A ENTRADA EM BEJA DO INFANTE D. FRANCISCO, SENHOR DA CASA DO INFANTADO


 

Criada em 1654 por D. João IV, a Casa do Infantado, instituição patrimonial dos filhos segundos dos monarcas portugueses, teve por objectivo dotar o infante D. Pedro, futuro D. Pedro II, com rendimentos próprios. Logo aquando da sua instituição obteve prerrogativas idênticas àquelas de que desfrutava a Casa de Bragança, tendo sido dotada com a cidade de Beja, recebendo D. Pedro o título de duque. O ducado tinha sido criado por D. Afonso V, em 1453, a favor de seu irmão o infante D. Fernando. No reinado de D. João III foi Duque de Beja o Infante D. Luís, seu irmão, após cuja morte, e até 1654, esteve vago o título ducal. As rendas e senhorios que lhe foram atribuídos tornaram a Casa do Infantado a maior e principal casa senhorial do reino. Pertenciam-lhe ainda, na Comarca de Beja, as vilas de Serpa e Moura. D. Pedro usufruiu-a enquanto infante e depois como príncipe regente e, quando ascendeu ao trono, enriqueceu-a com novas doações e manteve-a sob a sua tutela pessoal até 1704, ano em que a deu a seu filho segundo, o supracitado infante D. Francisco.[1] Este visitará Beja, cabeça da Casa do Infantado, em maio de 1713.
A Guerra da Sucessão de Espanha compeliu Portugal a tomar partido: inicialmente apoiou as pretensões de Filipe, Duque de Anjou, neto de Luís XIV, tendo para esse efeito sido assinado um tratado em Paris (18 de junho de 1701). Esta opção respeitava a vontade do extinto rei Carlos II, que havia declarado Filipe seu herdeiro, ainda que houvesse consciência do perigo que representava para o reino português a instalação dos Bourbons no trono de Espanha. As primeiras derrotas dos franceses na Itália e no Reno e a ameaça da frota inglesa às costas de Espanha determinaram, em 1702, a anulação do tratado celebrado com Luís XIV no ano anterior. Através da intervenção de John Methuen, embaixador da Inglaterra, estabeleceram-se formas de cooperação, que não ainda de aberta beligerância, período que seria breve: a 16 de maio de 1703, é assinado um documento em Lisboa no qual D. Pedro II se compromete, num duplo tratado, a entrar em guerra com Espanha: um tratado de aliança defensiva com a Inglaterra e as Províncias Unidas, e um outro tratado de aliança ofensiva e defensiva com a Inglaterra, as Províncias Unidas e a Áustria.[2]
Foram as terras alentejanas palco de numerosos confrontos no decurso da inevitável guerra. Na Comarca de Beja ocorreu, em 1704, a destruição das povoações de Santo Aleixo e Aldeia Nova, a primeira no termo de Moura e a segunda no de Serpa,[3] vilas que foram ocupadas pelos invasores em 1707 e libertadas no ano seguinte. Os padecimentos da guerra assolaram, pois, terras do Infantado. A acrescer à guerra tinha sido o começo de século marcado por problemas de seca e severas crises frumentárias e, logo no final de 1708, sobreveio uma terrível fome que atingiu várias regiões de Castela e também o Alentejo.[4]
O falecimento de José I, imperador da Alemanha, e a escolha de seu irmão Carlos III, como seu sucessor, precipitaram o fim das hostilidades. Desequilibrara-se o sistema de alianças, pois o duplo trono na pessoa de Carlos III faria renascer a Casa da Áustria e o seu peso hegemónico na Europa. Era preferível, naquelas circunstâncias, aceitar o predomínio dos Bourbons ao dos Habsburgos. As negociações para a paz iniciar-se-iam em Utreque, em janeiro de 1712.[5]
