A COMERCIALIZAÇÃO DO TRIGO NA BEJA SETECENTISTA

De entre os produtos transaccionados na área concelhia os cereais, particularmente o trigo (pão, na antiga gíria alentejana), eram, de longe, os que assumiam uma maior importância, já pelo volume da sua produção, o termo de Beja tinha particulares condições para o seu cultivo, já pela sua importância como principal sustento da população. A sua comercialização era, pois, objecto de particular minúcia jurisdicional e o seu trânsito para fora da área concelhia severamente condicionado ou até de todo impedido em anos de maior escassez.

O Terreiro do Trigo funcionava como único depósito e posto de venda de todo o trigo entrado na cidade, e era a partir de lá que se desencadeavam as estratégias de superação das dificuldades de provimento surgidas em anos de escassa produção, as quais passavam pela proibição da sua saída do espaço citadino, pelo reforço das guardas, feitura de registo e requisições e inventário das reservas. Lisboa, principal centro importador e consumidor de trigo, possuía o seu Terreiro situado entre o Terreiro do Paço e a Praça da Ribeira, em espaço cedido para esse fim por D. Manuel I, em 1519.

O de Beja situava-se em recinto fechado, nos vãos das Casas da Câmara sitas na Praça Grande. As medideiras, eleitas em Câmara, eram as mulheres encarregadas da venda de trigo e farinha no dito Terreiro. Também elas, como os demais vendeiros, eram obrigadas à renovação semestral das suas licenças. Em vereação realizada em 7 de julho de 1668, tendo-se dado todas as licenças por quebradas, do que se mandou lançar pregão pela cidade, foram chamadas à Câmara as medideiras do Terreiro do Trigo, as quais depuseram as chaves do mesmo sobre a mesa e, desse modo, dadas como despedidas, para de seguida, na forma do estilo, lhes serem as ditas chaves restituídas e, assim, de novo providas no seu ofício. O mesmo cerimonial nos é descrito em termo de vereação realizada em 23 de março de 1675, com a particularidade de aqui se informar que o provimento se renovava por “se informarem e acharem que as ditas medideiras faziam sua obrigação e seu ofício bem feitos.”

Eram os únicos agentes do comércio local eleitos em Câmara, o que diz bem do particular cuidado que a governança local punha na comercialização dos cereais. A eleição era feita em gente que demonstrasse particulares qualidades de seriedade e rectidão de costumes, recaindo por vezes em familiares. Em vereação realizada em 20 de maio de 1752, foi eleita para medideira Maria Josefa, filha de Catarina de Sacramento, que tinha servido o mesmo ofício por muitos anos e com boa satisfação.

Os preços dos cereais eram definidos em Câmara, todos os anos, em modalidade que acabou, em Beja, por cristalizar a partir de 1745. A partir de então, passou a fazer-se, com raríssimas excepções, no dia 15 de agosto, dia de Santa Maria, dia culminante da grande feira anual de “São Lourenço e Santa Maria”, a qual marcava o findar do ano agrícola. Nesse dia eram chamados à Câmara os 2 avaliadores do Concelho, 2 lavradores do termo concelhio e 2 homens de negócios que, juntamente com os oficiais camarários, juiz de fora, vereadores e procurador do Concelho, entre si assentavam o preço do trigo. As cotações do mercado de trigo e, no dizer de Casteleiro de Goes, também de cevada, que a Câmara fazia certificar e que haveriam de ser tomadas nas equivalências de redução a dinheiro dos foros e rendas em espécie, eram chamados preços de Santa Maria. No espaço temporal que medeia entre 1745 e 1780 não possuímos informação sobre os anos de 1748, 1750, 1760, 1765, 1766, 1767, 1768 e 1769. No ano de 1753, excepcionalmente, compareceram em Câmara, para além de um avaliador do Concelho, 2 procuradores do povo, 4 lavradores do termo e 4 homens de negócio. A presença de 2 avaliadores nem sempre se efectivou; nos anos de 1747, 1754, 1755, 1757, 1759, 1761, 1773, 1775 e 1780 os termos de vereação referem a presença de um só avaliador.

O avaliador e partidor dos órfãos era o oficial menor encarregado da avaliação dos bens dos órfãos e dos inventários e de compor os montes (lotes) das partilhas, isto é, da massa hereditária.

Os ofícios de avaliador do Concelho e partidor dos órfãos, que usualmente andavam ligados, tinham, como outros ofícios camarários, carácter patrimonial e hereditário. Em vereação realizada em 17 de março de 1722, por Rui Gomes Cerejo de Andrade ter desistido de exercitar os supracitados ofícios, foi nomeado seu proprietário António Ribeiro da Cruz, alferes de Cavalaria, por estar casado com D. Margarida de Mendonça, filha legítima do mesmo Rui Gomes Cerejo de Andrade, e ter os requisitos necessários para servir os ditos ofícios. O mesmo Rui Gomes Cerejo de Andrade tinha solicitado ao senado camarário, em vereação realizada em 14 de março de 1690, que lhe fizesse mercê dos mesmos ofícios que seu pai, Luís Cerejo de Andrade, já havia exercido, petição que lhe foi deferida. Em vereação realizada em 20 de junho de 1768, por se acharem vagos os ofícios de avaliador do Concelho e partidor do juízo dos órfãos, por falecimento do proprietário em exercício, José Rodrigues Perdigão, foram os mesmos providos na pessoa de seu irmão João António da Lança Perdigão, por concorrerem nele os requisitos necessários. Contudo, no ano seguinte, em vereação realizada em 11 de janeiro, foram os mesmo ofícios dados em propriedade a Teresa Antónia Eufrásia, filha única do falecido José Rodrigues Perdigão, ficando esta obrigada a nomear pessoa idónea que os servisse.

