães Sá & José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 3: A Fundação das Misericórdias: o Reinado de D. Manuel I, p. 18. Consultado em 21/12/2020.

[34] Cf. Manuel Lourenço Casteleiro de Goes, op. cit., pp. 428-429.

[35] Cf. C. R. Boxer, O Império Marítimo Português (1415-1825), Lisboa, Edições 70, 1992, p. 279.

[36] Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas foi lente em Coimbra, colaborou nas reformas pombalinas do ensino, presidiu à Junta de Providência Literária, à Real Mesa Censória e à Junta do Subsídio Literário e foi confessor do príncipe herdeiro D. José. Nomeado bispo de Beja em 1770, só ocupou a cátedra diocesana em 1777, após o falecimento de D. José I. Cf. António José Saraiva, “Cenáculo Villas Boas, Frei Manuel do”, in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, pp. 550-551.

[37] De entre os Livros da Receita e Despesa da Santa Casa da Misericórdia de Beja, existentes no acervo documental do AHMB, não foi possível consultar, devido ao mau estado de conservação, os referentes aos seguintes anos: 1723/1724, 1725/1726, 1736/1737, 1745/1746, 1750/1751, 1752/1753, 1756/1757, 1762/1763, 1765/1766 e 1772/1773.

[38] Cit. Compromisso da Misericordia de Lisboa, p. 25. Consultado em 03/10/2019.

[39] Cf. AHMB, Vereações, Lvo 109, fl. 41.

[40] Cf. AHMB, idem, Lvº 133, fls. 21-22.

[41] Cf. Livro do Quatro e Meio por Cento, PT/ADBJA/AL/CMBJA/F-A/002/0074, fl. 32.

[42] Cf. Maria Antónia Lopes, op cit., p. 9. Consultado em 11/10/2019.

[43] Cf. Rui Santos, “Senhores da terra, senhores da vila: elites e poderes locais em Mértola no século XVIII”, in Análise Social, Vol. XVIII (121), 1993 (2. °), pp. 362. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223290740B3aBB8jk7Nu42SY1.pdf. Consultado em 11/10/2019.

[44] Cf. José Damião Rodrigues, Poder Municipal e Oligarquias Urbanas – Ponta Delgada no Século XVII, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1994, pp. 177-178.

[45] Compromisso da Misericórdia de Lisboa

“Dos preuilegios a esta Santa Confraria concedidos por elRey nosso senhor. Capitulo xxi”

“Primeiramente queremos e nos praz que aquelles treze oficiaes da mesa que em cada huũ ãno e mes seruirẽ a dita confraria e pera o seruiço della forem emleitos segũdo forma do dito cõpromisso. sejam o tempo em que assy seruirẽ preuilegiados e escusos do todos os carregos e officios do conçelho. E queremos que nom sejã pera elles nem cada huũ delles constrangidos. E bem assi queremos que lhes nõ sejam tomadas suas casas de moradia. adegas nem estrebarias pera nellas pousarem nenhũas pessoas que sejã. saluo por nosso especial mandado. E outrosy queremos que sejã escusos de pagarem em nenhũas peitas. fintas. talhas. pedidos. nem sejã lançadas per nenhũa guisa que seja. o ãno ou mes em que assi forẽ oficiaes. Nem lhes tomẽ roupa de cama pera apousentadoria. nem outras nenhũas cousas do seu contra suas vontades.” Cf. Compromisso da Misericórdia de Lisboa, PT/ADBJA/MIS/SCMBJA/A/001/0001 – 1546 – D2/E9/P1/ Cx. 0001, fls. xiiii-xv.

[46] Cf. Rui Santos, art. cit., p. 367. Consultado em 08/10/2019.

[47] Cf. idem, ibidem, p. 362. Consultado em 08/10/2019.

[48] Cf. Maria José Queirós Lopes, Misericórdia de Amarante, Contribuições para o seu Estudo, Porto, Ed. de autor, 2004, p. 44.

[49] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “As Confrarias e as Misericórdias”, in História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia, p.58.

[50] Cf. José Damião Rodrigues, op. cit., pp. 181-182.

[51] Cf. Rute Maria Lopes Pardal, art. cit., p. 143.

[52] Cf. Maria Antónia Lopes, “As Misericórdias de D. José ao final do século XX”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 1: Fazer a História das Misericórdias, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2002, p. 79. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8630. Consultado em 10/12/2020.