Em maio de 1713, aquando da visita do infante D. Francisco a Beja, haviam já cessado as hostilidades. Podia agora o donatário percorrer, tranquilamente, os seus domínios e confortar os seus vassalos, tiranizados que tinham sido pelas agruras da guerra e pela escassez de subsistências. A presença do infante era subida honraria e significava, para todos, a expressão dos sentimentos de piedade e benevolência de tão grande senhor. E ainda que nas várias cartas já enviadas à Câmara nas quais, pela mão do seu secretário pessoal, anunciava a sua vinda e advertia para que se fizessem os menores gastos possíveis, porquanto não queria pompas, mas era todo o seu intento livrar os seus vassalos de opressões e honrá-los com a sua real presença, a gente da nobreza local bem como o comum povo iriam celebrar condignamente a sua presença. Nascido em 25 de Maio de1691, D. Francisco tinha 22 anos de idade à data da sua deslocação a Beja.[6]
É impressiva e pitoresca a descrição que da visita do infante nos faz o escrivão da Câmara, que então era Francisco Pinto Pimenta, sendo juiz de fora do geral o Dr. Pedro de Sequeira Pinto, e vereadores o Dr. Manuel Magro da Fonseca, vereador mais velho e juiz dos danos, o Dr. Manuel Ribeiro Gago da Silva, vereador do meio e juiz dos mantimentos, e António da Lança Porto, vereador mais moço e juiz das obras; o procurador do Concelho era Luís Gago Soares. O termo está erradamente datado de 21 de maio, dia em que ocorreu a entrada do infante na cidade; no encerramento do mesmo a data aposta é a de 25 de maio, aquela que nos parece correcta. Não poderia o escrivão descrever a estada do infante antes da sua ocorrência.
A entrada do infante na cidade ocorreu pela manhã do dia 21 de maio de 1713, segunda-feira. Entre as 5 e as 6 horas da manhã juntaram-se aos oficiais camarários supracitados, os mais ministros da cidade, assim da Coroa como do Infantado, a nobreza citadina e os procuradores do povo.[7] Partiram todos a cavalo, levando o vereador mais velho o estandarte real arvorado. Percorrida cerca de uma légua avistaram a comitiva do infante, pelo que se apearam e aguardaram a sua aproximação. Este chegado, postou-se diante do estandarte real e o porteiro-mor da Câmara colocou-se junto ao juiz de fora, segurando nas mãos uma salva de prata na qual repousavam as chaves douradas da cidade; fez o dito juiz a sua oração, enquanto lhe ofertava as chaves, dizendo, entre outras coisas, que os seus vassalos lhas ofereciam e lhe ofereceriam o mundo inteiro se tal lhes fosse possível. Aceitou-as o príncipe, dizendo que menos não esperava da fidelidade de seus vassalos. Seguiu-se o beija-mão e, com grandes vivas, montaram a cavalo e encaminhou-se o cortejo em direcção à cidade. Chegados à Quinta da Saúde pararam, a voz dos da comitiva do infante, o qual se desmontou do cavalo branco em que vinha e se montou num outro, castanho, “que parese que fazia covas na terra pela braveza com que a pizava.”[8] Soavam já os repiques e os vivas de toda a cidade e do povo, que tinha vindo ao seu encontro. Chegados junto ao Convento de Santa Clara, a escassas centenas de metros dos muros da velha urbe, foram recebidos com várias salvas do terço de auxiliares e das ordenanças, que aí se encontravam em formatura enquanto, do cimo das muralhas, troavam as salvas da artilharia. E “hera tanta a quantidade da gente, acim de homens como de molheres, ja huns pelas muralhas, ja outros pellos terreplanos ja outros pellos rosios que hera huma notavel confusaõ, dando varios vivas que o dito Senhor recebia com ademiravel carinho, e toda a dita gente se ademirava da grandeza, e do carinhozo modo com que o dito Senhor oulhava, dezejando meter todos no corasaõ e dando a conheser o afetto particular com que emtrava nesta sua Cidade (…).” Tal afecto era patente na gala com que trajava, “huma requisima casaca emcarnada com huma notavel e nunca vista abotoadura de diamantes” e, no chapéu, “trazia huma rica, e inestimavel joya de diamantes finissimos.” Chegados ao Terreiro de Nossa Senhora da Graça, nas imediações das muralhas e das Portas de Évora, aí acharam “ja todas as musicas, dansas, e galhofas, que todas com suave e dileitoso modo mostravaõ a alegria, e comtentamento com que os seus vassallos recebiaõ a ditosa, e felise vinda de tam soberano senhor.”