Avaliadores do Concelho

Avaliadores do Concelho

Anos em que participaram no assentamento do preço do trigo

António de Sousa e Brito

1777

António José dos Santos e Brito

1778, 1779, 1780

António Lamego Pombeiro

1744, 1745, 1746, 1749, 1751, 1752, 1753, 1755, 1756

Braz Gonçalves Pinto

1756, 1758, 1759, 1761, 1762, 1763, 1764, 1770, 1772, 1773, 1774, 1775, 1776

Francisco Mestre Cordeiro

1751

José Godinho Toscano

1744, 1745, 1746, 1747, 1749, 1752

José Rodrigues Perdigão

1757, 1758, 1762, 1764

Luís José de Carvalho

1772, 1774, 1776, 1777, 1778, 1779

Manuel da Silva Cardoso

1754

 

Que perfil sociológico tinham os avaliadores que assistiram aos assentamentos dos preços do trigo entre 1744 e 1780? Braz Gonçalves Pinto foi arrolado, nas eleições dos oficiais camarários realizadas para o triénio de 1768/1769/1770, entre aqueles que não tendo ainda servido de procurador da Câmara tinham capacidade para o ser; José Godinho Toscano tinha servido de tesoureiro da Câmara no ano de 1743 e de procurador do Concelho no ano anterior; José Rodrigues Perdigão servira de procurador no ano de 1755 e de almotacé em 1743. Foi arrolado como procurador nos triénios de 1753/1754/1755 e de 1768/1769/1770 e tinha servido de procurador substituto em vereações realizadas nos anos de 1738 e 1757; Manuel da Silva Cardoso foi eleito como representante do povo para a Junta da Superintendência das Décimas no ano de 1762. Presente em vereação para o assentamento do preço do trigo no ano de 1754, na condição de avaliador, voltou a estar presente para esse mesmo fim nos anos de 1777 e 1778, mas agora na condição de homem de negócio.

Eram, pois, homens que participavam na governança citadina e que se situavam naquela mancha difusa, de contornos imprecisos, entre a nobreza local e as camadas populares.

Os lavradores do termo, presentes em número de 2, integravam elementos da nobreza local, partícipes na governança citadina ao mais alto grau, almotacés e vereadores, e outros sobre os quais escasseiam os dados biográficos, sinal da sua pouca notoriedade ao nível da administração concelhia. Foi o assentamento do preço anual do trigo o único momento de partilha de poder que encontrámos entre a oligarquia local e gente do termo. Era o trigo a principal mercadoria transaccionada na praça citadina e era o agro circundante o seu produtor; estando em causa o seu apreçamento, a gente da governança não se podia eximir em chamar à colação os grandes produtores, ainda que também eles, oligarcas, tivessem a lavoura como sua principal ocupação e se contassem entre eles, porventura, os maiores produtores de cereais. A relação entre o espaço urbano e o rural foi sempre fundada na desigualdade. No dizer de Fernand Braudel não “há cidade nem vila que não tenha as suas aldeias, o seu naco de vida rural anexa, que não imponha ao seu plat pays as comodidades do seu mercado, a utilidade das suas lojas, dos seus pesos e medidas, dos seus prestamistas, dos seus juristas, até das suas distracções. Para existir, ela tem que dominar um império, por minúsculo que seja.”

Conforme o quadro abaixo, foram participantes no acto do assentamento do preço anual do trigo, entre 1745 e 1780, 36 indivíduos, dos quais 16 foram vereadores. Foi um deles, José Estevens Mendes Tomás, quem mais participou no acto, 7 vezes.

Lavradores do Termo / Assentamento do preço do Trigo

Lavradores do Termo

Presenças

Desempenhos

Afonso Bernardo Mimoso

1749, 1757

----------------------------------

Afonso Mendes Bolarte

1753, 1761

----------------------------------

António da Cunha de Brito

1755, 1756

Almotacé e vereador

António da Mota Ribeiro (Capitão)

1777

----------------------------------

António da Rosa Ribeiro

1762

----------------------------------

António Dias Janeiro (Capitão)

1771, 1775, 1777

----------------------------------

Baltazar Afonso Pereira

1776

Almotacé e vereador

Baltazar José Gomes Coelho

1761

Vereador

Bento de Barros e Beja (Capitão)

1753

----------------------------------

Estêvão Martins, da Herdade de Vale de Pães, Freguesia de São Matias.

1747

----------------------------------

Filipe Baião

1762

----------------------------------

Francisco de Brito Lobo

1770

Almotacé e vereador

Francisco de Odearce Cabo

1764, 1772

Almotacé e vereador

Francisco Martins

1763, 1776

----------------------------------

Francisco Mestre

1757

----------------------------------

Francisco Xavier Cordeiro

1759

----------------------------------

Gaspar Lopes Lança Pegas de Beja

1780

Almotacé, vereador, provedor da Misericórdia

Inocêncio de Brito Lobo

1754, 1755, 1758

Almotacé, vereador, tesoureiro da Misericórdia

João Cardeira

1751

----------------------------------

João Crisóstomo do Amaral

1778

Almotacé, vereador, sargento-mor das ordenanças da Comarca

João do Cabo Fevereiro

1773, 1775, 1779

Almotacé e vereador

Joaquim António Pinto Pimenta

1774

Vereador

José Baião, do Monte da Torre de Baixo, da Freguesia de Quintos

1746

----------------------------------

José de Melo Raposo

1763

----------------------------------

José Estevens Mendes Tomás

1761, 1764, 1770, 1771, 1773, 1774, 1779

Almotacé e vereador

José Rodrigues, do Monte de Trigo

1746

----------------------------------

Luís de Goes de Freitas

1751

----------------------------------

Luís do Cabo Fevereiro

1779

Almotacé e vereador

Luís Gonçalves Namorado

1753, 1759

----------------------------------

Manuel do Cabo de Arce Franco (Doutor)

1772

Almotacé e vereador

Manuel do Cabo Odearce

1752, 1753, 1754

Almotacé e vereador

Manuel do Cabo Odearce Franco

1778

Vereador

Manuel Rodrigues de Negreiros

1752

----------------------------------

Romão da Costa Carrilho Freire

1780

Almotacé, vereador, sargento-mor das ordenanças da Comarca

Sebastião Lopes Sardinheiro

1745, 1749

----------------------------------

Vasco Estevens Ganhoteiro

1745, 1758

----------------------------------

 

Qual o perfil sociológico dos não pertencentes à nobreza local?