[53] Cf. Lisbeth Rodrigues, “O Incumprimento do Crédito no Século XVIII: o Caso da Misericórdia de Lisboa”, in Finanças, Economia e Instituições no Portugal Moderno: Séculos XVI-XVIII, org. de Bruno Lopes e Roger Lee de Jesus, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019, pp. 233-234.

[54] Cf. idem, ibidem, pp. 235-236.

[55] Cf. Maria Antónia Lopes, art. cit., p. 80. Consultada em 11/12/2020.

[56] Cf. Cf. Laurinda Abreu, A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1575 – Aspectos de Sociabilidade e Poder, p. 142. Consultado em 11/12/2020.

[57] Cf. Maria Marta Lobo de Araújo, “As Misericórdias Portuguesas enquanto Palcos de Sociabilidades no Século XVIII”, in História – Questões e Debates, n.º 45, Curitiba, Editora Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 161. Disponível em http://hdl.handle.net/1822/8769. Consultado em 11/12/2020.

[58] Cf. Maria Antónia Lopes, art. cit., p. 83.

[59] Cf. Laurinda Abreu, “Misericórdias: Patrimonialização e Controlo Régio (Séculos XVI e XVII), in Ler História, N.º 44, p. 17.

[60] Cf. Laurinda Abreu, “Misericórdias, Estado Moderno e Império”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 10, Novos Estudos, p. 267. Consultado em 17/12/2020.

[61] Cf. Laurinda Abreu, “As Misericórdias de Filipe I a D. João V”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 1: Fazer a História das Misericórdias, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2002, p. 50. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8630. Consultado em 21/12/2020.

[62] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “Misericórdias”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, p. 202.

[63] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fls. 115vº-116.

[64] Cf. idem, ibidem, fl. 163.

[65] Cf. idem, ibidem, fl. 179.

[66] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 165.

[67] Cf. idem, ibidem, fls. 178-178vº.

[68] Cf. idem, ibidem, fl. 217vº.

[69] Cf. idem, ibidem, fl. 223vº.

[70] O primeiro bispo de Beja de que existe registo documental foi Apríngio, depois reverenciado como Santo Apríngio. Foi ele quem inaugurou, em 531, o período visigótico da sede episcopal da então Pax Julia. O domínio muçulmano da Península Ibérica pôs fim à diocese na primeira metade do século VIII. Na sequência do reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, em 1770, D. José I propôs a criação de três dioceses, entre as quais a de Beja, o que se veio a concretizar a 10 de Julho desse mesmo ano pelo Breve do Papa Clemente XIV Agrum Universalis Ecclesiæ. Foi primeiro bispo da diocese restaurada D. Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas o qual só veio a entrar solenemente na diocese de Beja em 22 de abril de 1777, após a morte de José I ocorrida em fevereiro desse ano. Cf. Pe. Luís Miguel Taborda Fernandes, coord., Pe. António Mendes Aparício & Pe. José Maria Afonso Coelho, A Diocese de Beja no Agrum Universalis Eclesiæ – Nos 250 anos da Restauração da Diocese de Beja (1770-2020), Lisboa, Paulus Editores, 2020, pp. 15-16 e pp. 29-30.

[71] Cf. Maria Antónia Lopes, art. cit. p. 86.

[72] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 247vº.

[73] Cf. idem, ibidem, fl. 236vº.

[74] Cf. Laurinda Abreu, “O Papel das Misericórdias na Sociedade Portuguesa de Antigo Regime”, in Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo: história e património, coord. Jorge Fonseca, Lisboa, Tribuna da História/Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo, 2008, p. 37.

[75] Compromisso da Misericordia de Lisboa, fls. 33vº-34vº. Consultado em 15/12/2020.

[76] Cf. Maria Marta Lobo de Araújo, art. cit., p. 169.

[77] Cf. Laurinda Abreu, A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1575 – Aspectos de Sociabilidade e Poder, p. 154. Consultado em 15/12/2020.

[78] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 81.

[79] Cf. idem, ibidem, fl. 81vº.

[80] Cf. idem, ibidem, fl. 155.