Estavam as portas engalanadas com panos de telhas, damascos e lós, que se tinham mandado vir da Corte, juntamente com um armador. Junto à primeira porta achava-se o governador da cidade, António Pereira de Lacerda, o qual tinha mandado hastear na Torre de Menagem um estandarte real. E, entrando na cidade, “já a este tempo se devizavaõ todas as jenellas ricamente armadas, todas as ruas alcatifadas, e calsadas de verde espadana, e lançando lhe das ditas jenellas humas a peito descoberto, e ainda as mais onestas, e recatadas, muitas variedades de flores, e outras muitos confeittos, e continuos vivas, sendo huma confuzaõ a munta gente que ao dito senhor vinha acompanhando, cuyos vivas, e demonstrasois de alegria se foraõ contenuando pello terreiro de Santhiago, Rua de Mestre Manoel Prassa, e Rua do Touro, adonde se recolheo o dito Senhor por se lhe ter ellegido as cazas do cronel Miguel da Cuinha Alcoforado, as quais os ofisiais da Camera tinhaõ mandado aparamentar de todo o nessesario com armação e armador que veyo da Corte em que ce fes grande despeza.” Aí se recolheu o Infante, cerca das 9 horas da manhã, e parte da sua comitiva, por não ter ainda chegado toda, juntamente com os oficiais camarários e mais ministros e gente da nobreza local.
Na tarde desse mesmo dia, o juiz de fora e demais oficiais camarários juntaram-se na Câmara para tratarem de assuntos relacionados com a estada e assistência de Sua Alteza e, logo nessa mesma tarde, mandaram que oito homens, que para essa função estavam designados, todos vestidos de azul, levassem “parte do refresco que se tinha detreminado para o dito Senhor que consestia em outo tavoleiros que levaraõ os ditos outto homens, cuyos tabuleiros heraõ pintados e levava cada hum seis caichas grandes. e feitas com grande aseyo. humas de alcorças[9] feitas de varios feitios e outras de escurcioneira[10] cobertas todas com suas toailhas de tafetas de cor. E outrosim consestia o dito refresco em huma duzia de vitellas todas trincadas vinte e quatro carneiros, vinte e quatro mamois, vinte e quatro perus, doze duzias de galinhas, e outras mais cousas, cuyo refresco sahio desta Camera acompanhado de varias dansas, e musicas, e galhofas, e o comboyou o procurador da Camera Luis Gago que foi em nome da mesma Camera oferesello ao dito Senhor o qual tanto que lhe foi oferecido o aceitou e agradeseu com tanto afetto que logo mandou procurar pello seu porteiro da cana se achava ali o ouvidor da Comarca e por se lhe dizer que naõ, mas que estava o ouvidor do passado Custódio Pereira Leitaõ lhe mandou pelo mesmo porteiro da cana entregar outo moedas de ouro para que as repartise pellas dansas e mais pessoas que levaraõ o dito refresco igualmente e que da sua parte viesse a este sennado dar o agradesimento aos seus veriadores. e que lhes agradesia a pontualidade agazailho e aceitasaõ com que o aviaõ recebido (…).” Dirigiu-se então o Dr. Custódio Pereira Leitão às Casas da Câmara, contente e satisfeito por ser o mensageiro e logo ali começou a distribuir as moedas tal como se lhe tinha ordenado.