António da Mota Ribeiro foi fiador e principal pagador de Vicente da Palma que arrematou as carnes, bem como a sisa das mesmas, no ano de 1748;

Francisco Martins, da Herdade da Abóbada, foi eleito, no ano de 1739, recebedor do quatro e meio por cento na Freguesia de Ervidel. No ano de 1750 foi fiador de Francisco da Silva Borges, que nesse ano arrematou as Lezírias de São Lourenço por 60 galinhas em cada ano;

Francisco Mestre, no ano de 1730, foi eleito fintor da finta para a criação dos enjeitados na Freguesia de Quintos;

Francisco Xavier Cordeiro foi eleito tesoureiro do quatro e meio por cento no ano de 1759;

João Cardeira, da Freguesia de Baleizão, foi um dos homens a quem se mandou deitar cavalo no ano de 1743. Foi colectado, no ano de 1758, em 60 réis pelas casas, em 100 réis pelas pousadas, em 200 réis por uma vinha e em mais 80 réis por mais 2 moradas de casas;

José de Melo Raposo, também da Freguesia de Baleizão, foi colectado, no ano de 1758, em 30 réis por umas casas, em 120 réis por outras casas e em 240 réis por uma vinha;

Luís de Goes de Freitas foi fiador e principal pagador de Fernando da Fonseca de Goes, eleito tesoureiro e recebedor do cabeção das sisas e bens de raiz no ano de 1754;

Manuel Rodrigues de Negreiros, da Freguesia da Represa, foi um dos homens a quem se mandou deitar cavalo no ano de 1743;

Vasco Estevens Ganhoteiro, da Freguesia de Vilas Boas, foi também um daqueles a quem se mandou deitar cavalo no ano de 1743. No Livro do Quatro e Meio por Cento relativo ao ano de 1758, surge referenciado como sendo morador na Rua da Branca, estando colectado em 200 réis pelas suas pousadas;

Das escassas referências biográficas conseguidas sabemos que 3 foram fiadores de outrem, sinal de abastança, desafogo económico e credibilidade junto do poder camarário; 4 assumiram responsabilidades financeiras, delegadas pela Câmara, na área das respectivas freguesias; a 3, por razões de ordem militar, foram deitados cavalos no ano de 1743. A posse de cavalo não conferia por si só nobreza, mas era atributo atinente e necessário a essa condição. Determinavam-se as armas e os cavalos que cada um deveria ter em conformidade com velhos princípios de desigualdades legais e de privilégios e em função dos níveis de riqueza ostentados: bens de raiz, móveis e semoventes, dinheiro e valia de ofícios de justiça ou fazenda.

Também os homens de negócio compareciam aos pares ao acto do assentamento do preço anual do trigo, com a ressalva do ano de 1753, em que compareceram 4. Da observação do quadro abaixo duas conclusões imediatas se nos deparam: primeiro, entre eles não há vereadores. Se o exercício da lavoura era actividade compatível com o estatuto de nobre, não o era a actividade comercial, não obstante a política pombalina o ter assim considerado, preceito cuja aceitação e generalização foi morosa, como é aqui patente, pois que no espaço temporal em análise cabe todo o reinado josefino; segundo, existe menor alternância entre os homens de negócio do que entre os lavradores do termo, pelo que se a presença destes no assentamento dos preços se cifrou em 1,6 vezes, em média, a presença dos homens de negócio foi de 3,6 vezes. O capitão António Antunes Rasquinho compareceu 11 vezes; João Bernardo Neto e Manuel Gerardo Monteiro compareceram 7 vezes; António de Castro Henriques, António de Oliveira Marques e Salvador Gonçalves Franco compareceram 5 vezes.

Para os homens de negócio não existe a condição expressa de que sejam do termo. De 10 sabemos serem residentes em Beja e 1 residente em Cuba. Eram, pois, maioritariamente, homens de extracto urbano, com maior protagonismo nas tarefas da governança camarária, mormente naquelas relativas à colecta e à administração fiscal, dada a sua condição de homens familiarizados com a burocracia e o mundo da escrita.

Homens de Negócio / Assentamento do preço do Trigo

Homens de Negócio

Presenças

Afonso Mendes Bolarte

1761

António Antunes Rasquinho (Capitão)

1746, 1747, 1751, 1752, 1755, 1756, 1758, 1759, 1771, 1773, 1777

António Cabrita Pinheiro

1745

António de Castro Henriques

1756, 1757, 1758, 1759, 1762

António de Oliveira Marques

1770, 1773, 1774, 1775, 1776

António Henriques Dória

1762, 1772

Diogo Ribeiro Henriques

1752, 1753, 1754

João Bernardo Neto

1753, 1755, 1757, 1761, 1763, 1764, 1772

João Manuel da Veiga

1780

José Guerreiro

1749

José Magro da Silva (Capitão)

1778, 1779, 1780

Manuel da Silva Cardoso

1777, 1778

Manuel Gerardo Monteiro

1754, 1770, 1771, 1774, 1775, 1776, 1779

Marcos Rodrigues Veiga

1753, 1763, 1764

Rodrigo Gonçalves Colaço

1746

Salvador Gonçalves Franco

1745, 1747, 1749, 1751, 1753

 

Pela sua condição maioritariamente urbana, e pelas tarefas de que eram incumbidos, possuímos sobre eles uma maior informação biográfica do que aquela que nos foi dado verificar sobre os lavradores do termo, com a exclusão, óbvia, daqueles que foram magistrados camarários. Quem eram, pois, os homens de negócio chamados à Câmara para, com eles, se assentar o preço do trigo?