[81] O Cap. Terceiro do Compromisso da Misericórdia de Lisboa de 1618, a que nos vimos reportando, tem por título “Das cousas porque hão de ser despedidos os Irmãos”, e a causa quarta refere: “A quarta causa he serem desobedientes ao Prouedor, & mesa, repugnando ao que lhe ordenão sem terem legitima causa, que os escuze.” Anote-se o cuidado em fundamentar as decisões conforme o preceituado legal exarado no Compromisso, documento matricial de todas as misericórdias e fundamento da sua institucionalidade e dignidade jurídica. Cf. Compromisso da Misericordia de Lisboa, fls. 3vº-5.

[82] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 181vº.

[83] Balandrau: vestimenta antiga com capuz e mangas largas, à moda mourisca, usada pelos irmãos das misericórdias e ordens terceiras. Cf. Antonio de Moraes Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, Tomo I, p. 309.

[84] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 215.

[85] Cf. Laurinda Abreu & José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5: Reforço da interferência régia e elitização: o governo dos Filipes, pp. 27-28. Consultado em 22/12/2020.

[86] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 76.

[87] Cf. Maria Marta Lobo de Araújo e José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 6, Estabilidade, grandeza e crise: da Restauração ao final do reinado de D. João V, p. 15. Consultado em 22/12/2020.

A carta régia, datada de 17 de junho de 1749, na qual se autoriza a cópia dos documentos ilegíveis ou em vias de se perderem, pois que “(…) se achava o seu cartorio com muitas escripturas, quazi não intelegiveis; de que resultava hũ irreparavel damno â mesma Mizericordia, e seu pio instituto…”, acha-se apensa ao fólio 1 do Livro das Provisões da Santa Casa da Misericórdia de Beja, PT/ADBJA/MIS/SCMBJA/A/002/0002 (1501-1820), Cx. 0001.

[88] Cf. Maria Antónia Lopes e José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 7, Sob o signo da mudança: de D. José I a 1834, coord. José Pedro Paiva, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2008, p. 11. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/8638. Consultado em 26/12/2020.

[89] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos fls. 111vº-112.

[90] Cf. idem, ibidem, fls. 133vº-134.

[91] Para além das festas de Santa Isabel, as misericórdias investiam particularmente nas celebrações da Semana Santa: era na quinta e sexta-feira que se realizavam as procissões mais grandiosas. A de Quinta-
-Feira Santa, ou das Endoenças, obrigava à presença de toda a irmandade: o cortejo processional saía de tarde e só regressava já noite, prolongando-se até tarde em muitas misericórdias. Cf. Maria Marta Lobo de Araújo, art. cit., pp. 161-163.

[92] Cf. AHMB, SCMB, Acórdãos, Eleições e Admissão de Irmãos, fl. 151.

[93] Vd. Quadro 1 – Misericórdia de Beja / Provedores, Tesoureiros e Escrivães.

[94] Cf. Laurinda Abreu, op. cit., pp. 154-155.

[95] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “As misericórdias nas Sociedades Portuguesas do Período Moderno”, in Cadernos do Noroeste. Série História, 15:1-2, Universidade do Minho. Centro de Ciências Históricas e Sociais, 2001, p. 344 Disponível em http://hdl.handle.net/1822/3352. Consultado em 19/02/2020.

[96] A insistência das ordens terceiras em enterrar os seus confrades foi causa de inúmeros conflitos com as misericórdias, já que estas tinham os enterros como seu privilégio e encaravam-nos como uma das suas principais funções e importante fonte de rendimentos. Cf. Maria Antónia Lopes e José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 7, Sob o signo da mudança: de D. José I a 1834, p. 20. Consultado em 28/12/2020.

[97] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “Misericórdias”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, p. 202.

[98] Cf. Maria Antónia Lopes e José Pedro Paiva, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 7, Sob o signo da mudança: de D. José I a 1834, p. 12 e p. 15. Consultado em 26/12/2020.

[99] Cf. Laurinda Abreu, “Misericórdias, Estado Moderno e Império”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 10, Novos Estudos, pp. 276-277. Consultado em 28/12/2020.

[100] Cf. Maria Antónia Lopes e José Pedro Paiva, art. cit.., p. 21. Consultado em 28/12/2020.

[101] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, “As Misericórdias da Fundação à União Dinástica”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 1: Fazer a História das Misericórdias, p. 55. Consultado em 29/12/2020.

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