No dia seguinte, 22, pela manhã, deu Sua Alteza audiência pública, na qual se juntaram o clero regular e secular, vereadores e restantes ministros e a nobreza local. Após o beija-mão, ordenando-se as comunidades para o efeito como atrás é dito, usou da palavra o vereador segundo, o Dr. Manuel Ribeiro Gago da Silva que, como procurador da Casa do Infantado, lhe solicitou as doações do dito Estado para cidade, ao que lhe respondeu o infante que falasse com o seu secretário de estado. Na tarde desse mesmo dia correram-se touros, entendendo-se que Sua Alteza os iria ver conforme entendesse. Contudo, passando o infante pela Praça, onde se correriam os touros, acompanhado de parte da sua comitiva, continuou até à Torre de Menagem, a qual mandou medir e onde passou a maior parte da tarde e daí foi ao Colégio dos padres da Companhia (jesuítas), onde se demorou pouco e, saindo pela Porta Nova, rodeou a cidade e recolheu-se a ela pela Porta de Mértola. “(…) e todas estas noutes heraõ continuos os vivas e leminarias, e as muzicas principalmente das Riligiosas da Comceipsaõ, que das verandas do seu Convento por estar proximo o palacio do dito Senhor estavão todas com instromentos, e muzicas aplaudindo a vinda do dito Senhor, e com efeito tanto ellas como as Religiosas de Santa Clara, e Espransa lhe mandaraõ bejar a maõ, oferecendolhe seus refrescos, de que Sua Alteza Rial se deu por tam bem pago que quis mostrar o quanto queria onrar esta sua Cidade que alguns brincos de alcorsas que lhe forão oferisidos, pellas corosiodades delles os mandou conduzir para a Corte (…)”.
O dia 23 passou-o o infante recolhido no seu palácio até que, à noite, teve o senado camarário notícia de que pretendia, de madrugada, iniciar a sua jornada para Serpa. “(…) e com efeito a fes antes de amanheser e se achavaõ ja no Terreiro de Saõ Francisco todas as tropas de cavallo que o acompanhavam com clarins, e ataballes, e se achava este senado com o estandarte rial e ao som das artilharias das moralhas sahio Sua Alteza Rial com toda a sua cometiva, e o foi este senado acompanhando com todos os menistros, e mais nobreza pello caminho de Baleizaõ, aonde chegando a dita aldeya, tanto os moradores asim homens como molheres o vieraõ esprar a estrada desparando tiros e lansandolhe varias flores com notaveis vivas. de que Sua Alteza Rial ficou munto agradecido e sumamente agradado e asim se foi comtenuando a jornada athe ao Rio Guadianna aonde o dito Senhor passou em huma ponte de barcas (…).”
Termina o escrivão Francisco Pinto Pimenta dizendo-nos que era esta a breve narração do que se passou, “sem afectação alguma”. E que não tocava no modo “com que a Camera, e mais menistros se ornaraõ, e vestiraõ para receberem o dito Senhor; porque todos sahiraõ com imulasaõ huns dos outros <a custa dos mesmos vereadores e menistros> e com agrado particular do dito Senhor (…).” Está a descrição datada de 25 de maio, 2 dias após a partida do infante.[11]
A vinda de tão grande senhor a Beja despertou um frenesim despesista. Esta era a ocasião azada para que a nobreza local desse prova pública de opulência e riqueza. Para agradar ao visitante? Decerto, mas também porque o seu estamento social a obrigava a tais formas de representação social. O capital simbólico, usualmente designado por prestígio, reputação, fama, requer uma reiterada afirmação no espaço social, e que melhor ocasião para o reafirmar do que a presença do infante na cidade?[12]