Afonso Mendes Bolarte foi chamado, para esse fim, na condição de lavrador do termo em 1753 e como homem de negócio em 1761. Sobre ele não achámos quaisquer outros dados biográficos. É sintomático que seja Afonso Mendes Bolarte, referenciado como homem do termo, aquele sobre quem recolhemos menos informação;

O capitão António Antunes Rasquinho foi quem mais vezes esteve presente no assentamento do preço do trigo, 11 vezes. Morador na Rua de Lisboa, surge colectado no Livro do Quatro e Meio por Cento, referente ao ano de 1758, em 140 réis por um celeiro, em 140 réis por uma adega, 400 réis pelas casas de sua moradia, mais 300 réis por um olival, 1,000 réis pelos ferragiais, olivais e lagar e 700 réis pelo granjeio. Era, notoriamente, homem abastado;

De António Cabrita Pinheiro sabemos ser natural e residente em Cuba. Foi um dos homens a quem se deitaram cavalos no ano de 1743. Em vereação realizada em 11 de julho de 1759, compareceu em Câmara para, na qualidade de deputado dos moradores de Cuba, ajustar a forma como se havia de fazer o relego do vinho no dito lugar;

António de Castro Henriques, eleito recebedor do cabeção das sisas no ano de 1754, seria também homem de posses. Possuía as casas de sua moradia na Praça Grande, pelas quais pagava de imposto 800 réis. Pagava mais 1,800 réis pelos ferragiais, olivais e lagar, 1,000 réis pelo seu granjeio e era ainda possuidor de uma cavalariça e 2 celeiros, na Rua da Moeda, pelos quais pagava 360 réis;

António de Oliveira Marques foi eleito tesoureiro das terças nos anos de 1755 e 1757; no ano de 1767 foi eleito fintor da décima; em 1773 foi eleito fiel da cobrança do novo real de água dos vinhos e aguardentes; em 1776 serviu de tesoureiro das sisas e dos bens de raiz e em 1780 de tesoureiro dos bens de raiz. Era possuidor de umas casas na Rua da Infanta, pelas quais estava colectado em 240 réis e em 1,600 réis pelo granjeio de um foro.

António Henriques Dória serviu de tesoureiro da Câmara em 1745 e 1750. No ano de 1770 foi eleito recebedor do cabeção das sisas. Era homem de grossos cabedais: pagava 100 réis de imposto por umas casas sitas nas Portas de Évora, mais 100 réis por outras casas na Praça Grande, 1,000 réis por um foro, 500 réis por uma vinha e um ferragial, 120 réis por uma cavalariça sita na Rua da Moeda e 200 réis por umas casas na Rua do Touro;

Diogo Ribeiro Henriques foi eleito recebedor do quatro e meio por cento no ano de 1746; em 1751, foi eleito para recebedor das décimas e dos novos direitos; em 1754 foi eleito tesoureiro do quatro e meio por cento;

João Bernardo Neto serviu de tesoureiro da Câmara nos anos de 1740, 1755, 1756, 1757, 1758, 1759, 1760, 1761, 1762, 1763, 1764, 1765, 1766, 1767, 1768. Esteve presente em Câmara para o ajustamento do preço do trigo por 7 vezes. Estava colectado, em 1758, em 140 réis por um ferragial, 1,000 réis pelo granjeio e em 120 réis por um celeiro que possuía na Rua da Fábrica;

João Manuel da Veiga foi irmão de primeira condição da Misericórdia e serviu de procurador da Câmara no ano de 1798;

José Guerreiro foi eleito recebedor do dinheiro do quatro e meio por cento no ano de 1739. Em 1758 foi eleito tesoureiro do cabeção das sisas. Estava colectado em 160 réis por umas casas, em 240 réis por uma vinha, mais 100 réis pelo foro e mais 200 pelo granjeio e ainda noutros 200 réis por uma cavalariça e celeiro sitos na Rua da Moeda;

O capitão José Magro da Silva foi irmão de primeira condição da Misericórdia e serviu de recebedor do cabeção das sisas nos anos de 1779 e 1780;

Manuel da Silva Cardoso foi avaliador do Concelho em 1754. No ano de 1762 foi eleito para a Junta da Superintendência das Décimas como representante do povo. Pagava 300 réis de imposto por umas casas sitas na Rua da Capelinha e mais 200 réis por uma vinha e olival; Manuel Gerardo Monteiro serviu de tesoureiro do quatro e meio por cento no ano de 1762 e de tesoureiro das sisas nos anos de 1773, 1774 e 1776. Foi eleito recebedor da sisa e das terças nos anos de 1778 e 1779;

Marcos Rodrigues Veiga foi irmão de primeira condição da Misericórdia e serviu de tesoureiro da Junta da Superintendência das Décimas no ano de 1762. Arrolado nos autos da eleição para o triénio de 1768/1769/1770, no lote dos procuradores, passava por ser o homem mais rico de Beja. Estava colectado em 600 réis por umas casas sitas na Praça Grande, em 1,600 réis por olivais, vinha e lagar e em mais 1,000 réis pelo granjeio;

Rodrigo Gonçalves Colaço estava colectado em 80 réis por umas casas sitas no Terreiro de São Francisco e em mais 240 réis pelo foro das mesmas, em 400 réis pelos olivais, ferragial e vinhas, 100 réis por um lagar, 300 réis pelo seu foro e em mais 300 réis pelo seu granjeio;

Salvador Gonçalves Franco foi tesoureiro da Câmara nos anos de 1751, 1752 e 1753 e foi eleito recebedor-geral do cabeção e bens de raiz nos anos de 1740, 1743, 1744, 1746, 1751 e 1752. É mencionado no Livro do Quatro e Meio por Cento do ano de 1758 como tendo sido colectado em 240 réis por umas casas sitas na Praça Grande, mais 200 réis pelo granjeio, mais 400 réis por um lagar e ainda mais 300 réis por uma cavalariça, celeiro e adega sitos na Rua da Moeda.