A adjectivação utilizada pelo escrivão, em tudo o que concerne a tão ilustre visitante, é sempre encomiástica e superlativa. O próprio cavalo em que o mesmo fez a sua entrada em Beja seria, pela forma descrita como escarvava o solo, um animal imponente. A sua vestimenta era de uma riqueza esplêndida, prova de grande afecto pelos seus vassalos. A recepção foi magnífica e todos os grupos sociais comungavam, unanimemente, nas demonstrações da sua alegria e felicidade pela presença de tão insigne senhor. As casas do coronel Miguel da Cunha Alcoforado, onde o infante e a sua comitiva se aposentaram, tinham sido aparamentadas com armações e por armador vindo da Corte, no que se tinha feito grande despesa. As construções efémeras, tão do agrado da época e tão conformes à estética barroca, como as das portas de acesso à cidade, foram também feitas por armador vindo expressamente da capital e os materiais utilizados, damascos e lós, eram dos mais caros e nobres. Quanto ao “refresco” que lhe foi ofertado pela Câmara, e que era apenas uma parte do todo, espanta pela abundância e diversidade: 8 tabuleiros levados por 8 homens, contendo, cada um, 6 caixas, umas com doce de alcorce e outras com doce de escorcioneira, cobertas com toalhas de tafetá; uma dúzia de vitelas trinchadas, 24 carneiros, 24 mamões (leitões), 24 perus, 144 (12 dúzias) galinhas. E ainda que o documento seja omisso sobre o número de componentes da comitiva do infante, tal quantidade de viandas não deixa de ser impressionante.
Pormenor tocante é o das freiras do Convento de Nossa Senhora da Conceição que, tolhidas pela clausura, e por ser próximo o Convento das casas de pousada do infante, se associavam às festividades tocando instrumentos e cantando das varandas do edifício, por forma a que este as pudesse ouvir. E tanto elas como as monjas dos Conventos da Esperança e de Santa Clara lhe enviaram o seu beija-mão e os seus “refrescos”.
Contudo, da leitura do documento, o que transparece é a pouca interacção que existiu entre o infante, o senado camarário, a clerezia e a nobreza local: atente-se no facto de a presença deste em Beja não ter compreendido qualquer cerimonial religioso. Tampouco, no momento da recepção e da despedida o escrivão informa sobre a presença de membros do clero. A estada do infante em Beja teve uma feição acentuadamente secular. Para além do momento da recepção no primeiro dia, da audiência pública da manhã do segundo dia, da corrida de touros realizada na tarde desse mesmo dia e à qual o infante não compareceu, não houve outros momentos de convivialidade. E o terceiro dia passou-
-o recolhido, tendo informado o senado camarário, já noite, da sua intenção de jornadear para Serpa nessa madrugada, última ocasião proporcionadora de algum relacionamento.
Se a nobreza local não se poupou a despesas a instituição camarária seguiu na mesma esteira, pelas mesmas razões e, ainda mais, por serem os vereadores dependentes da jurisdição do infante, já que a este competia nomear as justiças locais, juiz de fora, vereadores e procuradores. O dever de lealdade e homenagem vassálicas impunham ao senado camarário particulares responsabilidades na recepção e estada do donatário. E o senado camarário, para fazer face a encargo tão vultuoso, endividou-se e vendeu bens de raiz. Ascendeu a receita do empréstimo e da venda dos bens de raiz a 333,820 réis.[13] Tendo em conta que, nesse ano de 1713, coube de receita ao Concelho a quantia de 1,047,884 réis,[14] o montante gasto com a estada do infante representava 31,9% desse total. Quantia considerável a que a fixidez das despesas camarárias não permitia acorrer. O endividamento e a alienação de bens foram o recurso possível, correspondendo ao empréstimo o quantitativo de 321,960 réis e à venda de bens de raiz 11,860 réis.[15]
O empréstimo foi contraído junto de moradores locais. Foram eles: Manuel Henriques Lopes,48,000 réis; Manuel Lopes de Oliveira, 24,000 réis; Bento Martins Sameiro, 24,000 réis; Pedro da Rocha, 24,000 réis; João Rodrigues de Oliveira, 24,000 réis; Baltazar Nunes de Abreu, 24,000 réis; Manuel Henriques Neto, 24,000 réis; João de Pimentel, 38,400 réis; Pedro Cardeira, 24,000 réis; Luís de Goes de Beja, 43,560 réis; Francisco de Sá Mesquita, 24,000 réis.[16]
Manuel Lopes de Oliveira, mercador, foi tesoureiro da Câmara em 1714 e 1715;[17] Bento Martins Sameiro achou-se colectado em 200 réis pelo imposto do quatro e meio por cento que lhe foi lançado em 1730;[18] Pedro da Rocha era, em 1708, escrivão das armas;[19] João Rodrigues de Oliveira foi escrivão do judicial e procurador do Concelho, tendo exercido 2 mandatos, em 1705 e 1727; Manuel Henriques Neto era lavrador abastado;[20] João de Pimentel era também lavrador abastado;[21] Pedro Cardeira era cerieiro, morador na Cidade;[22] Luís de Goes de Beja foi tesoureiro da Câmara no ano de 1730 e foi colectado, neste mesmo ano, em 300 réis pela posse de umas casas sitas na Rua do Touro, em Beja, e em 600 réis pela posse das suas fazendas.[23] De Baltazar Nunes de Abreu e Francisco de Sá Mesquita não lográmos encontrar quaisquer referências documentais.
No Livro de Receita e Despesa do ano de 1713 se discriminam as despesas feitas com a entrada e a estada do infante D. Francisco em Beja. A listagem é extensa, mas a sua transcrição impõe-se, pois ela ilustra bem a complexidade da logística a que foi necessário recorrer para fazer face a tão magna ocorrência: com os homens que limparam as ruas da urbe e estradas, 9,600 réis; a Gaspar Luís, de Viana, pela louça que trouxe para a ucharia de Sua Alteza, 6,000 réis; caminheiro que foi a Castro Verde com ordem para se trazerem víveres, 480 réis; carpinteiros que fizeram os tabuleiros e caixa para o presente, 9,650 réis; Manuel Dias Ameixa, sapateiro, pelos sapatos que fez para os homens que levaram o presente, 8,640 réis; pedreiros das calçadas e estradas, 21,375 réis; pintor que pintou os tabuleiros do presente e ouro para o mesmo, 4,800 réis; carpinteiros e pedreiros das obras nas casas de Sua Alteza, 14,400 réis; caminheiro, 240 réis; homens que acarretaram as camas para a comitiva de Sua Alteza, 360 réis; Madre Maria José, que fez as caixas do presente, 13,920 réis; José Hilário, armador de Lisboa, pela condução da armação, gastos pessoais e alfinetes, 14,320 réis; alfaiates que fizeram os vestidos para o presente, 10,030 réis; José da Silveira, por tábuas que vendeu para as caixas e tabuleiros em que foi o presente, 9,750 réis; Francisco Álvares, dos pampilhos e choupas que se mandaram fazer para os touros, 4,440 réis; custo da estada do armador na estalagem, 5,060 réis; amêndoa para os alcorces do presente, 4,320 réis; pintor que pintou as varas da Câmara, 4,800 réis; alquitira, 1,600 réis;[24] Manuel Figueira Rebelo, pelas meias para os homens e fitas do ornato das caixas do presente, 6,520 réis; José Rodrigues, almocreve, pelas cavalgaduras em que se transportou o armador, 3,600 réis; António Rodrigues, almocreve, por uma carga que trouxe do Porto, 2,400 réis; tábuas para obras, 17,280 réis; caminheiros que foram a Alcoutim e Mértola para que de lá viessem víveres, 1,440 réis; pedreiros que calçaram as ruas, tapigos de travessas e outros mais gastos, 28,800 réis; armador José Hilário, do resto do ajuste principal que era de 120,500 réis (sic); caminheiro, 1,200 réis; Luís de Goes de Beja, por 4 lampiões, 12 dúzias de galinhas, 6 dúzias de perus, e outros gastos, 55,200 