Entre si foram recebedores e tesoureiros do cabeção das sisas, das terças e dos bens de raiz; recebedores e tesoureiros do quatro e meio por cento; Manuel da Silva Cardoso foi eleito para a Junta da Superintendência das Décimas como representante do povo; Marcos Rodrigues Veiga serviu de tesoureiro da mesma Junta; António Henriques Dória, João Bernardo Neto e Salvador Gonçalves Franco foram tesoureiros da Câmara; Diogo Ribeiro Henriques serviu de recebedor das décimas e dos novos direitos; João Manuel da Veiga foi procurador da Câmara no ano de 1798; António de Oliveira Marques foi eleito fintor da décima e fiel da cobrança do novo real de água dos vinhos e aguardentes; João Manuel da Veiga e o Capitão José Magro da Silva foram irmãos de primeira condição da Misericórdia.

O capitão António Antunes Rasquinho, António de Castro Henriques, António de Oliveira Marques, António Henriques Dória, João Bernardo Neto, José Guerreiro, Marcos Rodrigues Veiga, Rodrigo Gonçalves Colaço e Salvador Gonçalves Franco, pelos montantes pagos do quatro e meio por cento, eram notoriamente abonados. Possuíam  casas, ferragiais, olivais, vinhas, foros, 6 celeiros, 2 adegas, 5 lagares, 4 cavalariças. Marcos Rodrigues Veiga era mesmo considerado o homem mais rico da Cidade, conforme informação constante nos autos da eleição de oficiais camarários para o triénio de 1768/1769/1770.

No ano de 1758 existiam na área citadina 17 adegas, 20 cavalariças, 17 lagares e 35 celeiros, estes maioritariamente na Rua da Moeda, 6, e na vizinha Rua dos Escudeiros, 4. A posse de celeiros e a sua administração, tendo em atenção as ocasiões mais oportunas para a comercialização dos cereais, era fonte de poder socioeconómico. Não chegaram, contudo, estes homens de negócio, ao desempenho das mais altas magistraturas camarárias. Dotados de poder económico, faltava-lhes a nobreza concedida pelo nascimento, só ele propiciador de tais exercícios.

O preço do trigo sofreu alterações de monta ao longo do período em análise, dependendo isso das disponibilidades da sua comercialização.

A prática de uma agricultura as mais das vezes de subsistência e dependente de todo das condições climatéricas, determinava crises cíclicas no abastecimento de subsistências e o consequente aumento dos preços. São inúmeros os acórdãos camarários restringindo a comercialização do trigo e impedindo mesmo a sua saída da área concelhia. Assim ocorreu no começo do século, em 1703, 1704, 1708 e em 1711. A escassez crítica determinava ainda que se procedesse à averiguação das disponibilidades de trigo existentes na área concelhia para agir em conformidade. Em vereação realizada em 14 de março de 1705, foi deliberado que o vereador juiz dos mantimentos, juntamente com o escrivão da Câmara, os procuradores do povo e o alcaide, fizessem averiguação judicial de todo o trigo que havia na terra, obrigando aqueles que tivessem vendido algum a reporem o terço dele, para se fazer um cômputo geral e assim se poder deliberar por forma a assegurar-se o abastecimento da população.

De novo, em vereação realizada em 2 de agosto de 1730, se determinou a interdição da saída de trigo para fora da área do Concelho. O ano de 1734 foi ano crítico na assunção de condicionamentos à livre circulação de cereal; Em vereação datada de 8 de maio desse ano, por ser notória a falta de trigo que havia na cidade e seu termo, e porque os moradores o compravam e levavam a vender nas terras circunvizinhas, em prejuízo do povo, mandaram que o vereador juiz dos mantimentos, em companhia dos procuradores do povo e respectivo escrivão, vistoriassem os celeiros da cidade e soubessem quais os que havia no termo, os embargassem à ordem da Câmara e que não se passassem licenças para sair trigo. A 26 de maio determinou-se, por acórdão, que não saísse nenhum trigo para fora, devido à sua escassez. Em 16 de outubro desse mesmo ano acordou-se que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que fosse, da cidade e seu termo, comprasse farinha, trigo ou cevada para revenda, nem os levasse para fora da cidade e seu termo sem licença da Câmara. E que ninguém comprasse mais mantimentos do que os necessários para o sustento de suas famílias, sob pena de que, fazendo o contrário, perderia o dinheiro e os géneros, metade para quem acusasse e a outra para o fisco real, além da imposição das mais penas que pela lei eram ordenadas. E que quem possuísse os ditos géneros os poderia vender e emprestar, reservando sempre os terços, e que quem quisesse trazer mantimentos os poderia vender pelos preços que se praticassem na terra. Finalmente, em vereação realizada a 20 de dezembro, disse o vereador segundo, Francisco Xavier Vidal, juiz dos mantimentos, que ele, com os procuradores do povo, tinha visto os celeiros de trigo que havia na cidade e em todos tinha achado 360 moios de trigo, tendo notificado os respectivos proprietários para que tivessem pronto o terço do trigo que tinham nos seus celeiros para sustento do povo; e que também os tinha notificado para que não vendessem nem mandassem trigo para fora do termo sem licença da Câmara, e que quem o contrário fizesse teria a pena que lhe era imposta pelas posturas e acórdãos que sobre aquela matéria se tinham publicado por toda a Cidade.

Em 1739, porque se tinha levado para fora da cidade e seu termo bastante trigo e azeite e porque as novidades de uma e outra espécie eram muito poucas, requereram o vereador juiz dos mantimentos, juntamente com os procuradores do povo, que se fizesse um acórdão que impedisse a concessão de licenças para a comercialização daqueles géneros. Atendendo ao dito requerimento, acordou-se que se não passasse nenhuma licença senão em vereação, e que toda a que assim não fosse passada não tivesse qualquer efeito; e que, outrossim, se passassem ordens para os juízes das freguesias para que nenhum trigo ou azeite saísse das mesmas sem licença, ainda que fosse dos senhorios das herdades. Disposições semelhantes foram acordadas em 1714, 1750, 1757, 1764, 1770, 1772 e 1779.