réis; 4 cargas de espadana, 1,440 réis; João Gomes, pintor, que pintou as Portas de Évora, 4,800 réis; José Hilário, armador, pela armação que fez na Porta de Évora, 4,800 réis; Pedro da Rocha, pelo empréstimo que tinha feito ao Concelho, 24,000 réis; João Rodrigues de Oliveira, pelo empréstimo que tinha feito ao Concelho, 24,000 réis; Nicolau Godinho, confeiteiro, pelo açúcar que se gastou nos alcorces, 25,520 réis; para pagamento dos 100,000 réis que se pediram aos bens de raiz do Concelho, 100,000 réis; Bento Martins Sameiro, pelo empréstimo que tinha feito ao Concelho, 24,000 réis; Manuel Martins Ganhão, pelos carneiros que vendeu para o presente, 37,200 réis; Pedro Dias de Oliveira, pelos vestidos dos homens do presente, por conta de 60,000 réis que se lhe deviam, 10,920 réis. Despesas que ficaram em dívida: Sebastião Godinho, de Vale de Pães, por 5 vitelas que se lhe tomaram para o presente, 15,000 réis; Domingos Vaz, por uma vitela que se lhe tomou para o presente, 3,000 réis; por uma vitela que se tomou ao Mascarenhas, 3,000 réis; Luís Cardeira, por 4 reses que se lhe tomaram para o presente, 16,000 réis; Domingos Fernandes, por uma vitela que se lhe tomou para o presente, 2,400 réis; Pedro Dias de Oliveira, das drogas que forneceu, cuja importância total era de 60,000 réis de que já tinha recebido 10,920réis, 49,080 réis.[25]
Foram mobilizados artífices, mercadores, lavradores, recorreu-se aos concelhos vizinhos de Mértola, Castro Verde e Alcoutim para suprir a insuficiência de víveres, alindaram-se ruas, arranjaram-se estradas e caminhos, embelezou-se a casa de Miguel da Cunha Alcoforado, onde o infante fez pousada.[26] O esforço financeiro foi enorme. E se o montante dos gastos não se refletiu de imediato nas receitas e despesas de 1713, que ainda nesse ano registaram um superavit de 223,776 réis, os orçamentos camarários foram deficitários nos anos seguintes de 1714, défice de 17,499 réis, 1715, défice de 44,738 réis, 1716, défice de 9,126 réis, 1717, défice de 16,187 réis, voltando a verificar-se somente em 1718 um saldo positivo no montante de 283,930 réis. Em 1714, despendeu a Câmara pelos foguetes que se ficaram a dever ao fogueteiro aquando da entrada do Infante em Beja, 6,000 réis e, em 1721, ainda a Câmara pagava dívidas contraídas naquela ocasião, tendo nesse ano pago a Baltazar Nunes de Almeida a quantia de 12,000 réis e igual quantia a Pedro Cardeira, quantias remanescentes do que lhes era devido.[27]




[1] Cf. Maria Paula Marçal Lourenço, A Casa e o Estado do Infantado (1654-1706), s/l., Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, p. 35.
[2] Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1640-1750), vol. V, Lisboa, Editorial Verbo, 1980 pp. 222-223.
[3] Cf. História de Portugal, Vol. VI, Dir. de Damião Peres, p. 155.
[4] Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit., p. 239.
[5] O Tratado de Utreque viera pôr fim à Guerra da Sucessão de Espanha. O tratado de paz entre Portugal e o reino vizinho foi celebrado a 6 de fevereiro de 1715, ratificado por Luís XIV em 18 de abril e por D. João V a 9 de maio. Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit., pp. 238 e 241-242.
As terras situadas na margem esquerda do Guadiana tinham sido invadidas e devastadas na sequência do conflito. Nos fins de 1707 tropas inimigas invadiram o Alentejo, apossando-se de várias terras, entre as quais Serpa e Moura, as quais só viriam a abandonar no ano seguinte, depois de lhes destruírem as defesas, à excepção de Noudar que conservaram até ao final da guerra. Cf. História de Portugal, Vol. VI, Dir. de Damião Peres, pp. 162-163.