Se a leva de trigo para fora foi objecto de frequentes e restritivos acórdãos, também a circulação e a comercialização de trigo e farinha na área concelhia mereceram a atenção continuada do senado camarário, sobretudo em períodos de escassez. Em vereação realizada em 9 de março de 1706, compareceram na Câmara os acarretadores que levavam trigo aos moinhos, os quais disseram que se obrigavam a acarretar todo o trigo que lhes fosse entregue e que não teriam outra ocupação para além desta. E que, caso assim não procedessem, queriam ser encoimados na forma da postura. Assinam o termo de vereação 13 acarretadores, 10 de cruz, os quais repartiam entre si 46 cavalgaduras. O Livro do Quatro e Meio por Cento relativo ao ano de 1758 refere a existência de 39 moinhos no termo de Beja, assim repartidos: Santa Clara de Louredo, 1 moinho; Nossa Senhoras das Neves, 1 moinho; Baleizão, 11 moinhos; São Pedro de Pomares, 4 moinhos; Quintos, 5 moinhos; Selmes, 4 moinhos; Pedrógão, 6 moinhos; Vilas Boas, 4 moinhos; Alfundão, 3 moinhos. As freguesias ribeirinhas do rio Guadiana, Pedrógão, São Pedro de Pomares, Baleizão e Quintos repartiam entre si a maior parte dos moinhos, 26. Acórdãos de teor semelhante foram adoptados nos anos de 1759, 1762 e 1774.

Em vereação realizada em 11 de outubro de 1712, porque muitas cavalgaduras de acarretadores, farinheiros, chamiceiros, carvoeiros e aguadeiros estavam requisitadas para o abastecimento das tropas, e porque era necessário assegurar a venda diária de farinha para sustento da população, mandou o senado camarário que se averiguasse quantos farinheiros eram necessários para esse fim e que se registassem no Livro de Vereações. Foram registados 9 farinheiros de Baleizão, com 9 bestas menores e uma maior, e 5 farinheiros de Quintos, com 6 bestas menores.

Podia ocorrer que a falta de farinha no Terreiro do Trigo se devesse a que os moleiros moessem os trigos a pessoas particulares, descurando a moenda daqueles destinados ao abastecimento público e que lhes eram entregues pelos farinheiros nomeados em Câmara. Por isso que em vereação realizada em 26 de junho de 1723, se designaram 2 moinhos na Freguesia de Quintos e 2 na Freguesia de Baleizão, nos quais os respectivos moleiros não moeriam trigo a qualquer pessoa enquanto houvesse trigo dos farinheiros, sob cominação de que se assim não procedessem seriam presos e da cadeia pagariam, por cada vez, 6,000 réis para o Concelho. E que as mesmas penas teriam os farinheiros que divertissem as farinhas que, em razão daquela ordem, lhes fossem entregues. De novo, em vereação realizada em 8 de julho de 1772, foram acordadas disposições de teor semelhante; nenhum dos farinheiros do termo, que costumasse trazer farinha ao Terreiro, poderia, por si ou por interposta pessoa, levar trigo ou farinha para fora do termo, sob pena de pagar o tresdobro do que se lhe achasse e ser retido 30 dias na cadeia. Foi o acórdão assinado por 9 farinheiros, 8 de cruz.

Se o transporte de trigo e farinha do termo para a cidade era objecto de normativos frequentes, também o trânsito inverso de tais géneros era regulamentado. Em vereação realizada em 8 de outubro de 1763, acordaram e mandaram que os moradores das freguesias do termo da cidade que viessem comprar trigo para seu sustento, deveriam trazer bilhetes, passados pelos juízes ou escrivães das suas freguesias, sobre a quantidade de trigo que viessem comprar, e que este era para seu sustento; e os mesmos compradores deveriam apresentar esse bilhete a qualquer oficial da Câmara, juiz de fora, vereadores, procurador ou escrivão da mesma, ou ainda a qualquer dos procuradores do povo, os quais, à vista daquele bilhete, lhes passariam outro para que livremente pudessem levar o dito trigo. E a todos aqueles que fossem achados levando trigo sem os ditos bilhetes passados por qualquer dos oficiais camarários, o trigo ser-lhes-ia embargado, trazido para o Terreiro e seriam condenados a 10 dias de cadeia; e qualquer pessoa do povo poderia fazer a denúncia e fazer tomadia do trigo que encontrasse, da mesma forma que qualquer oficial da Câmara, tendo do trigo a terça parte. E aquela mesma obrigação se estenderia aos farinheiros que trouxessem farinha ao Terreiro, à excepção dos moradores da terra que mandassem trigo para os moinhos e dos pescadores que trouxessem peixe para a pescadaria.

Lisboa assumia-se como o principal destino do trigo comercializado fora do termo. Por isso que, à excepção da capital, não encontrámos outras referências a distintas localidades para onde o mesmo fosse levado. Em vereação realizada em 17 de setembro de 1722, assentaram que se passassem licenças para ir trigo para Lisboa, ficando as terças depositadas no Celeiro Comum, na forma das provisões de Sua Majestade, com pena de 6,000 réis para quem o contrário fizesse. E que se apregoasse este acórdão pelos lugares públicos da cidade para que não se alegasse ignorância. No ano seguinte, em acórdão datado de 30 de janeiro, vista a esterilidade que havia de trigo para se fazerem farinhas para sustento do povo, mandaram que fossem notificados todos os homens de negócio que compravam trigo para levar para Lisboa, que o vendessem na cidade sem incorrerem na pena de atravessadores, por serem constrangidos por aquele senado a fazerem a dita venda.

Tal como o preço do trigo também o preço do pão era tabelado, tendo em conta os preços praticados no trigo e farinha. Em vereação datada de 28 de junho de 1707, porque o trigo valia um cruzado e a farinha 440 réis, acordaram e mandaram que o pão se vendesse a 30 réis, tendo o peso de um arrátel; e achando-se de menor peso incorreriam as padeiras nas penas da portaria. Em 10 de fevereiro de 1731, porque na cidade havia muitas desordens por as padeiras venderem pão sem o peso devido, requereu o procurador do povo, Julião Antunes, que se mandasse que as ditas padeiras não vendessem pão senão com o peso correcto, e com o preço indexado ao valor por que se vendesse o alqueire de farinha no Terreiro do Trigo, e que fariam sempre pão de arrátel e meio arrátel. Ordenaram os oficiais da Câmara que assim se cumprisse e que o acórdão fosse publicado nos lugares costumados. Ainda em 14 de abril de 1734, por várias queixas que ao senado tinham feito os procuradores do povo Inácio Carvalho e Filipe de Oliveira, acordaram e mandaram que as padeiras vendessem o pão de arrátel por um vintém e o de meio arrátel por 10 réis, e achando-se ter menos do que aquele peso pagariam de condenação 5 tostões para o Concelho e 10 dias de cadeia, e o pão seria para os presos. Mais mandaram que as forneiras não poderiam ter nenhuma porta do forno fechada nem podiam impedir que pessoa alguma visse deitar o seu pão no forno; e que qualquer pessoa de qualquer qualidade que fosse, bem como o rendeiro da cidade, poderia denunciá-las em segredo; e achando-se-lhe massa furtada teriam de condenação, as ditas forneiras ou acarretadeiras que compreendidas fossem, 2 mil réis, metade para o acusador e metade para as despesas do Concelho, e 20 dias de cadeia; e mandaram que estes acórdãos se publicassem nos lugares costumados da cidade para virem a notícia de todos para que não se pudesse alegar ignorância. Garantir o “pão barato” era uma das condições essenciais para garantir a paz social no espaço urbano, constituindo-se, assim, como um vínculo fundamental no relacionamento entre governantes e governados.

O pagamento às forneiras fazia-se através da entrega de um pão pelo dono da fornada, o chamado pão de poia. Em 1730, no Livro do Quatro e Meio por Cento referente a esse ano, são referenciados 17 fornos nas 4 freguesias urbanas pacenses. Entre os seus proprietários contavam-se Manuel Pinheiro de Mira, que foi procurador do Concelho e almotacé; o Dr. Custódio Pereira Leitão, que serviu de ouvidor no ano de 1709; Francisco Pereira de Seixas, que serviu de vereador em 1730 e de almotacé por 5 vezes; Luís de Goes de Beja, mercador, tesoureiro da Câmara em 1730; e o Dr. Francisco Anes Gavião, provedor da Comarca de Beja em 1721. Constituíam-se os fornos como pequenas unidades artesanais, fonte de rendimento para os seus proprietários, que empregavam, usualmente, 2 indivíduos, a forneira e o chamiceiro, que acarretava o chamiço (lenha de arbusto, mato rasteiro), dos matos e montados circundantes. O forno do Dr. Francisco Anes Gavião, situado na Rua de Manuel Homem, estava colectado, pelo imposto do quatro e meio por cento, em 120 réis pelo senhorio, mais 120 réis pela forneira e mais 120 réis pelo chamiceiro.

Em termo de vereação realizada em 22 de agosto de 1778 surge-nos, de novo, a alusão à figura do padeiro, aquele que tinha tenda aberta, onde fabricava e vendia pão. É legítimo, contudo, considerar-se que a prática habitual entre os moradores era o fabrico doméstico do pão consumido no agregado familiar, prática esta que se prolongou, nos meios rurais do Baixo Alentejo, até à segunda metade do século passado. Diz-nos o termo de vereação que os padeiros da cidade se queixaram, em Câmara, do almotacé António Xavier de Melo que lhes ordenara, por pregão, que deveriam deitar em cada pão de vintém um arrátel e duas onças, quando a farinha se vendia no Terreiro do Trigo a 440 réis, pelo que o dito pão só deveria ter o peso de 14 onças e meia. Mandado chamar o dito almotacé foi-lhe ordenado que observasse o Regimento que por aquela Câmara fora dado aos padeiros, pelo qual se regulava o peso do pão.

A moagem dos cereais era paga a dinheiro e/ou através da dada da maquia. Podiam os preços cobrados pelos moleiros e atafoneiros serem de tal modo excessivos que encarecessem o preço final do pão, por isso que também aqui se fazia sentir a interferência do poder camarário, impondo o preçário que parecesse mais conveniente pela moagem dos cereais. Em 3 de setembro de 1729, porque havia notícia de que os atafoneiros da cidade estavam levando um preço exagerado por moer cada alqueire de trigo, mandaram, a requerimento do procurador do povo, Filipe de Oliveira, que os atafoneiros cobrassem por cada alqueire de trigo que moessem 30 réis, com cominação de que, se o não cumprissem, pagariam de condenação 1,000 réis e seriam presos. Anos depois, em 28 de julho de 1734, foram tomadas disposições semelhantes; tendo em conta as várias queixas que se tinham feito, no senado camarário, sobre haver na cidade e seu termo atafonas onde se cobrava, por cada alqueire de trigo, 3 vinténs, 70 réis e 4 vinténs, além da maquia, para grande prejuízo do povo, determinaram que nenhum moleiro moesse trigo por mais do que 2 vinténs cada alqueire, além da maquia, sob pena de que quem o contrário fizesse pagaria 6,000 réis, metade para o acusador e metade para as despesas do Concelho, e seriam ainda condenados a 20 dias de cadeia.