[6] Nascido em Lisboa a 25 de maio de 1691, D. Francisco é personagem histórica um tanto obscura. A ele se atribui o propósito de substituir seu irmão no trono, ao recusar-se a acompanhá-lo quando este intentou deslocar-se a vários países da Europa, aproveitando a sua ausência para se insinuar junto de sua cunhada, a rainha D. Maria Ana. Contudo, não há provas seguras de que tal propósito tenha acontecido. A História fixou dele a imagem de homem cruel e de feição perdulária. Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit., pp. 236-237.
[7] Era ouvidor o Dr. Francisco de Gouveia de Abreu e procuradores do povo Manuel de Faria e Francisco Rodrigues Palha Cf. AHMB, Vereações, Lvo 116, fl. 2vº.; era provedor da Comarca o Dr. Manuel Pestana de Vasconcelos. Cf. AHMB, idem, Lvo 116, fl. 22vº-23.
[8] A Quinta da Saúde é lugar ainda hoje existente, uma quinta sita a cerca de 2 quilómetros a poente das muralhas citadinas. Pela descrição do percurso deduz-se que este se fez pela antiga estrada de Lisboa, a qual passava muito próximo da referida Quinta e defronte do Convento de Santa Clara, situado extramuros, a um tiro de mosquete, no dizer do Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia. O documento não refere, contudo, qual o local de proveniência do infante D. Francisco e sua comitiva. Cf. António Carvalho da Costa, Corografia portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas e lugares, Tomo II, Lisboa, na Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1708, p. 468. Disponível em http://purl.pt/434.
[9] Massa de farinha, manteiga e açúcar de que se fazem confeitos, flores, passarinhos e outras galantarias. Cf. Francisco Solano Constancio, Novo Diccionario Critico e Etymologico da Lingua Portugueza, Paris, na Oficina Typographica de Casimir, 1836, p. 46-47.
[10] Planta cuja raiz, cónica, preta e carnuda é comestível; doce feito da raiz desta planta.
[11] Cf. AHMB, Vereações, Lvo 116, fls. 25vº-28vº.
[12] Cf. Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico, Lisboa, Edições 70, 2016, pp. 136-139.
[13] Cf. Livro da Receita e Despesa, PT/ADBJA/AL/CMBJA/E-A/001/0077, fl. 62vº.
[14] Cf. idem, ibidem, fls. fls. 56vº-58vº.
[15] Cf. idem, ibidem, fl. 64
[16] Cf. idem, ibidem, fls. 61,62.
[17] Cf. AHMB, Vereações, Lvº 117, fl. 10 e Lvº 118, fl. 13.
[18] Cf. Livro do Quatro e Meio por Cento, PT/ADBJA/AL/CMBJA/F-A/002/0074, fl. 33.
[19] Cf. AHMB, Vereações, Lvo. 111, fls. 59-60.
[20] Cf. AHMB, idem, Lvo. 112, fls. 23-26.
[21] Cf. AHMB, idem, ibidem, fls. 111vº-126
[22] Cf. AHMB, idem, Lvo 109, fls. 13vº-16
[23] Cf. Livro do Quatro e Meio por Cento, PT/ADBJA/AL/CMBJA/F-A/002/0074, fl. 52.
[24] Goma que corre naturalmente ou por incisões que se fazem no tronco e ramos desta planta e é empregada na medicina e em algumas artes. Cf. Antonio de Moraes Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, Tomo I, p. 144, I vol.
[25] Cf. Livro da Receita e Despesa, PT/ADBJA/AL/CMBJA/E-A/001/0077, fls. 64-71vº.
[26] Miguel da Cunha Alcoforado foi vereador em 1703 e 1719.
[27] Cf. Livro da Receita e Despesa, PT/ADBJA/AL/CMBJA/E-A/001/0079, fl. 60vº.

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