Se a Comarca de Beja se constituiu, ao longo dos tempos, como exportadora de trigo, viu-se, contudo, na contingência de ser abastecida com cereal vindo de fora da área comarcã quando, em anos de escassez, o próprio não chegava para as necessidades locais. Em vereação realizada em 16 de junho de 1734, sendo presente D. Pedro de Souto Maior, que seria empossado como sargento-mor da Comarca em1746, foi por ele dito que pretendia vender na cidade todo o trigo e cevada que lhe fosse possível com a condição, porém, de que o haveria de vender em sua casa ou nos seus celeiros sem que na sua repartição e venda se intrometessem os procuradores do povo nem quaisquer outros oficiais de justiça. Sendo analisada a proposta e atendendo à carestia que então se verificava, houveram por bem e convieram em que o dito D. Pedro mandasse vir todo o trigo e cevada que lhe fosse possível para vender na cidade, mas que o venderia por menor preço do que o praticado no Terreiro e que, pretendendo vender farinha, a venderia aos preços correntes na terra. Em vereação realizada em 2 de fevereiro de 1780, compareceu o almocreve José da Fonseca que, em seu nome e em nome dos mais almocreves que traziam trigo do porto da Barrosinha para empréstimo aos lavradores da Comarca, disse que tanto ele como os seus camaradas não podiam continuar no carrego do dito trigo por ser diminuto o preço de 55 réis que se lhes pagava pela condução de cada alqueire, o que não lhes chegava nem para as despesas das suas cavalgaduras; pelo que requeria que ou se aumentasse o preço do carrego, ou os desobrigassem da respectiva condução; decidiu o senado camarário que eles não podiam desobrigar-se da condução, por ser feita por ordem de Sua Majestade, nem lhes podiam aumentar o preço porque este ou lhes era destinado pelo mesmo senhor, ou pela administração respectiva, a quem eles deviam recorrer; pelo que deveriam continuar a acorrer às necessidades dos lavradores, com pena de serem presos à ordem daquela Câmara.

 

 

FONTES MANUSCRITAS

Arquivo Histórico Municipal de Beja

Livros de Actas de Vereações da Câmara Municipal de Beja

1644 – AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 58, Cx. 9

1645 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 59, Cx. 9

1668 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 77, Cx. 12

1675 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 84, Cx. 12

1687 - AHMB, CMB B/A-01 - Lvº 96, Cx. 14

1690 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 99, Cx. 14

1692 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 100, Cx. 15

1703 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 106, Cx. 15

1704 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 107, Cx. 15

1705 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 108, Cx. 16

1708 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 111, Cx. 16

1711 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 114, Cx. 16

1712 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 115, Cx. 16

1714 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 117, Cx. 16

1722 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 125, Cx. 17

1723 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 126, Cx. 17

1729 – AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 132, Cx. 18

1730 – AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 133, Cx. 18

1731 – AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 134, Cx. 18

1734 – AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 136, Cx. 19

1738/1739 - AHMB, - CMB B/A-01 - Lvº 138, Cx. 19

1742/1743/1744 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 142, Cx. 19

1745/1746/1747 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 143, Cx. 19

1747/1748/1749/1750 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 144, Cx. 19

1750/1751/1752/1753/1754 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 145, Cx. 20

1754/1755/1756 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 146, Cx. 20

1756/1757/1758/1759 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 147, Cx. 20

1761/762/1763 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 149, Cx. 20

1763/1764/1765 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 150, Cx. 20

AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 151, Cx. 20

1768/1769/1770 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 152, Cx. 20

1772/1773 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 154, Cx. 21

1774/1775 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 155, Cx. 21

1775/1776 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 156, Cx. 21

1776/1777/1778 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 157, Cx. 21

1778/1779/1780 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 158, Cx. 21

1780 - AHMB, CMB - B/A-01 - Lvº 159, Cx. 21

 

Livros do Quatro e Meio por Cento da Câmara Municipal de Beja

1730 - Livro do Quatro e Meio por Cento, PT/ADBJA/AL/CMBJA/F-A/002/0074 - Cx. 0052

1758 - Livro do Quatro e Meio por Cento, PT/ADBJA/AL/CMBJA/F-A/002/0120 - Cx. 0059

 

 

DICIONÁRIOS

BLUTEAU, Raphael, Vocabulario portuguez e latino…, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728, 10 vols. Disponível em https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5445.

SILVA, Antonio de Moraes, Diccionario da Lingua Portugueza, Tomo I, 8.ª ed., Empreza Litteraria Fluminense, 1890.

SILVA, Antonio de Moraes, Diccionario da Lingua Portugueza, Tomo II, 4.ª ed., Impressão Regia, 1831.

 

 

ESTUDOS

BRAUDEL, Fernand, Civilização Material, Economia e Capitalismo – Séculos XV-XVIII, As Estruturas do Quotidiano, Tomo I, Lisboa, Teorema, 1979.

FERREIRA, Jaime Alberto do Couto, A Dessacralização do Pão, s/l, Campo das Letras, 1996.

GOES, Manuel Lourenço Casteleiro de, Beja xx séculos de História de uma Cidade, Tomo II, Beja, Edição da Câmara Municipal de Beja, 1998.

HESPANHA, António Manuel, As Vésperas de Leviathan-Instituições e Poder Político em Portugal-Séc. XVII, Coimbra, Livraria Almedina, 1994.

MAGALHÃES, Joaquim Romero, “As Estruturas Sociais de Enquadramento da Economia Portuguesa de Antigo Regime: os Concelhos”, in Maria Helena da Cruz Coelho & Joaquim Romero Magalhães, O Poder Concelhio: das Origens às Cortes Constituintes, 2.ª ed. aumentada, Coimbra, Centro de Estudos e Formação Autárquica, 2008, pp. 191-216.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo, “O Espaço Político e Social Local - As Câmaras nos Equilíbrios dos Poderes: Funções Sociais e Dinâmicas Locais”, in História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia), dir. de César Oliveira, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, pp.121-135.

RAU, Virgínia, Feiras Medievais Portuguesas – Subsídios para o seu Estudo, 2.ª Ed., Lisboa, Editorial Presença, 1983.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

BEJA NAS CAMPANHAS MILITARES LIBERAIS - O 9 DE JULHO DE 1833

Livro de Vereações da Câmara Municipal de Beja de 1640

A SINAGOGA DE BEJA